Cristine estava com os dois punhos amarrados a uma cama. Já tinha tentado se soltar várias vezes, mas não conseguira. Vestia apenas um sutiã e calcinha, e sentia-se mais exposta do que nunca. Patrão tinha saído do quarto, mas ela sabia que era apenas uma questão de tempo até ele voltar. Para estuprá-la.
Tudo que passava por sua cabeça era o quanto fora estúpida por não ouvir os conselhos de Enzo e Marcela. Bem, na verdade, ela os tinha ouvido. Sabia do risco que estava correndo ao voltar para a cidade, mas simplesmente não acreditara que a situação pudesse estar tão séria. Não achava que a obsessão daquele homem pudesse mesmo estar tão latente. Estava pagando o preço por sua teimosia, por sua incredulidade.
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Ela estava em silêncio, com uma expressão melancólica, mas parecia calma. Enzo tomou sua mão carinhosamente, e ela virou-se para ele, com o esboço de um sorriso no rosto. Era difícil olhar para ela e pensar que deveria estar destruída por dentro, embora mantivesse a cabeça erguida. Tinha passado por dois tipos diferentes de assédio em dois dias consecutivos. Imaginava que deveria estar se sentindo vulgarizada, suja e vulnerável. Apesar disso, nem sequer protestou quando ele desviou o caminho, indo em direção à casa dele. Tudo que queria naquela noite era cuidar dela. Ao estacionar na garagem, Enzo abriu a porta para ela saltar e a guiou para dentro da casa, mantendo o braço ao redor de seus ombros.
Depois daquele fatídico dia, Cristine ficou morando com Enzo, em sua casa. Eles ainda tinham planos de retornarem para Angra, para mais uma semana de férias, contudo, ainda queriam ficar de olho em Patrão por um tempo, afinal, ele deveria estar furioso, e quem poderia pagar seriam seus amigos ou familiares. Na verdade, depois de levar o tiro de Enzo, Patrão foi parar no hospital. Foi operado para ter a bala extraída, mas parecia recluso desde então, pois não se tinha ouvido nenhuma notícia, nem boa, nem ruim. Ele costumava ser protagonista de várias notícias do jornal local, mas desde que tinha saído do hospital, há dois dias, não se tinha ouvido falar nada dele. O que poderia ser um bom sinal, é claro, ou um péssimo. Poderia estar planejando algo muito perigoso ou simplesmente com medo de Enzo, o que eles
A areia branquinha fazia cócegas em seus pés enquanto caminhava pela praia, com o sol se pondo no horizonte. Enzo estava dentro da casa, trabalhando, e ela, sufocada com tantas coisas em sua cabeça, decidiu ir dar um passeio, observar o mar e ver o sol adormecer na linha do horizonte. Já estavam na ilha há algumas horas, tinham conseguido alugar uma lancha e já possuíam transporte, caso precisássem voltar com pressa, por algum motivo. E por falar em pressa, ela não sentia nenhuma naquele momento. Sentia-se letárgica e levemente melancólica. Era engraçado pensar que estava vivendo céu e inferno ao mesmo tempo. Tinha alguém especial em sua vida, que tornava seus dias mais coloridos, que fazia com que esquecesse dos momentos obscuros pelos quais passou — e não foram poucos. Porém, sabia que ainda
A noite estrelada sussurrava promessas. Enzo e Cristine estavam adormecidos, abraçados e exaustos depois de uma noite de amor, quando ele despertou sobressaltado depois de ouvir um barulho dentro da casa. Abriu os olhos de súbito e ficou algum tempo parado, tentando discernir alguma coisa ou se fora apenas produto de sua imaginação preocupada. Porém, ele ouviu algo outra vez. Um tilintar suave, um bater de porta, uma voz ao longe... Alguém estava invadindo a casa... Enzo ergueu o corpo da cama, e seu movimento foi mais brusco do que desejaria, pois acabou acordando Cristine. Mas era bom que ela também estivesse em alerta, pois teriam que ficar preparados para o pior.&
As mãos de Cristine tremiam violentamente. Ela não fazia lá muito ideia de como se usar uma arma, mas tentaria se fosse preciso. Daquela distância, seria bem difícil errar a cabeça de Patrão. Seria um belo estrago, mas significaria sua liberdade. — Querida, você nunca matou ninguém, tenho certeza que não vai querer começar agora... — Patrão falou com sarcasmo. O que mais a irritava era o fato de ele ser perigosamente articulado. — Você não me conhece. Não sabe do que sou capaz — ela falou com autoridade, tentando disfarçar o nervosismo. — Agora quero que solte Enzo ou vou estourar seus miolos. Ela estava blefando, é claro
DIAS DEPOIS Tinha passado horas consertando o velho Chevette de estimação do Sr. Raul, o jardineiro da cidade, e sentia-se exausta. O problema era quase sempre o mesmo: o motor. Ele insistia em manter o original, mas Cristine sabia que não poderia fazer milagres por muito mais tempo. Em breve teria que dar o aviso de falecimento, aquela lata velha teria que ser enterrada. Não que não fosse um belo carro. Modelo 81, naquele tom marrom que hoje em dia já estava mais do que fora de moda, muito bem conservado, com peças originais... Se não fosse tão teimoso, ele poderia ter ganhado uma boa grana naquele veículo. Muitas pessoas já tinham lhe oferecido um bom dinheiro, mas ele insistia que ninguém iria tocar no seu “precioso”, muito me
Enzo Andrade cresceu ouvindo que a vingança era um prato para se comer frio. E, como um bom aprendiz, prestou atenção e assimilou cada palavra, guardando-as como um mantra. Ele sabia que chegaria sua hora de dar o troco. Então, esperou pacientemente, calculando cada passo, arquitetando cada etapa como um experiente estrategista. Não tinha pressa, porque sabia exatamente o que aconteceria: o destino se encarregaria de resolver as coisas e lhe dar a oportunidade certa para colocar tudo em pratos limpos. E, depois de muita espera e perseverança, o dia tinha chegado. Ensolarado, quente e belo; um dia perfeito para se colocar um plano em prática. Um plano igualmente perfeito. Já estava dirigindo há dua
Ela sentia as costas doerem e o estômago reclamar de fome. O que mais a incomodava, ela não saberia dizer. Havia o calor também... Desde quando São Valentim tinha se tornado uma das províncias do inferno? Tocou a campainha da casa onde almoçava diariamente às quatro da tarde. Almoço? Aquilo estava mais para uma janta, por isso, esperava que fosse logo atendida, até porque, sentia sede também. Aquela cadelinha feia veio correndo em sua direção. Por mais que estivesse com pressa, afinal, ainda tinha bastante trabalho pela frente, não resistia a lhe dar atenção. Dificilmente era tão bem recebida daquela forma em algum lugar. Especialmente em sua própria casa.