— Sul fica na esquerda e norte fica na direita — ainda no chão da cabana tento descobrir para qual caminho Hector foi.
A porta do chalé está arreganhada. O vento traz além do frio, a chuva, que molha o piso de madeira e faz a água escorrer.
Minhas lágrimas já pararam de descer, talvez por consequência do vento que as secou.
Merda! Quero gritar outra vez e outra até as cordas vocais estourarem. Ódio, raiva, angústia, dor e mais sei lá o que estou sentindo. O que foi que fiz? Horrível. Hector vai encontrar o caminho de volta e vai estragar tudo. Tudo!
O que vou dizer para Eltery? O que ele fará na verdade? Ficará com muita raiva com certeza. Vejo o rosto dele de decepção e vejo também Hector me ignorando quando voltarmos ao internato. Acabou… acabei com tudo.
Se pelo menos Hector não fosse tão desconfiado é provável que as coisas estariam de pé até agora, mas ele é muito inteligente, e eu não sei mentir. Nunca soube e nunca vou saber.
Hector quase escorregou na porta do chalé por causa da chuva. Segurei um riso, enquanto continuava o segurando por causa do tornozelo torcido.Subimos com cuidado para o segundo andar, queria ter o ajudado a tomar banho, mas ele preferiu tomar sozinho após um rosnado.O bom que no final tudo deu certo, tirando meu corte na testa e o tornozelo de Hector.Sentado na cama, enquanto passo os dedos pelo corte na testa e espero Hector sair do banheiro, sinto uma fome quase agoniante. Como se meu estômago estivesse se desolvendo para dentro.Talvez ainda tenha maçãs jogadas no chão lá de debaixo. Claro que elas poderiam estar limpas e gurdadas na minha bolsa, mas Hector precisava dar um showzinho.Escorrego da cama como um cadaver e ando para fora do quarto como uma lesma tentando fugir do sal.Está de dia, mas a chuva parece só estar no começo outra vez. Se continuar
“Trouxe comida!” Gritou Amster batendo à porta.Era quente em casa como em um deserto, eu estava escorado na janela do quarto, no segundo andar, observando um cachorro correr atrás do próprio rabo enquanto uma mangueira estourada o molhava.“Se vista e desça!” Amster avisou outra vez. Larguei a visão do cachorro e caminhei para as minhas roupas jogadas próximo a cama. Vesti a cueca, a calça e a camiseta do Mickey.O espelho me olhou por um breve momento, julgando-me e me desprezando. “Putinha,” dizia e era na voz de Jack.“Eu realmente não gosto disso,'' justificava-me rápido e desesperado. “É ele que faz. É ele que me obriga.”“Você gosta… você goza e sente prazer com ele tocando. Gosta de como ele faz.”“Não! Eu não gosto!”“Gosta
Brigar, gritar, apanhar, vomitar, fazer birra, enfiar o lápis no olho de Jack, jogar café no rosto de Jack, discutir com Heather, virar amigo de Heather, brigar com Jack, virar amigo de Jack e brigar outra vez com Jack.Esse foi o resumo dos meus primeiros cinco anos no internato, nada de relevante ou marcante. Tudo construindo em base de brigas, discussões e desfazer e refazer amizades.No dia que completei treze anos, meu colega de quarto decidiu ter um ataque de alergia e morrer agonizando no chão. Péssimo.Era noite e eu estava quase dormindo quando ele começou a gemer. Ergui o rosto do travesseiro dando tempo apenas de vê-lo levantar da cama se tremendo e depois despencar no chão.Devia ter feito alguma coisa, tive bastante tempo, mas fiquei parado vendo ele estourar a cabeça no chão.Nossa, foi realmente muito sangue. Quando decidi sair do quarto para pedir ajuda, meus pés se encharcaram de sangue. Lembro que mesmo depois de ter l
Senti o sabor e engoli. Eltery retirou o pau da minha boca com um sorriso aliviado, logo me puxou para cima e me deu um beijo.Estávamos dentro de uma sala de aula — matando aula —, obviamente ficaríamos de reforço para algum aluno só para recuperar nossas faltas quem vinham sendo mais frequentes que o sexo. Bem, a maioria das faltas eram por causa do sexo."Devíamos tentar fugir daqui,” sugeri pela segunda vez na semana. Aquele mês tinha sido o ponto inicial do meu desespero quando relembrei da promessa de Amster. Isso me fez refletir naqueles dias que por algum motivo, quando Amster fez a promessa, já sabia que eu não ficaria muito tempo com ele.Agora preso em um chalé com Hector, isso parece tão idiota de se ter medo. Amster não deve nem pensar mais em mim, nem lembrar dessa promessa tosca. Ele só tinha quinze anos, e agora deve ter a idade do Hector.
“O que você sente por mim?” Perguntou Eltery entrando no banheiro. Era segunda, da semana seguinte, após o belo acontecimento de eu tentar seduzir o segurança. “Não esperava isso de você. Por que fez isso?”Continuei lavando as mãos encarando meu reflexo no espelho.“Já tínhamos terminado. Foi o suficiente.”“Não foi o suficiente!” Gritou. “Achei que você estava brincando.”“Não sou de brincar com isso. Não estava claro o suficiente?” Parei de olhar o espelho e passei a olhá-lo. Eltery estava visivelmente decepcionado com o que eu estava fazendo. Eu também não queria estar fazendo aquilo, mas estava mais preocupado comigo mesmo do que com ele. Sempre estive mais preocupado comigo mesmo do que com os outros.“Você está me rasgando, Angus. Você tornou isso uma brincadeira, não é uma brincadeira para mim.”“Sinto muito, preciso fazer isso.”“Precisa fazer isso? Você não precisa fazer isso. Nunca precisou.”“Já precisei, lembra?”“Ma
O subsolo era frio e barulhento. Cheirava a umidade e roupa suja, e ainda era escuro e sem ventilação como em uma caverna.“Esfregue o chão junto com os outros,” ordenou a inspetora assim que guardei minhas roupas no dormitório. ”Lave embaixo dos túneis de ventilação, eles costumam juntar muita gordura e poeira.”Jogou uma escova de lavar o chão no meu peito e entregou um balde com água e sabão.Eltery foi mandado para limpar as privadas do subsolo, o vi pela primeira vez lá quando fui usar o banheiro. Estava tão apertado que parecia que até chegar ao banheiro teria mijado pelo caminho todo.“Isso é uma merda,” comentou Eltery da outra cabine enquanto eu fazia xixi. O barulho de escova esfregando algo era bem relaxante.“Pensei que você já estava acostumado,” balancei o pinto, colocando ele para dentro das calças de novo.“Acostumado. Nunca vou me acostumar a limpar merda nenhuma,” disse irritado, saindo da cabine. “Eu estava indo bem até a
“Hector estava ansioso hoje. Fazia tempo que não transavamos,” comentei de noite, no dormitório de Eltery, após ter deixado Hector depois de uma transa exaustante que me deixaria assado durante o dia seguinte inteiro.“Não quero saber disso, Angus. Pensar em você com ele é complicado para mim,” ele estava deitado na cama copiando algo do livro de física no caderno.“Ok,” circulava pelo dormitório dele tentando aliviar ardência. “Quem é a garota que você estava abraçando naquele dia?”“Que garota?”“A loira. Você olhou para mim e para Heather enquanto debochavamos de vocês.”“Espera, vocês debocharam da gente?”“Sim, quem é ela?” Sentei-me na cama ao seu lado, atrapalhando-o de copiar seja lá o que estava copiando.“Só estamos ficando. Nem ela acredita que seja sério.”“Não?” Levantei a sobrancelha.“Tá, um pouquinho, mas quando sairmos daqui só será a gente. Sem Hector ou garota loira.”“Não temos muita maturidade para um r
A tempestade está mais forte do que quando fui dormir com Hector ontem à noite. Ele não está mais ao meu lado na cama, mas sinto cheiro de almôndegas e molho de tomate vindo lá de baixo.— Hector? — chamo, levantando-me. Agarro minhas roupas no chão e vou vestindo cada peça até chegar à porta do quarto. — Hector?— Aqui embaixo. O almoço está quase pronto — a voz de Hector é calma e alegre. Por algum motivo ele está feliz, talvez por causa da nossa briga idiota e de sua desconfiança infinita? Bem, espero que ele tenha largado essa desconfiança até eu ir embora daqui com Eltery.Desço sem pressa para o primeiro andar, sentindo com mais detalhes o cheiro do molho e das almôndegas a cada passo. Hector está sem camiseta, próximo ao fogão, e mancando quando se movimenta para pegar algo no balcão.— Boa tarde, querido — ele manca em minha direção.— Não precisa vir aqui — tento avisar, mas ele já deixa um beijo suave nos meus lábios e se afasta, mancando de v