3*

Um mês depois.

— Ansiosa? — pergunta Manu e olho para ela.

— Ansiosa é pouco. Estou surtando! — rio e paro de arrumar as prateleiras.

Falta quase um mês para o vestibular. Só de pensar sinto minhas mãos suando e o coração disparado.

— Estou estudando feito louca para isso. Sinto que minha vida depende disso agora — digo.

— Preciso passar também amiga, acredito que se eu passar minha vida mudará, entende? — assinto com a cabeça.

Quero fazer faculdade de Veterinária, Manuela quer fazer Nutrição. Então não estou mentindo quando digo que preciso e quero passar nisso. Esse será o maior passo dado em toda minha vida.

— Pare de sonhar um pouco e volte a trabalhar — diz ela batendo em meu braço.

— Volte você, ainda não sei porquê está aqui e não no caixa — volto a arrumar as caixas de leite na prateleira.

— A voz da Mônica tá me irritando. Que mulher chata, viu... — apenas rio — Amiga, ficou sabendo?

— Não, o quê? — sinto meu estômago queimar e a ânsia voltar.

Ultimamente estava me sentindo mais enjoada que nunca. Além disso me sentia cansada e com dores de cabeça constantes, tanto que que tive de faltar ao emprego algumas vezes para fazer exames, pois a empresa me obrigou. Falei que talvez fosse começo de gripe, mas não deram ouvido. Enfim, perda de tempo.

— Mônica é corna. — Manuela solta a bomba e coloca o sorriso orgulho nos lábios.

— O quê? — arregalo os olhos, realmente chocada.

— Pois é, amiga! A empresa toda está sabendo. O vagabundo do Breno traiu ela com a promotora do outro mercado.

— Com aquela morena que estava vindo direto aqui?

— Ela mesmo. Fiquei chocada! Mas falta de aviso não foi né, amiga? Todo mundo avisou que Breno não prestava e não é surpresa Mônica ser corna. — Me assusto ao levantar a cabeça e ver Mônica parada atrás de Manuela com as mãos na cintura ouvindo tudo.

Manuela continua maldizendo sem parar, faço sinal com os olhos e até tento emitir algum som com a garganta para que ela se dê conta.

— Que foi menina, tá passando mal? — pergunta irritada e bato a mão em minha testa.

— Espero que a fofoca com meu nome tenha trazido muito entretenimento para ambas — diz Mônica e não sei onde meter a cara. Manuela agora encara a mulher — Agora espero que às duas voltem ao trabalho — ela fixa o olhar em Manu.

— Com prazer — diz minha amiga saindo e me deixando sozinha. Mônica me olha de cima a baixo.

— Quando quiser falar mal de alguém, vá a um lugar reservado da próxima vez, ok? — apenas concordo, ainda sem chão.

Ela sai e logo sinto meu celular vibrando.

Manuela:

Essa mulher é uma vaca!

Eu:

Você também, sua piranha safada.

Fala as merdas e me deixa sozinha!

Manuela:

Você sabe que te amo! Esqueci de perguntar, tá melhor?

Eu:

Estou. Ainda enjoada, mas a virose já está passando.

Manuela:

Que bom! Temos outro baile pra ir!

Eu:

Não sei se estou afim, Manu...

Manuela:

Não está afim ou não quer encontrar um

certo homem alto, musculoso e tatuado?

Eu:

Não estou realmente afim.

Bloqueio o celular e olho em direção aos caixas, e lá estava Manuela me olhando e sorrindo, se divertindo com a situação. Confesso que depois daquela noite pensei em Daniel apenas no dia seguinte, depois eu literalmente apaguei o que aconteceu conosco. Nós apenas transamos, foi legal para ambos, mas somos de mundos diferentes e não tinha a menor chance de eu virar marmita de traficante, nem que me pagassem para isso.

Terminei de arrumar a prateleira e fui até o estoque para fazer as anotações necessárias.

Pai:

Janta hoje?

Sorrio com a mensagem.

Eu:

Seria ótimo aquela macarronada que

o senhor sempre faz.

Pai:

Macarronada junto com nosso programa favorito.

Eu:

Perfeito!

***

As horas graças a Deus passaram rápidas, faltava menos de uma hora para eu ir para casa, tomar um banho e me jogar no sofá, me entregando inteiramente a preguiça.

— Ana, o chefe quer ver você, — diz o gerente, parando ao meu lado.

— Sabe do que se trata, Ricardo? — pergunto.

— Exame. Suponho ser isso

— Ótimo.

Meu chefe é Luiz, ele é amigo do meu pai desde da faculdade e foi graças a isso que consegui esse emprego. Vou em direção a sala do homem e bato antes de entrar.

— Me chamou? — vejo que ele está sentado e assim que me vê fica em pé rapidamente.

— Sim, entre — diz, então me dirijo até a cadeira e me sento.

Luiz fica me olhando sem dizer uma palavra.

— É sobre o exame? — pergunto, ele pigarreia e passa a mão na boca.

— Sim, é sobre o exame... — por algum motivo meu coração acelera.

— Tenho algo? Estou doente?

— Não, não é isso — diz apressado — Desculpe a pergunta Analu, mas você tem namorado? — ergo a sobrancelha.

— Não, mas o que isso tem a ver? — ele respira fundo.

— Bem que ele me disse... — o homem sussurra, mas eu ouço.

— Ele quem? — me olha com pena — Diga de uma vez, chefe. Estou ficando nervosa! — ele se levanta e pega um envelope branco.

— Não sei como dizer... Veja você mesma.

Olho para se rosto, sua pele que normalmente é escura, estava levemente pálida. Sinto meu coração fervendo de medo e ansiedade. Volto a atenção para o papel e quando abro quase infarto ali mesmo.

— O que isso significa? — pergunto ainda tentando entender.

Paciente: Ana Luiza da Silva Faria

Idade: 19 anos

Convênio: Particular 2017

Medico: —.

Data da coleta: 18/01/2018

Resultado: REAGENTE

Não reagente — Não grávida

Reagente — Grávida

***

— Você está grávida — olho para ele, incrédula.

— Impossível — nego balançando a cabeça freneticamente.

— Esse é o resultado. É quase certeza, mas você pode refazer o teste em sete dias.

— Eu, Ana Luiza, grávida? — rio, de nervoso — Isso é impossível!

— Você está gravida de um mês e alguns dias, minha jovem — sinto a raiva tomando conta de mim.

— CALA BOCA, CALA BOCA... Não fala isso, não quero ouvir! — sinto as lagrimas caírem.

— Vá para casa e converse com seu pai. Ele está esperando você — olho para Luiz, surpresa.

— Você contou para ele antes de contar para mim?

— Sabe que somos amigos, pensei que ele deveria saber — outro grito subiu, mas eu segurei. Encarei o homem a minha frente, sem me importar com as lágrimas que começavam a cair.

— Você não pensou que eu é que deveria contar? — falei como todo o desgosto que conseguir demostrar.

— Sinto muito! Sei que você é forte e que vencerá isso com seu pai e o pai da criança — o gosto amargo subiu na garganta e lembrei de Daniel.

Estou fodida. Completamente fodida!

Saio da sala e bato a porta. Naquele momento não me importei com ninguém e com mais nada, apenas passei no vestiário, peguei minhas coisas e cai fora do lugar.

Quero sumir.

***

O céu já escureceu e as luzes de casa estão acesas quando chego. Depois que sai do mercado, andei lentamente pelas ruas ainda sem acreditar e sem saber o que dizer ao meu pai, apesar de ter a certeza de que ela já estava ciente da novidade: eu estava grávida. Com apenas 19 anos e o vestibular se aproximando. Minha vida estava apenas começando, ser mãe não estava nos planos.

Sinto-me decepcionada comigo mesma. Quero me bater, mas a única coisa que sei fazer é chorar. Toda vez que penso não haver mais lágrimas para descer, elas brotam de algum lugar dentro de mim. Não sei o que é pior, estar grávida aos 19 anos ou o pai da criança ser um traficante.

Abro a porta de casa e me deparo com três grandes malas. Minhas malas de viagem. Minha mão trava na maçaneta e sinto minhas pernas fracas. A sombra do meu pai aparece vindo da cozinha e olho diretamente para ele.

— O que isso significa, pai? — ele cruza os braços.

— Suas coisas — diz ele com uma frieza que gela todo o meu corpo.

— Pai... O senhor está me mandando ir embora? — minha garganta queima.

— Sempre te avisei, Ana Luiza... sempre deixei bem claro para que não usasse drogas e nem engravidasse, porquê caso alguma dessas coisas acontecesse, você iria direto para rua! Eu te avisei!

— Pai, me perdoa! Eu não tenho onde ficar, pai! Por favor, me perdoa! — dou um passo para dentro de casa — Por favor, não faça isso!

— Você pensa que sustentarei você e essa criança? Você fez, você procurou com quem fazer e agora assuma sua responsabilidade, garota irresponsável! — as lágrimas caem sem parar, lavando meu rosto.

Não consigo falar, não consigo respirar e sinto como se meu coração estivesse sendo esmagado. Minhas pernas falham quando dou outro passo.

— Eu não tenho para aonde ir — falo baixo, sentindo o peso da humilhação.

— Tem, você tem sim. — Responde ele, dando um passo em minha direção — Procure o vagabundo que trepou com você!

— Me desculpa!

— Chega, Ana. Chega! Cansei das suas desculpas, cansei da sua cara! Saia! — Tremo mais ao ouvir suas palavras, e também ouço o barulho da chuva que começa a cair lá fora. Logo o cheiro de terra molhada invade meu nariz.

— A mamãe, ela... — sinto o tapa no meu rosto. Levo a mão à bochecha e olho para o homem.

— Você está proibida de tocar no nome dela! — ele grita enquanto aponta o dedo para mim — Se você não tivesse feito a porra da birra no carro, ela ainda estaria com o cinto! Ela não teria ido falar com você, ela estaria... — seria melhor levar uma facada no peito do que ouvir tudo aquilo — ... estaria viva, estaria aqui.

Minha cabeça doi, tudo doi, mas não chega perto da dor de ouvir aquelas palavras saindo da boca de meu pai.

— Então você me culpa? — seus olhos estão vermelhos, lacrimejando.

— Você não? — fico em silêncio — Pois deveria!

O estado de choque diante das acusações não me permite falar uma palavra sequer, até mesmo as lágrimas cessam.

— Vá embora! — Finaliza o homem, que já desconheço.

— Primeiro me culpa por algo que sabe que não é minha responsabilidade, e por fim vai me colocar para fora mesmo sabendo que não tenho para aonde ir, no estado em que estou, com a tempestade caindo lá fora...

— Eu não me importo! — ele se afasta e olha para minha mão — Deixe as chaves antes de ir.

Encaro o molho em minha mão, com o chaveiro que ele me deu com a foto de nossa família, eu sorrindo no meio dos dois. Retiro o objeto, encarando-o em seguida firmemente.

— Se eu sair por essa porta, nunca mais chamarei você de pai — começo — Você morrerá pra mim! — o homem me olha e então toca a corrente que dei para ele de aniversário no ano passado. Sua mão se fecha ao redor do acessório, e ele a puxa, arrebentando-a de vez.

— Você é que já morreu para mim! — Ele se vira e some pelo corredor.

As lágrimas voltam a cair com força, é impossível segurar. Caio no chão ainda segurando o chaveiro, e choro. Acabou, meu mundo acabou!

***

Estou sentada em frente à uma praça perto de casa. São 2h da manhã e estou sozinha com três malas pesadas. Já chorei demais, não tem mais lágrimas para sair. Me encolho e meu queixo b**e cada vez mais forte por conta do frio. A chuva aumenta e o vento também não ajuda, se eu continuar molhada com certeza ficarei gripada.

Respiro fundo, juntando força para ligar para Manuela.

— O que tu queres uma hora dessa, vagabunda? — ouço sua voz de sono.

— Manu, preciso de você... — minha voz está trêmula, pelo frio, mas principalmente por conta do nervosismo.

— Você está bem? Por que o barulho da chuva está assim tão forte? Onde você tá?

— Meu pai me expulsou de casa...

— O quê? — tenho certeza de que ela acordou seus pais com o grito que deu — Como assim? Por que?

— Depois explico — deito a cabeça no joelho — Posso ficar na sua casa por hoje? Por favor — ouço minha amiga levantando-se.

— Que pergunta idiota, é claro que pode... Onde você está?

— Na única praça perto de casa, lembra o caminho?

— Sim, lembro! Estou saindo agora, me espera aí.

— Ok

Desligo o aparelho e me encolho um pouco mais. Meu peito dói a cada segundo que minha mente lembra da fisionomia e palavras do meu pai, de sua voz de desdém ao falar que não se preocupa mais comigo, de seus olhos sobre mim com decepção, desgosto... o sentimento de quem não me conhecia mais.

E é isso, nem eu me conheço mais.

É estranho como, de uma hora para outra, seu mundo vira, mas o meu não apenas girou, ele capotou. E para bem longe, parece não parar de girar...

Manu não demora a chegar. Luan está no carro com ela e corre até mim, me abraçando e me fazendo chorar mais uma vez. Minha amiga também me abraça, tal qual uma mãe que aninha seu bebê em seus braços após uma queda, e me entrego.

***

Faz um tempinho que estou na cama de Manu, já troquei as roupas e me sinto um pouco melhor debaixo das cobertas. Ainda não falei nada sobre a gravidez e nem sei como contar isso. Quando cheguei, seus pais estavam realmente acordados e me deram o tempo que precisasse para se acalmar.

— Analu, podemos entrar? — Manu pergunta e do lado dela está sua mãe, que me mostra um sorriso penoso e compreensivo.

— Claro... — digo sentando-me. Tia Cida puxa uma cadeira e senta-se perto de mim, já Manu se posiciona logo à minha frente.

Olho rápido para o celular e noto que já passa das 5h horas da manhã.

— Olha, sei que talvez você não esteja pronta para falar sobre isso, mas estamos aqui para ouvir você — diz a mulher.

— Me desculpe por chegar assim do nada, eu não tinha para quem ligar — ela segura minhas mãos entre as suas.

— Está tudo bem, minha querida. Você fez bem em ligar para Manu.

— Porque o tio colocou você para fora de casa em plena madrugada e ainda no meio da chuva? Vocês nunca brigaram assim — Tia Cida solta minha mão e engulo o choro.

Respiro fundo e fecho os olhos.

— Ele descobriu que estou grávida — Manu arregala os olhos.

— Você o quê?

— Descobri hoje também. O exame que a empresa me pediu para fazer... era por isso que eu estava passando mal. — ela olha para a mãe e depois para mim — Eu não sei o que fazer! — Lágrimas e mais lágrimas caem.

— Calma... — diz Manu se aproximando — Daremos um jeito, ok? Estou aqui!

— Sim, estaremos aqui, menina — a mulher fala — Você ficará conosco o tempo que precisar. — Ela se levanta.

— Não, tia. Não precisa. Alugarei um lugar para mim, vou me virar — ela me olha com seriedade.

— Pelo amor de Deus, Ana Luiza! Você é jovem, não entende nada de gravidez e quer morar sozinha? De forma alguma! — diz — Você fica conosco, e ainda hoje falarei com João, tenho certeza de que ele aceitará também.

— Obrigada, tia! Nem sei como agradecer — sorrio com tristeza, e ela me abraça e beija minha cabeça.

— Agora você precisa falar com o pai da criança — diz tia Cida, e Manu me olha. — O quê? Você não fez isso sozinha, querida — finaliza.

— Não estou preparada... — desvio o olhar

— Tudo bem! No seu tempo... por agora, tente dormir — concordo e ela beija minha testa mais uma vez antes de sair.

— Não tente fugir do assunto, mocinha. Não comigo! — Manu me encara.

— Agora não, Manu. Não estou bem e a última coisa que quero pensar é em falar com aquele homem. — respiro fundo, frustrada — Perdi tudo! — ela se aproxima de mim, deitando-se ao meu lado.

— Tudo bem, venha descansar — descanso a cabeça em seu ombro e fecho os olhos — Vamos resolver tudo isso, amiga.

Sinto vontade de chorar novamente, mas estou cansada demais para me entregar as lágrimas. Só queria voltar no tempo...

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