— Às coisas só acontecem quando precisam acontecer.
Era o discurso da diretora do Orfanato Joia de Cristo, pela quarta vez naquele mês, para a menina negra, dos cabelos lisos. Provavelmente puxou o pai ou a mãe. Afinal, negros não têm cabelos lisos. Foi o pensamento da velha senhora. Claro que a mesma entende que sua concepção é inadequada, mas nada lhe deixara imperturbada a ponto de parar, e não pensar sobre o fato. Afinal são os seus pensamentos, ninguém poderia acusar-lhe de preconceito ou algo do tipo. — Senhora, eu sou uma boa menina, muito inteligente e me comporto bem. Então por quê? Por favor, me diz por que eles não me querem? Olhos negros e chorosos ansiavam por uma resposta da mulher que deveria zelar por ela. A diretora deu um sorriso, de escárnio, antes de respondê-la: — Amália, você pode ser tudo isso, no entanto, não possui o essencial. A menina de apenas dez anos, olhava curiosa para a mulher, que está à frente, do orfanato há muito tempo,e perguntou-lhe aflita:— O que pode ser mais importante do que ser inteligente? — Perguntou inocentemente, aproximando sua face, um tanto lastimosa.Pensando, que talvez o que saísse da boca daquela terrível mulher-feita fosse realmente importante. — A beleza minha querida, você não é bonita e não possui atrativos. — Zombou passando as mão sem seus cabelos presos, em um coque rígido.Amália ficou chocada com o que escutou. Ela sabia que não tinha tanta beleza, mas ouvir de outra pessoa doeu mais do que gostaria.Pequena para sua idade, cabelos acastanhados e lisos naturalmente, um pouco sem vida. Olhos de uma coloração escura, grandes e opacos. Um rosto oval e muito magro. Sua face não era tão agradável, de se observar, como o das outras meninas.Não só as garotas brancas, mas também as crianças negras que moram no orfanato possuem suas belezas próprias, apenas a menina Amália, não atrai um pai e uma mãe para si.Mesmo jovem, a menina possui discernimentos das coisas. Ela entende que o que os genitores querem é filhos lindos e de boa aparência. Muitos vão dizer que não, mas é de se concordar que o ser humano observa primeiro a aparência e depois analisam o que realmente importa. — Eu...Ela não sabia o que dizer, só sentia vontade de sair correndo e chorar em sua pequena cama.Amália juntou a pouca dignidade,que lhe restara e olhou para a senhora. — Não se atormente querida, alguém vai lhe querer um dia e não vai se importa com a sua fealdade.A diretora falava sem se importar com a mágoa estampada nos olhos da menina: — Entendo. Posso me retirar agora senhora? Mesmo zangada com a senhora, a criança se controlou. Ela a perdoou pelas palavras ofensivas.Ela não merece a minha raiva... Repetiu para si mesmo em pensamento, antes de ouvir a resposta: — Claro!A menina chegou a seu quarto e se jogou na cama se preparando para chorar o seu sofrimento. O quarto estava vazio. O ambiente comporta sete crianças, porém das sete que tinham, hoje sobrou apenas três. Já passaram tantas por ali que ela já perdeu as contas.Amália não teve tempo para chorar, um furacão entrou correndo no quarto, cabisbaixa.Agora não Malu… Amália implorou, antes de olhar para a pequena com um sorriso ensaiado. — O que está fazendo Mali? — A menininha de cabelos longos e loiros perguntou chorosa — Eu vou estudar pequena! — Amália mentiu, mas para sustentar sua mentira, a mesma pegou seus livros.Aprender é um dos seus, melhores passatempo. As coisas entravam com facilidade em sua mente.Era como respirar. Não há dúvidas, que o seu intelecto é impressionante!Amália ler muito rápido e grava tudo, sem esquecer de nada. Ninguém sabe o porquê, no orfanato, e tão pouco se importam em descobrir.Mais uma de suas metas é saber o porquê isso acontece e quando sair daquele lugar será sua primeira tarefa. — Ah não, vamos brincar Mali!A pequena Malu de apenas cinco anos pediu dengosa.Isso acontece todas às vezes, que a menina não é escolhida para adoção. Não é à toa a tristeza que Amália ver nos olhos da pequenina.Maria Luiza é muito pequena para sua idade, no entanto, é muito inteligente e esperta para a mesma.Ela só precisa de uma oportunidade meu Deus.Era quase como uma oração silenciosa, de Amália. Não para ela, mas sim para Malu. — Do que quer brincar?A jovem perguntou, com seu melhor sorriso, disfarçando a sua própria melancolia: — De princesa. — Malu gritou com sua inocência, arrancando um sorriso dos lábios de Amália, que, por um instante, esqueceu suas próprias desilusões.As duas brincaram a tarde toda e na hora do jantar ela ajudou as moças, que trabalham no orfanato, a dar de comer aos mais novos, depois fez o mesmo. — Vamos deitar meninas está na hora de dormir! — Amália disse, com sua autoridade de irmã mais velha postiça, para Malu e Catarina. As duas pequenas que a mesma pediu que deixassem dividir o quarto com ela.Claro que o correto seria que viesse a dividir com meninas de sua idade. Porém, não era o que a menina queria, já que as crianças maiores zombavam dela e quando tinham oportunidade se juntavam para lhe bater. Das adolescentes, a garota inteligente é a menor de todas, por isso não tinha como se defender, ainda mais se estavam em bando.As crianças a apelidavam de coisas ofensivas como negra feia, anão de jardim e preta. Tirando as palavras “feia” e “anão de jardim”, Amália não se ofende com as outras expressões. Elas poderiam lhe chamar negra ou de preta em tom ofensivo, mas ela só pensava no quanto era abençoada pela cor que Deus lhe deu.Conhecimento é poder…Todas as vezes que lia algo,ela tem essa mesma conclusão.A menina devora um livro, em apenas um dia. E foi em uma dessas leituras que descobriu que a sua cor descende de reis e rainhas.E foi isso que ela falou para as outras meninas, brancas e negras, que a ofendiam.“Se vocês acham que me chamar de negra ou preta me ofende estão muito enganadas.” — Amália não sabia onde havia tirado tanta coragem. — “Essas palavras, estão longe de me ofender.” — “É mesmo negrinha?” — Uma das garotas perguntou debochada.Pensando que de alguma forma, atingiria a garota. — “Tenham certeza que sim. Queridas, eu descendo de reis e rainhas africanas.” — Ela disse, afinal, não há do que se envergonhar nisso. — “Reis e rainhas que fizeram história.”Amália parou de falar esperando elas dizerem alguma coisa, mas como não tomaram iniciativa, ela continuou. —“Rainha guerreira Amina da Nigéria, a rainha Makeda, também conhecida como Rainha de Sabá, a mulher do rei Salomão. Lembram?” — “Claro!” — Uma delas respondeu, querendo mostrar que sabe de alguma coisa.O ruim é que até as meninas negras se juntavam e a agrediam, verbalmente e fisicamente. Saibam que o preconceito não está apenas com brancos, mas com negros também. — “Sou descendente da rainha Cleópatra. Da rainha Califa”. — Amália continuou com sua aula de história — “Vocês sabiam que a cidade da Califórnia foi nomeada em homenagem a ela?”Provavelmente as meninas, não fazem idéia do que ela está falando. Uma pessoa que possui conhecimento, jamais ofenderia uma outra,por causa de sua cor e aparência.Amália expressava-se com deboche, o par perfeito, com o sorriso de vitória, que carrega nos lábios. — “Eu poderia ficar aqui a tarde toda, meninas, dando uma aula de história a todas vocês. No entanto, perderia o meu precioso tempo com meninas racistas e preconceituosas, que se dizem as Bam, bam, mas não passam de garotas obtusas e sem o senso do ridículo.”Nesse dia Amália apanhou feio, mas a sensação boa que sentiu ao ter falado às verdades que as meninas precisavam ouvir, ainda permanecia com ela. — Oh, conta uma historinha antes Mali!Catarina pediu animada, juntando as pequenas mãozinhas implorando. — Que história? — Amália perguntou retribuindo o sorriso da menina. — As que você gosta de inventar.As duas garotinhas falaram juntas, animadas. — Tá bom, porém depois dormir. Combinado? — Sim, sim. — O nome da história é "A menina encantada". — Parece o máximo.— Malu falou batendo palmas.— Conta, conta. — Shiuuu! As duas façam silêncio ou não contarei mais.Fizeram silêncio de imediato e Amália começou a narrar a pequena história, que fluía em sua mente.O engraçado é que as meninas nem imaginavam que a jovem contava sobre si mesma.Seu amor à leitura, o abandono, a falta de beleza.As crianças são muito pequenas, então não ligaram as informações que são passadas pelos lábios da pequena jovem obstinada.Quando terminou a história as crianças já estavam em um sono profundo.Sorrindo docemente, Amália cobriu as duas, e fez o mesmo que as meninas, ela se deitou e se aconchegou nos lençóis velhos, mas diferentes das pequenas, a garota inteligente, chorou, derramando todas as lágrimas que se acumularam no decorrer do dia.Toda a sua inteligência, não era o suficiente, para tirar a frieza que acumulará em seu peito fazendo-a sufocar.A determinada moça só pensava que o seu sonho de uma família, para chamar de sua, está muito longe de acontecer e talvez, nunca aconteça.— Eu sinto muito Amália, mas não há mais espaço para você aqui!A diretora falou, com sua cara de dó, mas a jovem sabia que era apenas um pequeno teatro da mulher. — Entendo! — Respondeu com suas feições neutras — Eu entendo perfeitamente, senhora. — Que bom, querida, afinal você já fez dezoito anos está na hora de dá espaço para outras crianças, que precisam mais que você, no momento.Nesses oitos anos que se passaram ninguém se interessou por Amália. A menina que era feia se tornou uma bela mulher, mas para ela já era tarde, se antes não a queriam por sua falta de beleza, agora a rejeitavam por ser muito velha. — Como eu disse a senhora, entendo perfeitamente.Não precisa jogar na cara, sua velha chata. Pensou, ainda com o olhar compreensivo na face.Ela berrou em sua mente, mas o seu desejo era esbravejar na cara da dissimulada. No entanto, ela é muito educada, para fazer algo do tipo.A diretora interrompeu os pensamentos da garota, com um sorriso forçado, pois não queri
Uma bala é para sempre. — Gideon pensava inconformado no enterro de seu pai.Ele escutou essa frase em algum filme ou série que passava em alguma plataforma de entretenimento.Experiente no assunto, o jovem sabe que uma bala pode matar de três formas distintas. A primeira é nas extremidades, sem uma artéria principal leva de dez a quinze minutos para o alvo morrer. A segunda forma é em qualquer lugar na caixa torácica, no centro do peito. A bala resvala, ossos são atingidos, o coração ou uma artéria são lacerados e a pressão sanguínea cai a zero. A última forma é a fatal, no centro do crânio, em qualquer ângulo. O cérebro morre antes mesmo de saber o que ouve.Ele sabe de tudo isso... Afinal fez parte de sua vida por uma fração de anos.Com apenas dezesseis anos entrou na universidade de direito, em Harvard, seu QI sempre foi elevado, por isso se destacou, se formando aos vinte anos, mas em vez de seguir carreira na profissão que escolheu,ingressou no corpo de fuzileiros dos EUA, opto
Talvez a mudança que eu tanto quero, esteja na atitude que não tomo. Gideon concluiu,enquanto o advogado falava um monte de asneira.Ele pensava nessa questão por sentir que estava na hora de trazer uma figura feminina para a sua vida e da sua filha.Minha pequena Sofia precisa de uma mãe. — Se atenha aos fatos Doutor Litti! — Inquiriu ao advogado de defesa. Não era a primeira e tão pouca a última vez que teria que chamar a atenção do bacharel que passava totalmente dos limites.O Lobo Negro está ao norte de Nevada. Foi chamado e está à frente de um caso de homicídio. O réu se chama Scott Ross e está sendo acusado de dois homicídios. Uma das vítimas foi encontrada em um depósito de lixo, a vários quilômetros do centro de Las Vegas, dentro de uma mala. Sendo denunciada pelo forte odor de podre que exalava. No seu interior estava o corpo mutilado de Jeremiah Flynn, homem de vinte e dois anos.O causídico apresentou a vítima como um traficante de drogas que estava tentando negociar m
— Infelizmente vossa excelência não se pode fazer mais nada. O câncer se espalhou, várias partes do corpo já estão tomadas pelas metástases.Para ele, tudo o que estava ouvindo era surreal. Não estava acontecendo. Um pai não enterra seu próprio filho. Isso não deveria acontecer.Ele pensava transtornado. — Você precisa fazer alguma coisa! — Esbravejou fora de si. — Não há mais nada a ser feito meritíssimo. Nesses três anos Sofia já passou por dezessete ciclos de quimioterapia, ressecção do tumor, tratamento diário de radioterapia. Já fizemos todo o possível, ela está sofrendo, seu corpo está fraco. Nesse exato momento ela precisa do pai.Ele não podia aceitar. — Não, eu vou procurar outra opinião. — Disse desesperado, nem conseguia olhar nos olhos da sua mãe, e tão pouco ficar,no quarto e ver a sua filha definhando.Gideon saiu sem olhar para trás. — Vovó cadê o meu papai? — A pequena Sofia perguntou, com dificuldade.Mariana estava sem forças para fazer alguma coisa e se
Aprendam uma coisa! Não tenham dó dos outros, ninguém tem dó de você. Na primeira oportunidade que tiverem de te magoar o farão sem nenhuma cerimônia,sem nenhum receio. Dito e feito. Amália aprendeu isso na prática. Foram anos de puro sofrimento. Abandonada recém nascida pela mãe drogada na porta de um orfanato. Nunca foi adotada, mesmo a menina desejando muito ser a escolhida por uma das tantas famílias que passou pela casa de adoção. A verdade é que sempre fora desprezada pelas pessoas que vinham adotar uma criança.Ela não possuía uma boa aparência, no entanto isso nunca foi um critério para uma criança ter um lar. Pelo menos, é assim que deveria ser. Menina ousada e de bom coração. Assim ela se descrevia. Mesmo que tenha passado, pelos percalços da vida, nunca deixou de sonhar.Depois que conheceu Lucinda, sua vida mudou. A senhora a levou para o centro de São Paulo novamente, lhe deu um lar, alimentou e a vestiu. Deu-lhe um emprego e a colocou na melhor faculdade da cidade. —
Qualquer pessoa que lhe motive a ser melhor é alguém que vale a pena manter por perto.Foi o que Amália pensou antes de embarcar no avião. O friozinho na barriga era bem-vindo naquele momento. Seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar.Pensara que havia chorado tudo, no entanto, estava redondamente enganada.A liberdade lhe fez prantear novamente.Foi meio complicado, não, na verdade foi muito difícil despistar os seguranças de Jonas, eles são osso duro de roer. Ela aproveitou a oportunidade que criou, dizendo que ia ao banheiro e saiu pelas portas dos fundos da clínica.Graças a Deus que Jonas é bem paranóico com exames... Pensou com um sorriso tímido.Ele cuidava muito dos exames ginecológicos dela, não queria que nenhum infortúnio viesse e também, ele dizia para não pegar nenhuma doença.Agora como? Se eu me deito apenas com ele, ainda forçada.Amália desceu do avião com seu coração na mão. Estava assustada, de está em um lugar desconhecido. Ela nunca havia viajado na vida para f
As mulheres na sala ficaram assustadas. Ninguém nunca ousou falar desse jeito com Gideon, pelo menos, não depois do que aconteceu.— Em primeiro lugar, eu falo como eu quiser e em segundo: Quem é você? — Gideon perguntou ameaçador.Amália pensou em recuar, porém não fez. Sabia que poderia sair machucada, por peitar um homem, e ainda mais, por ser quase o dobro de seu tamanho.Já Russell achou o cúmulo, uma desconhecida, falar dessa maneira com ele. — Eu sou Amália... — Tentou se apresentar, mas foi interrompida. — Não me importo sua estúpida. Não se meta onde não é chamada.Mariana percebeu que a situação estava ficando muito feia, então resolveu tomar a frente. — Calma meu filho... Ela não fez por mal... Amália este é meu filho Gideon, ele é o seu chefe.Ela arregalou seus olhos, não acreditando, que havia estragado com a sua chance de um emprego na cidade.Por outro lado, Gideon não esboçou nada, mas no seu íntimo estava inquieto. Depois que a raiva passou, analisou melhor
Amália não é uma mulher fácil. É teimosa, em certas ocasiões, impulsiva, meio doida e também, às vezes a paciência fica no nível zero. Eu disse às vezes, não é sempre. No entanto, mesmo com todos esses defeitos, é uma mulher leal, forte e autêntica.Ela sabe que não será fácil trabalhar para o grande juiz Gideon Russell. Como estava muito curiosa sobre ele, resolveu pesquisar na internet. E descobriu que, no meio jurídico, o homem é conhecido como, Lobo Negro.A curiosidade em saber, do por que desse nome, está sendo gritante em sua mente...A casa que ele lhe forneceu tem tudo de que precisa inclusive um notebook, então não perdeu tempo.Pensar que o seu querido chefe pode ter vários inimigos lhe deixou um pouco inquieta. E se Jonas a encontrar? O que será que vai acontecer? Ela não gostava nem de pensar, sobre isso. Ela não suportaria se algo o acontecesse por sua causa.A mesma está na cozinha da mansão preparando o café dele, olhou em seu relógio de pulso e viu que ia dar seis