Os olhos de Benedita ficaram cheios de nervosismo, e ela balançou a cabeça mais uma vez. Era como se ela só soubesse fazer isso.Fiquei intrigada.— Ele não te tocou, não te beijou... De onde você tirou que ele gosta de você?As bochechas de Benedita ficaram coradas, e ela abaixou o olhar.— Ele... Ele uma vez quase me beijou.— Quase? — Imaginei o rosto de Vinicius e perguntei. — Ele estava bêbado?Homens, depois de beber, muitas vezes confundem o presente com o passado, misturam sentimentos e pessoas.Dessa vez, Benedita não balançou a cabeça, mas assentiu levemente e acabou confessando:— Na semana passada, ele estava de mau humor e bebeu. Perguntei o que tinha acontecido, e ele disse que a professora que ele mais amava tinha morrido. Já fazia cem dias, e ele sentia muita falta dela. Então... Ele olhou para mim e tentou me beijar.Quando ela mencionou isso, lembrei que já fazia cem dias desde que Ivone havia partido deste mundo.A tal professora de quem Vinicius falava era Ivone. El
As pessoas começaram a correr em todas as direções, tentando escapar. Agarrei Benedita pela mão e corremos junto com a multidão em direção a um terreno mais alto.Mas a velocidade da água era muito maior do que nossas pernas poderiam alcançar. Antes que conseguíssemos chegar ao ponto mais seguro, o rio de lama e destroços já nos alcançou, avançando com uma força assustadora.— Carolina, Carolina... — Benedita me chamou, apavorada.Eu também estava tomada pelo medo, mas sabia que não adiantava entrar em pânico. Logo à frente, vi uma base de mastro de bandeira. Agarrei Benedita e corremos até lá.Consegui empurrá-la para cima, colocando-a em segurança, mas não tive tempo de subir. A água chegou até mim com uma força brutal, me arrancando do chão e me arrastando.A correnteza me levou, mas, por sorte, não por muito tempo. Consegui agarrar algo, talvez um pedaço de madeira ou metal preso em algum ponto. Segurei com todas as forças, mantendo minha cabeça fora da água, lutando para não engol
Ele conseguiu fazer meu coração morrer um pouco mais. Duas horas depois, eu já havia terminado todos os exames. Foi então que vi Benedita e George. Benedita correu até mim, preocupada: — Carolina, você está bem? Está sentindo alguma coisa? — Não, os médicos disseram que eu tive muita sorte, que não passei de alguns arranhões. — Menti para tranquilizá-la. Na verdade, meu corpo estava cheio de escoriações. Mas não queria que ela soubesse disso, nem que carregasse ainda mais culpa pelo fato de eu quase ter sido levada pela correnteza para salvá-la. E eu sabia exatamente para quem essa culpa recairia: George. Mas ele já havia me abandonado, deixado claro que eu não fazia mais parte da vida dele. — Não acredito em você. Deixa eu ver. — Benedita era teimosa e tentou puxar minha roupa para conferir. Segurei suas mãos, impedindo-a. — Benê, estou cansada. Só quero dormir um pouco. Eu realmente estou bem. Por favor, vá para casa. — Não vou a lugar nenhum. Vou ficar aqui com v
Mas eu não podia continuar me escondendo. Quanto mais difícil a situação, menos eu deveria fugir.Soltei o cobertor, e Miguel o puxou para o lado, revelando meu rosto. Ele me olhou com uma expressão séria.— Fiquei sabendo que você foi arrastada pela água. Você quase me matou de susto.Ele estava explicando o motivo de sua presença ali. Eu forcei um sorriso.— O quê? Eu virei notícia agora?Vivíamos na era da internet. Qualquer coisa, por menor que fosse, acabava sendo postada online. Com uma enchente daquelas, era óbvio que várias pessoas tinham gravado vídeos em vez de se preocuparem em ajudar.— Sim, no noticiário você parecia uma coitadinha. — Miguel comentou, estendendo a mão.Instintivamente, virei o rosto para o lado. Ele apenas riu de leve, sem se incomodar.— Calma, Carol. Só ia ajeitar o seu cabelo. Olha como você está assustada.Não respondi. Miguel se sentou na beira da cama.— Como você está se sentindo?— Estou bem. Já fiz todos os exames.— Mas parece que você ficou bem
Miguel, ao lado, claramente teve o olhar obscurecido. Pouco antes, quando ele tentou ajeitar meu cabelo, eu me desviei. Mas, quando Sebastião me tocou, não me movi. Era um tratamento diferente, e, se fosse comigo, também me sentiria desconfortável. Ainda assim, ele havia acabado de esclarecer as coisas comigo. Não deixou transparecer nada em sua expressão. Pelo contrário, quando percebeu que eu o estava observando, deu um sorriso tranquilo e ainda brincou: — Parece que você ainda está acostumada com as intimidades do Tião. Eu não tinha nada a dizer. — Claro, ela quase virou minha esposa. — Sebastião respondeu, casualmente. — Quase. — Miguel concordou, com um tom neutro. Sebastião olhou para Miguel e ergueu uma sobrancelha, com uma expressão provocativa que dizia: "Falei alguma mentira?". — Sua testa está um pouco quente. — Sebastião comentou ao tirar a mão e, em seguida, chamou uma enfermeira que passava. — Pode trazer um termômetro, por favor? — Não é nada, acho que...
Sebastião, no fim, percebeu que havia algo errado com Miguel.Tomei um gole da água e disse:— Isso você deveria perguntar para ele. E... No momento, não tenho cabeça para ninguém.Ele manteve uma expressão indiferente.— Você não precisa me lembrar disso o tempo todo.— Só estou dizendo a verdade. — Mal terminei de falar e comecei a tossir. Sebastião se aproximou e deu leves tapas nas minhas costas.— O George não sabe que você se machucou? — A pergunta dele foi direta, como uma faca perfurando minha tranquilidade.Segurei o copo com força. A água morna ajudava a afastar o frio do meu corpo, mas não conseguia aquecer o vazio gelado dentro de mim.— Ele veio... E foi embora.Sebastião não respondeu nada, mas também não precisou. Estendi o copo para ele e murmurei:— Estou cansada. Quero dormir um pouco.Deitei, e ele permaneceu ali, em silêncio, sentado ao meu lado. A febre fazia minhas pálpebras pesarem, e, enquanto eu era tomada pelo sono, ouvi a voz dele, baixa e carregada de algo q
— Espera aí. — Sebastião levantou-se com agilidade.Ultimamente, ele parecia decidido a adotar uma postura de "faço tudo por você", mesmo sem eu pedir. Era sempre atencioso, antecipava minhas necessidades.Se ele tivesse sido assim antes, talvez nós dois não tivéssemos nos separado. Mas o mundo não funciona com "se", e eu não queria perder tempo pensando no que já ficou para trás.Desviei o olhar da direção em que ele havia ido, mas acabei me deparando com a tela do celular dele. O vídeo pausado mostrava uma gravação minha, de uns três anos atrás. A filmagem era antiga, mas eu não conseguia lembrar o que estava fazendo naquela época para ter sido gravada.Por um momento, fiquei tentada a pegar o celular e assistir, mas sabia que isso seria invasivo. Enquanto eu ainda ponderava, Sebastião voltou com o copo d’água.Ele percebeu que eu tinha olhado para o celular, mas não demonstrou constrangimento. Pelo contrário, deu um sorriso natural e comentou:— Enquanto você dormia, dei uma olhada
Eu queria correr atrás dele, queria perguntar e esclarecer tudo.Mas, ao olhar para os recipientes jogados no lixo, perdi a coragem.O que ele descartou não foram apenas as marmitas ou os pratos, mas o que poderiam simbolizar: sua consideração por mim.Se era assim, ir atrás dele ou tentar esclarecer as coisas seria apenas me rebaixar ainda mais.Coloquei os recipientes que haviam sido recuperados de volta sobre a mesa e voltei para a cama. Mas, apesar disso, não consegui mais tocar no que estava à minha frente.A pessoa que havia recolhido os recipientes percebeu que algo estava errado e, com certo cuidado, trouxe-os de volta, deixando-os ao meu lado.— Pode levar de volta. — Falei, sem expressão.— Não, não precisa... — A pessoa hesitou, recolhendo as mãos.— Você os pegou de volta, então são seus agora. Pode comer sem preocupação, está tudo bem. — Disse, tentando encerrar o assunto. Peguei os talheres e, contrariada, comecei a comer o que estava na minha frente de forma quase agress