Mas eu não podia continuar me escondendo. Quanto mais difícil a situação, menos eu deveria fugir.Soltei o cobertor, e Miguel o puxou para o lado, revelando meu rosto. Ele me olhou com uma expressão séria.— Fiquei sabendo que você foi arrastada pela água. Você quase me matou de susto.Ele estava explicando o motivo de sua presença ali. Eu forcei um sorriso.— O quê? Eu virei notícia agora?Vivíamos na era da internet. Qualquer coisa, por menor que fosse, acabava sendo postada online. Com uma enchente daquelas, era óbvio que várias pessoas tinham gravado vídeos em vez de se preocuparem em ajudar.— Sim, no noticiário você parecia uma coitadinha. — Miguel comentou, estendendo a mão.Instintivamente, virei o rosto para o lado. Ele apenas riu de leve, sem se incomodar.— Calma, Carol. Só ia ajeitar o seu cabelo. Olha como você está assustada.Não respondi. Miguel se sentou na beira da cama.— Como você está se sentindo?— Estou bem. Já fiz todos os exames.— Mas parece que você ficou bem
Miguel, ao lado, claramente teve o olhar obscurecido. Pouco antes, quando ele tentou ajeitar meu cabelo, eu me desviei. Mas, quando Sebastião me tocou, não me movi. Era um tratamento diferente, e, se fosse comigo, também me sentiria desconfortável. Ainda assim, ele havia acabado de esclarecer as coisas comigo. Não deixou transparecer nada em sua expressão. Pelo contrário, quando percebeu que eu o estava observando, deu um sorriso tranquilo e ainda brincou: — Parece que você ainda está acostumada com as intimidades do Tião. Eu não tinha nada a dizer. — Claro, ela quase virou minha esposa. — Sebastião respondeu, casualmente. — Quase. — Miguel concordou, com um tom neutro. Sebastião olhou para Miguel e ergueu uma sobrancelha, com uma expressão provocativa que dizia: "Falei alguma mentira?". — Sua testa está um pouco quente. — Sebastião comentou ao tirar a mão e, em seguida, chamou uma enfermeira que passava. — Pode trazer um termômetro, por favor? — Não é nada, acho que...
Sebastião, no fim, percebeu que havia algo errado com Miguel.Tomei um gole da água e disse:— Isso você deveria perguntar para ele. E... No momento, não tenho cabeça para ninguém.Ele manteve uma expressão indiferente.— Você não precisa me lembrar disso o tempo todo.— Só estou dizendo a verdade. — Mal terminei de falar e comecei a tossir. Sebastião se aproximou e deu leves tapas nas minhas costas.— O George não sabe que você se machucou? — A pergunta dele foi direta, como uma faca perfurando minha tranquilidade.Segurei o copo com força. A água morna ajudava a afastar o frio do meu corpo, mas não conseguia aquecer o vazio gelado dentro de mim.— Ele veio... E foi embora.Sebastião não respondeu nada, mas também não precisou. Estendi o copo para ele e murmurei:— Estou cansada. Quero dormir um pouco.Deitei, e ele permaneceu ali, em silêncio, sentado ao meu lado. A febre fazia minhas pálpebras pesarem, e, enquanto eu era tomada pelo sono, ouvi a voz dele, baixa e carregada de algo q
— Espera aí. — Sebastião levantou-se com agilidade.Ultimamente, ele parecia decidido a adotar uma postura de "faço tudo por você", mesmo sem eu pedir. Era sempre atencioso, antecipava minhas necessidades.Se ele tivesse sido assim antes, talvez nós dois não tivéssemos nos separado. Mas o mundo não funciona com "se", e eu não queria perder tempo pensando no que já ficou para trás.Desviei o olhar da direção em que ele havia ido, mas acabei me deparando com a tela do celular dele. O vídeo pausado mostrava uma gravação minha, de uns três anos atrás. A filmagem era antiga, mas eu não conseguia lembrar o que estava fazendo naquela época para ter sido gravada.Por um momento, fiquei tentada a pegar o celular e assistir, mas sabia que isso seria invasivo. Enquanto eu ainda ponderava, Sebastião voltou com o copo d’água.Ele percebeu que eu tinha olhado para o celular, mas não demonstrou constrangimento. Pelo contrário, deu um sorriso natural e comentou:— Enquanto você dormia, dei uma olhada
Eu queria correr atrás dele, queria perguntar e esclarecer tudo.Mas, ao olhar para os recipientes jogados no lixo, perdi a coragem.O que ele descartou não foram apenas as marmitas ou os pratos, mas o que poderiam simbolizar: sua consideração por mim.Se era assim, ir atrás dele ou tentar esclarecer as coisas seria apenas me rebaixar ainda mais.Coloquei os recipientes que haviam sido recuperados de volta sobre a mesa e voltei para a cama. Mas, apesar disso, não consegui mais tocar no que estava à minha frente.A pessoa que havia recolhido os recipientes percebeu que algo estava errado e, com certo cuidado, trouxe-os de volta, deixando-os ao meu lado.— Pode levar de volta. — Falei, sem expressão.— Não, não precisa... — A pessoa hesitou, recolhendo as mãos.— Você os pegou de volta, então são seus agora. Pode comer sem preocupação, está tudo bem. — Disse, tentando encerrar o assunto. Peguei os talheres e, contrariada, comecei a comer o que estava na minha frente de forma quase agress
Prendi o fôlego ao cruzar meu olhar com o dele. Ele também me olhava, sem nenhum desvio, firme como sempre.Toda vez era assim: ele encarava diretamente, sem hesitar, enquanto eu, ao contrário, sempre sentia aquele aperto no peito, como se a culpada da nossa distância fosse eu.— George, você chegou na hora certa! Eu e a Carolina estávamos falando de você. — Edgar soltou, com aquela língua afiada de sempre.— Hum. — George respondeu e ficou ali parado, imóvel, sem dizer mais nada.— Você nem vai perguntar o que estávamos dizendo? — Edgar, como sempre, parecia se divertir com a situação.George permaneceu em silêncio. — Estávamos comentando que você emagreceu... E que você... — Edgar esfregou o nariz e, com um sorriso malicioso, continuou.No meio da frase, Edgar parou de repente e me lançou um olhar cúmplice acompanhado de uma piscada. — Carolina, melhor não contarmos para ele, né?Aquilo me arrancou um sorriso interno. Sem querer, deixei escapar um leve curvar dos lábios.George, no
— George! — Cumprimentei-o com um sorriso, como faria com qualquer outro colega. George não respondeu. Nós nos cruzamos no corredor sem trocar mais do que olhares breves. No entanto, no momento em que passamos um pelo outro, senti que o sorriso no meu rosto estava um pouco cansado. Peguei o carro da empresa e fui até o lugar que Elisa havia mencionado. Quando cheguei, ela ainda não estava lá. Enviei uma mensagem para avisá-la. Elisa respondeu: [Arranje um lugar para sentar e me espere.] Enquanto aguardava, desbloqueei o celular e vi que tinha recebido outra mensagem de Benedita. Subindo a conversa, percebi que todas as mensagens anteriores também eram dela. Um misto de pedidos de desculpa pelo que quase aconteceu comigo e tentativas de defender George. Eu, no entanto, só tinha respondido uma vez. Depois disso, não mandei mais nada. [Carolina, você pode me responder, por favor? Eu estou de castigo. Não posso sair de casa.] Olhei para a mensagem de Benedita por alguns segund
Eu a encarava, mas, por algum motivo, minha visão dela começou a ficar embaçada.Balancei a cabeça, tentando clarear os pensamentos. Estava prestes a dizer algo quando ouvi Elisa falar:— Não foi a esposa dele que sonhou. Foi ele quem disse que queria te ver.— O quê? — Nem terminei de pronunciar essas palavras, e de repente minha visão ficou completamente turva.Logo senti meu corpo sendo segurado, e a voz de Elisa soou perto do meu ouvido.— Você precisa descansar um pouco.Por que eu precisava descansar? Essa pergunta ecoava na minha mente, mas minha boca não conseguia formar palavras.Eu sentia que estava sendo levantada, mas não conseguia abrir os olhos nem reagir de nenhuma forma.Fui colocada em um carro. Para onde me levaram, eu não fazia ideia. Só sei que alguém me deu água, e foi só então que consegui abrir os olhos.A primeira coisa que vi foi um homem alto e desconhecido. Mas eu sabia quem ele era: o segurança de Felipe.Ao lembrar das palavras de Elisa antes de eu perder a