Era ódio, repressão e algo prestes a explodir.Essa faceta de Elisa era algo que eu nunca tinha visto antes, e, por algum motivo, me senti nervosa.Engoli seco e, hesitante, perguntei:— Se você odeia tanto ele, e sabe de tudo o que ele fez, por que ainda...Não terminei a frase. Não sabia exatamente o que ela pensava, e preferi não arriscar. Pelo ódio que ela demonstrava, Elisa jamais deveria ter tido Talita. Um filho a amarrava ainda mais a Felipe, tirando qualquer chance de ela sair completamente dessa relação. Mas, ainda assim, ela escolheu ter a menina.— Você quer saber por que eu decidi ter a Talita, né? — Elisa, como se lesse minha mente, completou a minha pergunta.Assenti, olhando de relance para a direção de Talita.— Se vocês realmente romperem de vez, o que vai acontecer com ela? A culpa não é dela.— Você acha que eu quis ter essa criança? — Elisa levantou a cabeça e esvaziou a taça de vinho de um só gole.Ao vê-la engolir o vinho com uma expressão de dor, algo dentro de
Assim que comecei a perguntar, Elisa levantou a mão, me interrompendo, e apontou para Talita. — Essa menina tem muita sorte. Fiquei completamente confusa com o que ela disse, e Elisa percebeu. — Você está com cara de quem não entendeu nada, né? — Um pouco confusa, sim. Elisa sorriu, como se se divertisse com minha reação. — Felipe e a esposa sofreram um acidente de carro. Foi grave, quase fatal. Na época, Felipe quase não resistiu, e a esposa dele ficou em coma. Acho que foram dez dias, talvez quinze. Todo mundo achava que ela não ia sobreviver. Mas, de repente, ela acordou. — E o que aconteceu? — Perguntei, curiosa com o rumo da história. — Ela disse que, enquanto estava em coma, teve um sonho. Sonhou com uma menina, uma espécie de ajudante da Virgem Maria. A menina entregou a ela algo como uma pílula mágica e disse que aquilo salvaria sua vida. — Elisa balançou a cabeça, como se achasse a história tão absurda quanto eu. — Depois disso? — Minha curiosidade aumentava.
O acidente que ela mencionou... Não era o mesmo acidente dos meus pais? Então, o pai de George foi comprado?A revelação me deixou em choque. Um misto de surpresa e incredulidade tomou conta de mim.Eu reprimi o turbilhão de emoções e olhei para Elisa.— Quem disse isso? Há alguma prova?Ela, sem perceber minha mudança de humor, balançou a cabeça levemente.— Não sei. Só sei que as pessoas comentam. Sempre em segredo, claro. Todo mundo tem medo dele. Se Felipe descobrir quem espalhou isso, com certeza a pessoa não vai viver para contar.— Você pode investigar? Descobrir quem disse isso? — Perguntei, tentando parecer casual, mas minha voz saiu mais firme do que eu pretendia.Elisa parou, me observou com atenção e, dessa vez, percebeu algo diferente. Ela sorriu.— Por que você está tão interessada nisso?Minha boca se abriu, mas as palavras não saíram de imediato. Olhei para o rosto cansado dela e, depois de alguns segundos, decidi contar a verdade.— Porque o casal que morreu nesse acid
— Carolina, você pode vir à biblioteca? Preciso conversar com você. — Benedita perguntou, do outro lado da linha. — Que tal outro dia? Estou um pouco cansada hoje. — Recusei de imediato. Não estava com cabeça para nada. Benedita ficou em silêncio. Percebi que algo estava errado e não tive outra escolha senão perguntar: — É algo importante? — Sim, é muito importante. — Ela hesitou por um instante. — Carolina, se for mais fácil, eu posso ir até você. Ela claramente estava decidida a me ver. Talvez já soubesse sobre o que aconteceu entre mim e George e quisesse me aconselhar. — Benê... — Carolina, me manda o endereço. Eu pego um táxi e vou pra aí. — Enquanto falava, dava para ouvir o barulho de livros sendo guardados do outro lado da linha. Olhei pela janela. A chuva estava intensa, daquelas de encharcar qualquer um. Ela provavelmente teria dificuldade para conseguir um táxi e, mesmo que conseguisse, ainda correria o risco de se molhar. Benedita tinha feito um transplante
Os olhos de Benedita ficaram vermelhos de repente. Essa timidez constrangida dela era completamente diferente do meu jeito maduro de lidar com o amor.Com Sebastião ou George, meus sentimentos sempre foram diretos, tanto no amor quanto no ressentimento. Não havia espaço para essas idas e vindas, para esse jogo de “querer, mas não querer” que Benedita parecia estar vivendo.Olhando para seu semblante magoado, decidi perguntar, testando o terreno:— Ele disse algo que te machucou?Ela balançou a cabeça devagar.— Ele não me rejeitou, mas, depois que eu me confessei, ele nunca mais apareceu aqui.Isso também era uma forma de rejeição. Ficava claro que o coração de Vinicius ainda pertencia a Ivone.— Faz quantos dias? — Perguntei, enquanto meus dedos batiam levemente na mesa.— Três dias. — Benedita respondeu, e seus olhos começaram a se encher de lágrimas. — Eu me arrependi, Carolina. Me arrependi de ter me declarado.Franzi a testa.— Por quê? Você não tem certeza do que sente?— Não é i
Os olhos de Benedita ficaram cheios de nervosismo, e ela balançou a cabeça mais uma vez. Era como se ela só soubesse fazer isso.Fiquei intrigada.— Ele não te tocou, não te beijou... De onde você tirou que ele gosta de você?As bochechas de Benedita ficaram coradas, e ela abaixou o olhar.— Ele... Ele uma vez quase me beijou.— Quase? — Imaginei o rosto de Vinicius e perguntei. — Ele estava bêbado?Homens, depois de beber, muitas vezes confundem o presente com o passado, misturam sentimentos e pessoas.Dessa vez, Benedita não balançou a cabeça, mas assentiu levemente e acabou confessando:— Na semana passada, ele estava de mau humor e bebeu. Perguntei o que tinha acontecido, e ele disse que a professora que ele mais amava tinha morrido. Já fazia cem dias, e ele sentia muita falta dela. Então... Ele olhou para mim e tentou me beijar.Quando ela mencionou isso, lembrei que já fazia cem dias desde que Ivone havia partido deste mundo.A tal professora de quem Vinicius falava era Ivone. El
As pessoas começaram a correr em todas as direções, tentando escapar. Agarrei Benedita pela mão e corremos junto com a multidão em direção a um terreno mais alto.Mas a velocidade da água era muito maior do que nossas pernas poderiam alcançar. Antes que conseguíssemos chegar ao ponto mais seguro, o rio de lama e destroços já nos alcançou, avançando com uma força assustadora.— Carolina, Carolina... — Benedita me chamou, apavorada.Eu também estava tomada pelo medo, mas sabia que não adiantava entrar em pânico. Logo à frente, vi uma base de mastro de bandeira. Agarrei Benedita e corremos até lá.Consegui empurrá-la para cima, colocando-a em segurança, mas não tive tempo de subir. A água chegou até mim com uma força brutal, me arrancando do chão e me arrastando.A correnteza me levou, mas, por sorte, não por muito tempo. Consegui agarrar algo, talvez um pedaço de madeira ou metal preso em algum ponto. Segurei com todas as forças, mantendo minha cabeça fora da água, lutando para não engol
Ele conseguiu fazer meu coração morrer um pouco mais. Duas horas depois, eu já havia terminado todos os exames. Foi então que vi Benedita e George. Benedita correu até mim, preocupada: — Carolina, você está bem? Está sentindo alguma coisa? — Não, os médicos disseram que eu tive muita sorte, que não passei de alguns arranhões. — Menti para tranquilizá-la. Na verdade, meu corpo estava cheio de escoriações. Mas não queria que ela soubesse disso, nem que carregasse ainda mais culpa pelo fato de eu quase ter sido levada pela correnteza para salvá-la. E eu sabia exatamente para quem essa culpa recairia: George. Mas ele já havia me abandonado, deixado claro que eu não fazia mais parte da vida dele. — Não acredito em você. Deixa eu ver. — Benedita era teimosa e tentou puxar minha roupa para conferir. Segurei suas mãos, impedindo-a. — Benê, estou cansada. Só quero dormir um pouco. Eu realmente estou bem. Por favor, vá para casa. — Não vou a lugar nenhum. Vou ficar aqui com v