Era uma ligação do Pablo.Ele já havia marcado de se encontrar comigo antes, e agora estava ligando. Parece que era para confirmar o encontro.Houve um tempo em que eu mal podia esperar para vê-lo. Queria saber a verdade sobre o acidente de carro dos meus pais. Mas, de uns tempos para cá, percebi que essa ideia me causava um certo medo, quase pavor.Era como aquele tipo de temor que sentimos ao nos aproximar demais da verdade.Olhei para Sebastião. Ele pareceu entender e se afastou alguns passos. Também me afastei um pouco antes de atender.— Sr. Pablo.— Pode se encontrar comigo agora? — A voz dele era direta, sem rodeios.Olhei para a cortina de chuva que não parava de engrossar. Não era, definitivamente, um bom dia para encontros.Mas ele tinha escolhido justamente hoje. Isso só podia ter um propósito. Respirei fundo antes de responder:— Tudo bem. O endereço?Cátia havia terminado de preparar o almoço, mas eu nem cheguei a comer. O olhar de desapontamento dela me fez sentir um peso
— Os que se foram já descansaram. Valorize o presente.Eu entendi o que ele queria dizer, mas isso só aumentou minha inquietação. Com certeza, o laudo sobre o acidente dos meus pais envolvia alguém que ainda estava vivo. Ele estava me alertando: não guarde rancor por quem está aqui, especialmente por aqueles que só querem o meu bem.— Sr. Pablo, eu entendo isso. E, nesses últimos tempos, refleti sobre muitas coisas. — Respondi, deixando clara a minha postura.Eu não estava tentando enganá-lo, muito menos apressá-lo para saber a verdade. Desde que encontrei aquele contrato no caderno do meu pai, passei por um turbilhão de dúvidas e suposições. Me consumi, lutei comigo mesma, mas acabei aceitando muitas coisas.— Parece que fazer você esperar todo esse tempo valeu a pena. — Disse ele, e com isso, eu entendi o motivo de, desde que entrou em contato comigo, ele me dar apenas pequenas informações, mas nunca uma resposta definitiva.Depois de dizer isso, ele colocou a outra mão no bolso e ti
— George!Chamei por ele enquanto estendi a mão, segurando seu braço.Ele olhou para mim, e eu olhei para ele. Meu olhar tremia, meus lábios mal conseguiam parar de tremer...Eu não disse nada, mas ele me entendeu. Quando minha garganta parecia prestes a explodir de tanto apertar, ele falou com a voz rouca:— Precisamos de uma resposta.Assim que terminou, afastou minha mão, pegou o envelope e o abriu. Seus movimentos foram rápidos, quase apressados, como se temesse que, caso demorasse um pouco mais, eu pudesse impedi-lo.O papel amarelado revelou algumas linhas escritas com clareza. Eu não olhei.George, no entanto, leu linha por linha, com atenção. Quando terminou, ergueu os olhos para Pablo, como se quisesse confirmar algo.— Eu sabia o que esse laudo significaria. Por isso, na época, solicitei que três oficinas independentes fizessem a mesma análise. Os resultados também estão dentro do envelope. — Disse Pablo.George abriu o envelope novamente.Cada folha tinha o mesmo tom amarela
— Eu vou compensar pelo meu pai. — Disse George. Senti como se algo pesado tivesse pressionado meu coração. Olhei para ele. — George, então você está aceitando esse laudo como verdade? Você não estava investigando? O resultado da sua investigação é que foi o seu pai quem sabotou os freios e causou a morte dos meus pais? A verdade é que essa suspeita já existia há muito tempo. Ele mesmo havia me dito que investigaria e me daria uma resposta. Mas agora, sem nenhuma explicação, ele simplesmente aceitava um laudo que nem mesmo a polícia conseguiu concluir de forma definitiva. O que era isso? Descaso? Ou ele queria que eu o odiasse por causa do que o pai dele fez? George não olhou para mim. Ficou em silêncio. Lembrei-me da frieza com que ele havia rompido comigo. Meu peito se apertou, sufocado. — George, você já sabia desse resultado, não sabia? É por isso que usou o que aconteceu em Houston como desculpa para terminar comigo? — Não. — Respondeu ele, com firmeza. Meus ol
Dessa vez, eu não chorei. Parecia que todas as lágrimas que eu tinha já haviam secado. Ou talvez fosse algo dentro de mim que havia mudado. Aceitei com serenidade o fato de que eu e George seguiríamos caminhos diferentes.No caminho de volta, a chuva só aumentava, como se estivéssemos em plena temporada de chuvas.Não sei se foi por distração ou pelo asfalto escorregadio, mas, ao frear, meu carro derrapou e bateu no veículo à minha frente.A chuva estava tão intensa que nem eu nem o outro motorista conseguimos sair para verificar os danos. No fim, decidimos ambos permanecer nos carros e chamar a polícia.Quando a polícia e os representantes da seguradora chegaram, a chuva havia diminuído um pouco. Finalmente saímos dos carros, e, ao ver quem era o outro motorista, ficamos surpresas.— Se eu soubesse que era você, não teria chamado a polícia num dia de chuva como esse. — Disse Elisa, com um sorriso debochado, enquanto o jovem policial, que não devia ter mais de vinte anos, disfarçava o
Essa garotinha sabia muito bem como conquistar as pessoas. Peguei Talita no colo e a tirei do carro, colocando-a no veículo que Elisa havia chamado.No caminho, comprei um presente para Talita pelo celular. Mesmo sabendo que ela não precisava de nada, ainda assim quis demonstrar meu carinho.Elisa e Talita moravam em um dos condomínios mais luxuosos da Cidade A. Assim que entramos na casa, fiquei impressionada com a decoração: balões, brinquedos e guirlandas estavam espalhados por todos os lados.— Foi o Felipe quem mandou preparar tudo isso. — Explicou Elisa, enquanto me entregava um par de chinelos.Aquela atmosfera de celebração, toda a grandiosidade e o cuidado, me fizeram comentar:— Ele realmente ama muito a Talita.— Isso é certo. Mas o que ela precisa não é disso. E, além disso... — Elisa lançou um olhar para Talita e, aproximando-se de mim, sussurrou:— Agora que está maiorzinha, ela sente vergonha de sair com ele. As pessoas vivem dizendo que ele parece o avô dela.Felipe tin
Era ódio, repressão e algo prestes a explodir.Essa faceta de Elisa era algo que eu nunca tinha visto antes, e, por algum motivo, me senti nervosa.Engoli seco e, hesitante, perguntei:— Se você odeia tanto ele, e sabe de tudo o que ele fez, por que ainda...Não terminei a frase. Não sabia exatamente o que ela pensava, e preferi não arriscar. Pelo ódio que ela demonstrava, Elisa jamais deveria ter tido Talita. Um filho a amarrava ainda mais a Felipe, tirando qualquer chance de ela sair completamente dessa relação. Mas, ainda assim, ela escolheu ter a menina.— Você quer saber por que eu decidi ter a Talita, né? — Elisa, como se lesse minha mente, completou a minha pergunta.Assenti, olhando de relance para a direção de Talita.— Se vocês realmente romperem de vez, o que vai acontecer com ela? A culpa não é dela.— Você acha que eu quis ter essa criança? — Elisa levantou a cabeça e esvaziou a taça de vinho de um só gole.Ao vê-la engolir o vinho com uma expressão de dor, algo dentro de
Assim que comecei a perguntar, Elisa levantou a mão, me interrompendo, e apontou para Talita. — Essa menina tem muita sorte. Fiquei completamente confusa com o que ela disse, e Elisa percebeu. — Você está com cara de quem não entendeu nada, né? — Um pouco confusa, sim. Elisa sorriu, como se se divertisse com minha reação. — Felipe e a esposa sofreram um acidente de carro. Foi grave, quase fatal. Na época, Felipe quase não resistiu, e a esposa dele ficou em coma. Acho que foram dez dias, talvez quinze. Todo mundo achava que ela não ia sobreviver. Mas, de repente, ela acordou. — E o que aconteceu? — Perguntei, curiosa com o rumo da história. — Ela disse que, enquanto estava em coma, teve um sonho. Sonhou com uma menina, uma espécie de ajudante da Virgem Maria. A menina entregou a ela algo como uma pílula mágica e disse que aquilo salvaria sua vida. — Elisa balançou a cabeça, como se achasse a história tão absurda quanto eu. — Depois disso? — Minha curiosidade aumentava.