Acordei com a luz batendo pela janela. Não sou uma pessoa diurna e a noite, tenho insônia demais para conseguir dormir. Os pensamentos correm de um lado para o outro trazendo memórias que preciso esquecer. Além disso, uma cama vazia na qual eu me deito sozinho é meu verdadeiro inferno.
Difícil conter os impulsos de me render aos desejos mais sombrios. Eu faria tudo para ter alguém do meu lado, se possível, para sempre. E acho que você já sabe que não costumo perseguir essa meta do jeito convencional.
A luz corre pelo quarto, iluminando partes do teto e da parede com um papel decorativo marrom e marfim ridículo. Sento na cama, usando um shorts que mal contém minha ereção. Um dos motivos por eu preferir dormir pelado é esse. Enfio a mão dentro do shorts e seguro meu pênis duro, ele está latejando de uma forma dolorida e o calor que o envolve é aliviador. Começo a me masturbar. Apenas a luz do poste e o som da minha respiração se fazem presentes no quarto. Espalho as fotos dos cadáveres, que eu estava analisando antes de dormir pela cama. Abro mais as pernas e bato forte, segurando com dedos firmes.
Fecho os olhos. Imagino como seria puxar os cabelos macios e cheirosos de Remy enquanto ele está algemado de bruços na cama. Como seriam seus gemidos? O que ele falaria? Não preciso que ele fale, para ser sincero, apenas quero sua presença. Gostaria de beijar sua boca, chupar sua língua até sentir o gosto de sangue e mordiscar todo o seu corpo antes de me enterrar nele. Talvez eu o forçasse a me chupar muitas vezes, também.
O gozo explode pelo meu corpo e jorra até quase o teto.
— Merda! — Percebo que um pouco de sêmen caiu sobre as fotografias e depoimentos, os relatórios que eu estava analisando e manchou a tinta da impressora.
Dou um salto, vou até o banheiro. Acendo a luz e pego a toalha de rosto, com a qual volto para a cama e tento limpar aquela bagunça. Se me sinto culpado? Um pouco. Fui ensinado que ter desejos sexuais por homens era errado e que Deus não permite esse tipo de coisa. Talvez por isso eu seja um filho do diabo, pois lá no fundo, eu até gosto de saber que é errado e que faço mesmo assim.
Depois de limpar as fichas e a cama, vou para o banho, aplacar o ardor no membro com a água morna. Enquanto as gotas mornas escorrem pelo meu corpo, imagino que é Remy, com sua língua quente, honrando cada pedaço da minha pele. Sei que não vou aguentar muito tempo, que preciso tê-lo… Não me leve a mal, não pretendo matá-lo, mas cuidar dele para todo o sempre até o fim da minha vida. Apenas vou certificar-me de que ele não vai fugir, como meus outros amantes fizeram.
***
De manhã troquei os shorts por uma roupa decente: calça escura, uma camisa de algodão azul jeans e sapatos lustrosos. No banheiro escovei os dentes com os apetrechos do hotel, os quais senti direito de levar embora comigo, dentro de um saco plástico que guardei na sacola de roupas, daquelas malas de pano de academia. A logomarca da polícia se destaca no pano preto, mas é o fato de que na parte de dentro tem o nome de Remy, sua inscrição na polícia e seu endereço pessoal que me chamam atenção. Uso de memória para decorar aquelas informações.
Arrumo minhas coisas dentro da mala com cautela e de forma organizada, separando cores, peças e usando um saco plástico para separar as cuecas e meias. Minhas roupas antigas e pequenas, joguei fora, mas meus acessórios, resolvi colocar. Tenho uma aliança de ouro que uso no dedo anelar para ter a sensação que sou casado, relógio, braceletes e um colar com crucifixo, que utilizo para me manter na linha. Sou um homem religioso, rezo, me confesso, vou à missa. Mantive esses hábitos na cadeia, inclusive. No fundo, eu sou quase boa pessoa, certo?
Sentei no sofá e fiquei esperando. As malas no chão. Deslizando uma mão na outra e observando meus dedos, um tanto entediado. Era muito cedo, seis horas e fiquei ali até as oito horas, quando peguei no sono. Meia hora depois uma batida na porta me despertou.
Levantei e abri uma fresta. Encarei o belo rosto de Remy Bergeron, com seu sobretudo azul escuro, quase preto, os olhos incandescentes e vívidos e aqueles lábios rosados. Um dos policiais estava com ele, com seu uniforme, notei que o colete moldava-se aos seios e percebi que um deles era mulher. Li o nome no uniforme. Y. Vallée.
— Bom dia Sr. Louic.
— Bom dia Sr. Bergeron. — Dei um sorriso sem mostrar os dentes, feliz de vê-lo, mas odiando a mulher ao seu lado. — Estava te esperando.
— Yvonne vai revistar você e sua mala. Desculpe, são protocolos, por favor, dê um passo para fora do quarto.
— Claro. — E fiz questão de partir para cima dele, fazendo-o dar um passo para trás e se encostar na parede. A luz do corredor iluminava pouco, mas o suficiente para analisar suas reações. Como ficou paralisado, enquanto a policial até me empurrou sem querer mais para cima dele entrando no quarto, coloquei a mão em seu ombro, apoiando. — Espero que dê tempo para um café, estou faminto.
— No caminho.
— A propósito, li os relatórios. — Inseri, ainda mantendo-me em pé. Remy tentou escorregar para o lado e dei um passo, bloqueando. — Tenho algumas observações que gostaria de discutir com você antes de chegarmos ao necrotério.
— Tudo bem.
— Os homens foram emasculados e as mulheres molestadas, além da decapitação. Não vi fotos da cabeça…
— Nenhuma foi encontrada. — Remy escorregou para o outro lado e dessa vez, deixei ele passar, apenas para não forçar demais as coisas. — Nem os órgãos genitais das vítimas masculinas.
— Interessante.
— Mas você estava falando… — Ele passou os dedos finos pelos cabelos e prendeu-os atrás da orelha. — Notou alguma coisa além de um padrão?
— Curiosidade sádica, talvez algum desejo sexual reprimido, ou ritual religioso.
— Espere, o quê?
— Ninguém arranca o pênis de suas vítimas sem motivo e nem dilacera a vagina. Talvez ele seja homem, heterossexual e coma os órgãos genitais masculinos para aumentar sua virilidade. Talvez ele estupre as vítimas mulheres e depois se arrependa, então as mate.
— E os insetos? Como se encaixa nisso? — Remy questionou. Sem perceber ele deu um passo na minha direção e gostei disso, sua curiosidade era maior que o seu medo de ficar do meu lado. — Como você chegou a essas conclusões?
— Você disse que precisava de uma mente assassina para entender, talvez tenha sido isso. — Cruzei os braços e encostei o corpo na parede. — Os insetos… Preciso de mais detalhes sobre como foram postos, mas você certamente conhece o que dizem sobre demônios, como eles se manifestam, certo?
— Acho que faltei a essas aulas.
— Bem, muitas religiões assumem insetos como manifestações demoníacas.
— Hm. — Remy absorveu aquelas palavras e vi como seus olhos acenderam-se de repente, o cérebro genial que ele possuía. — Precisamos identificar o tipo de pecado que esse assassino acha que as vítimas cometiam.
— Bem, tinha uma freira. — Yvonne falou, sua voz por trás de mim. Remy desviou os olhos para ela e meu coração rugiu, porém, fingi que não me incomodei. — Deve ser catolicismo ou similar. De qualquer forma, Sr. Bergeron, achei apenas o furto de uma escova de dentes e vestígios de sêmen na cama… E nos arquivos.
— Er… — Remy ficou pálido. — Certo, Yvonne, obrigado. — Ele jogou os olhos em mim. — Se masturbou em cima do relatório?
— Ele estava lá apenas, sou homem, você certamente sabe como é.
— Não, não sei.
— Se vai realmente se meter na minha intimidade, fique sabendo que me masturbei pensando em você. — Falei sério.
Yvonne colocou a mão na arma, Remy piscou e deu um passo para trás. Tenho certeza que a policial achou que eu estava para atacar o seu chefe, mas não me movi. Remy gargalhou. Balançou a cabeça em negação e atravessou para o outro lado, passando por mim e a policial, ela relaxou os ombros.
— Só vou mexer nesses arquivos com luvas. — Colocou a mão no bolso, tirou o maço de cigarros e jogou para mim. — Eu dirijo dessa vez, você parece que nem dormiu.
Peguei o maço no ar, descruzando os braços. Contei quantos cigarros tinha, tirando o que fumei e os dois que ele acendeu na prisão quando nos conhecemos, não faltava nenhum. Remy não era um fumante. Ele não sabia que eu estava analisando-o em todos os detalhes, observando e admirando como se ele fosse uma obra de arte, mas também desvendando-o como um enigma. Quando eu soubesse tudo dele, seria fácil me aproximar, usar suas fraquezas contra ele.
Yvonne ficou me olhando duro, peguei minha sacola de roupas e a pasta com os arquivos. Lancei para ela um olhar frio e segui atrás de Remy para o elevador. Entramos os três, saindo apenas na recepção onde os outros guardas já nos esperavam, cada um com sua mala e um deles, com as de Remy junto. Não gostei do olhar que o homem enviou para mim e prestei bastante atenção nele.
Era o mesmo que agiu preocupado quando Brenson disse que íamos entrar na loja. Seus olhos eram bem escuros, contornados por cílios longos e de mesma cor que seus cabelos bem pretos. Era alto, forte, seria difícil derrubá-lo sozinho. No uniforme estava escrito: D. Vasseur.
Remy se aproximou dele, trocaram poucas palavras e notei que estavam discutindo algumas coisas, talvez onde tomaríamos café da manhã. Gesticulavam pouco, mas pareciam amigos, do tipo que se respeitam, se conhecem a algum tempo e só por isso, eu queria matar o policial, mas contive meus impulsos. Também notei que Brenson não estava mais no time e havia sido substituído por um rapaz mais jovem de barba densa e olhos pequenos, chamado V. Thiers. Acho que o investigador era um chefe rígido, que gostava de manter as coisas sob controle e isso explicava porque entrou em pânico quando me aproximei inesperadamente. Fui chegando perto, querendo ouvir a conversa.
— Será impossível esvaziar o restaurante do hotel com tantos hóspedes, mas Noel disse que perto tem uma cafeteria pequena, podemos utilizá-la. — O policial avisou.
— Tem panquecas. — O loiro avisou, com um sorriso satisfatório. Que puxa saco!
— Perfeito. — Remy ensaiou um sorriso. — Passe a localização. Vocês estão em dois veículos?
— Noel está de moto, tem uma vaga no nosso carro, quer que levemos o prisioneiro? — O policial de olhos escuros sugeriu, ele nem me olhou.
— Não diga isso, prisioneiro. — Remy o empurrou com um toque leve no peito e não gostei nadinha daquilo. — Simon Louic vai comigo, quero discutir detalhes do caso.
— Vou junto.
— Dylan…
— Sei que tem curiosidade, talvez até mórbida a respeito dele e seus crimes, mas está passando dos limites, Remy. É perigoso. — Ele estava falando aquilo sem nem saber sobre o que Yvonne presenciou, eu dizendo que me masturbei pensando nele. Comecei a pensar no quanto Dylan Vasseur estava ficando no meu caminho, como um obstáculo. — Ao menos deixe Victor ir junto, no banco de trás.
— Se isso vai fazer você se sentir melhor, ok. — Remy deu de ombros e o homem sorriu aliviado para ele.
Não estou gostando nada dessa interação. Parei atrás de Remy, meus olhos ardendo de ódio caíram em cima de Dylan, que apenas me observou, fazendo Remy girar para se encontrar comigo.
— Vamos indo. — Dylan saiu de perto, levou sua mala e a de Remy com ele. Assoviou para os policiais. — Thiers! Você vai com Bergeron.
— Sim senhor. — O jovem aprumou o corpo e se aproximou de nós. — Deixe-me levar sua mala, Sr. Louic.
Ele segurou na alça, tocando sem querer a minha mão. O toque quente e um pouco áspero. Encarei-lhe os olhos castanhos claros. Ele era bonito, másculo e os cabelos curtos eram do tom ideal. Seu rosto tinha uma simetria equivocada, um lado do queixo mais saliente que o outro. Não parecia ter medo de mim, pelo contrário, parecia ávido por estar ao meu lado.
— Obrigado.
Remy aproveitou a proximidade do seu subalterno para afastar-se de mim. Caminhou até a porta do hotel e foi o primeiro a sair, puxando o zíper de seu sobretudo azul-marinho. O vento frio atravessou o ambiente de forma refrescante.
Não nos falamos, mas caminhei ao lado de Victor, até o porta-malas aberto. Dylan já havia colocado a mala de Remy ali e a minha se encaixou na lateral. Victor colocou a dele no canto.
— Tem um isqueiro, Victor?
— Tenho sim. — Pegou do bolso do seu colete o objeto, verde, me entregando. — Se quiser cigarros, fale comigo.
Acendi o isqueiro testando, sorri para ele. Conferi o interior do carro e vi que Remy estava nos observando pelo retrovisor, os olhos azuis intensos sobre mim, de uma forma que meu pau endureceu na mesma hora. Imaginei ele me chupando com aquele olhar incisivo e sabia que precisava aplacar o desejo. Coloquei o cigarro na boca, acendi tragando e conferi Victor que estava descendo os olhos pelo meu corpo. Eu já sabia exatamente como aplacaria aquele desejo que não parava de crescer em mim.
— Vou falar.
Remy buzinou, impaciente. Meu sorriso aumentou e apontei para o carro com a cabeça, olhando para Victor. Ele se animou e contornou o veículo, abrindo a porta detrás e sentando-se, tendo que empurrar algumas coisas de Remy para poder sentar-se.
Entrei no carro, eles não estavam se falando e sentei-me ao lado de Remy. No instante que fechei a porta, ele deu ré apressado. Apesar disso, dirigia com suavidade em seus movimentos, além disso, amei a forma com que sua mão envolveu o volante. Que delícia. Queria sentir a força de seus dedos no meu pau.
— Fica mal-humorado quando está com fome, Sr. Bergeron? — Perguntei, batendo o cigarro no cinzeiro do painel do carro, feito de metal lustroso.
— Você não faz ideia. — Ele rangeu os dentes.
Traguei o cigarro, saboreando aquelas palavras e uma vitória pessoal. Eu fantasiei que ele estava com ciúmes de mim e de Victor, o que era bom, uma fraqueza, uma forma de manipulá-lo. Mesmo que não fosse ciúmes, ele não aprovava as decisões de seu subordinado e certamente faria algo contra a concretização disso… E eu me aproveitaria desse momento para colocá-lo dentro de minha armadilha pessoal.
Poucos minutos seguindo o GPS e o carro parou na frente de uma cafeteria. Era uma porta pequena, com um balcão de entrega. Victor desceu e parou do meu lado, abaixei a janela.
— O que vai querer? — Perguntou-me.
Adoro um amante submisso e serviçal, se quer saber. Aquele instante em que Victor estava oferecendo-se para servir-me foi fundamental para que, por um tempo, eu deixasse minha presa principal de lado e me concentrasse em uma maneira mais rápida de aplacar meus desejos.
— Café puro, sem açúcar.
— Só isso? — Estranhou.
— Não sou exigente.
Victor sorriu, entendendo minhas palavras. Se você estiver se sentindo estranho porque um policial está flertando comigo, aviso: ser admirado, mesmo por motivos absurdos, é comum.
Há muita gente que se aproxima de grandes criminosos com interesses curiosos e alguns confundem essa curiosidade com tesão ou algum tipo de carência. Recebi muitas cartas na prisão, de pessoas devotas achando que eu seria um líder em algum culto insano ou simplesmente, de interesses amorosos. Nenhum deles tinham requisitos que cumpriam meus graus de exigência, além disso eu estava preso, proibido de contato social a menos que fossem parentes, um correspondente nunca poderia dormir ao meu lado, que é meu maior desejo. Portanto, voltei-me para companheiros de cela. Minha sentença não aumentou quando me envolvi com o primeiro, mas nenhum deles ficou ao meu lado, acabei sozinho.
Por um tempo achei que esse fosse meu destino. Apodrecer em solidão. Até receber a visita de Remy, então eu estava com outros planos em mente e uma nova certeza no coração. Remy seria meu.
Victor se afastou do carro e Remy soltou um suspiro, abrindo a porta com pressa, contornando. Eles se cruzaram na calçada, no balcão. Não consegui ouvir o que estava conversando mas tive certeza que Remy estava dando bronca no seu subordinado, que nitidamente não gostou nadinha daquilo. Eu fiquei comparando-os, enquanto fumava o restinho do cigarro. Se fosse pesar em uma balança, todo o meu interesse era em Remy. Era o esguio e belo homem que chamava minha atenção em todos os aspectos, da cor dos olhos até aquele traseiro delgado, mas era Victor quem sorria na minha direção e convidava-me silenciosamente para uma noite em sua cama.
***
Remy mostrou o distintivo e foi o suficiente para os guardas se afastarem e permitirem nossa entrada no local. Era um quarto de motel de baixa categoria. Os corredores fediam a urina e provavelmente usado por viciados. Não havia mais um corpo, mas o cheiro de sangue podre estava pelas paredes. O chão manchado, a cama apodrecida e o zumbido de insetos que ainda estavam no local. Adentrei o recinto sem sentir nojo ou coisa parecida, era um matadouro comum como qualquer outro, apenas mais podre.
— Com arredores como esse, não me admira que tenha apodrecido nessa cama. — Olhei para trás. Remy tinha um lenço na boca e percebi que Victor segurava um na minha direção, sorri e peguei apenas porque ele estava me olhando com surpresa.
— Isso é mesmo necessário? — Dylan questionou.
— Ele pode achar algo que deixamos escapar. — Remy justificou-se.
— Eu não vou entrar. — Noel torceu a cara, Yvonne riu.
— A cena foi perfeitamente documentada pelos peritos. — Dylan continuou, bloqueando a entrada de Remy enquanto Victor veio na minha direção. Cobri o rosto com o pano. — O que ele poderia achar que nós não?
Ignorei a discussão entre os dois policiais e passeei um pouco pelo recinto. A sola dos meus sapatos grudavam ao chão e o ambiente estava pesado. Janelas que não abriam, emperradas, respingos de sangue na parede e no teto. Era brutal. Imaginei o assassino em cima de sua vítima, estocando um objeto cortante com fúria, se lavando com o sangue. A imagem me fez sorrir. Eu conhecia o prazer arcaico, a excitação, o rasgar quase etéreo do ambiente quando a morte vinha e ceifava as almas.
— Ele gosta de matar. Gosta do sangue e da bagunça. — Falei em voz alta, apenas para fazer Remy largar Dylan falando sozinho e vir na minha direção. O policial bufou aborrecido, cruzou os braços, mas não entrou na cena do crime.
— O que achou?
— Fiz apenas uma anotação, meu caro. — Emulei uma frase de filmes de detetive apenas para irritá-lo, mas Remy não esboçou reações. — Acharam a arma do crime.
— Não. — Respondeu com a voz abafada. — A autópsia não foi conclusiva em nenhum dos casos, os avançados estados de decomposição dos corpos não ajudaram.
— Preciso ficar sozinho na cena.
— Impossível. — Dylan ralhou lá de trás.
— O Sr. Bergeron pode ficar comigo. — Testei.
— Nem pensar. — O policial mau encarado chiou.
Sorri:
— Não passou por treinamento? Certamente tem uma arma aí com você. — Olhei para Remy.
— Não é necessário, vamos, todos para fora. — Como eu pensei que ele faria, expulsou os outros soldados.
Foram saindo. Victor me lançou um olhar de decepção, obviamente eu o compensaria depois. A porta se fechou, deixando-me a sós com Remy de um jeito que me excitou de imediato, mas se eu o atacasse, nunca mais confiaria em mim, eu ainda precisava atraí-lo.
— Sabe o que assassinos e policiais possuem em comum?
— Não faço ideia do que você imagina que seja. — Articulou suas palavras. Dei um passo em sua direção, sem dizer nada, alcancei a ponta do lenço que ele segurava e desci, tirando o pano de seu rosto. — O que é?
— Senso de justiça.
— Nem a pau.
Sorri, com o curvar de suas sobrancelhas o tom insatisfeito em sua voz. Fiquei ao seu lado, desci devagar a mão no ar até a altura de sua lombar e o toquei. Remy me encarou.
— Por que me escolheu? Entre tantos assassinos, poderia ser qualquer um.
— Já disse a você. O método é tão enigmático quanto o seu.
— Aquele Dylan é seu namorado? — Grudei os olhos nos dele, eu saberia se ele mentisse.
— Não.
— Ótimo. Ele não te respeita, seria uma lástima. Dylan tenta limitá-lo, controlar você, subjulga suas qualidades e talentos. Te vê como uma criança.
— Eu sei.
— E não faz nada a respeito?
— Talvez assassinos e policiais tenham mesmo alguma coisa em comum, Sr. Louic.
— Ah, eu adoraria saber o que você pensa que pode ser. — Apertei a mão, deslizando, segurei em sua cintura e dei um leve puxar, para ele vir na minha direção. Remy não queria, mas não se afastou, ele se encostou involuntariamente em mim, encaixei meu membro excitado nele e cheirei seus cabelos. — Ah, sim, assim… — Ele soltou ar e tive certeza de que havia, nem que fosse escondido de si mesmo, um interesse sexual dele em mim. — Sente isso, Remy? — Deslizei em movimentos lentos, moendo com ele, mas Remy ficou parado como se fosse um robô na minha frente. Afastei, mirando seus olhos sem vida, sua respiração estável, a boca entreaberta. Aquilo me incomodou e segurei em seu rosto. — Remy?
O ar ficou gelado de uma forma estranha e foi como se alguma coisa sussurrasse na minha nuca. Um arrepio tenso, como um choque elétrico subiu pela espinha. Olhei para o exato local em que Remy mantinha seus olhos fixos.
Havia uma nítida mancha de sangue na parede. Era grande e larga. A silhueta de uma pessoa.
— Havia um espectador. — Minha voz saiu baixa, com um sussurro. — O assassino não estava sozinho.
As luzes vermelhas piscavam. Ficamos até tarde na cena do crime, observando os peritos fotografarem pela segunda vez o local e documentar os novos achados. Remy reclamou a plenos pulmões que esse tipo de erro não podia acontecer e eu vi os homens ficarem encolhidos como se fosse a pior coisa do mundo levar um sermão dele.A clareza foi súbita. O que eu sabia de Remy Bergeron senão as migalhas de pistas que ele me deu? Fiquei saboreando seu comportamento, o interesse na cena e como seu cérebro funcionava. Remy precisou se encostar em um carro policial e sacar o celular, onde anotou todas as coisas. Eu acendi um cigarro, mantendo-me ao lado de Victor que não se importava em ficar comigo, mas meus olhos estavam nele, em Remy, como se o desgraçado fosse um ímã magnético.— Esse detetive que está cuidando do caso é mesmo bom
Segurei o pacote de gel congelado e coloquei sobre o rosto, na parte superior da bochecha esquerda, onde Dylan me acertou com seu punho pesado. Não estava doendo tanto assim, mas fiz um som de desconforto para chamar atenção.— Desculpe. — Remy disse, fechando a porta da saleta atrás de si.Não vou entrar nos detalhes de como foi caminhar para dentro da delegacia e ser recebido com olhares desconfiados dos outros guardas. Conferiram minha tornozeleira, recarregaram as pilhas e agora eu estava sentado em uma cadeira de plástico barato e sem conforto em uma saleta cheia de papéis. Era em Brume Peak, então eu sabia que não era o ambiente de trabalho de Remy, porém, uma foto dele em um barco de pesca com Dylan Vasseur estava me olhando. Odiava seu sorriso, o peixe grande e o braço pelos ombros do meu Remy.
Deitei na cama ao lado de Remy. Coloquei sua cabeça sobre meu ombro e sua mão no meu peito. Fiquei um tempo apenas curtindo sua presença do meu lado, seu corpo quente, a respiração calma e sua mão, tão morna, debaixo da minha.— Você sabe que é perfeito? Encaixa-se no meu braço como se tivesse sido feito para mim. — Deslizei a mão pela nuca, dei um beijo na lateral de seus lábios — Hm, gostoso isso. — Sofreguei. — Mal posso esperar para poder beijar você.Deslizei o rosto com o dele fazendo um carinho e com a outra mão, deslizei por sua nuca, enroscando os fios macios de seus cabelos nos meus dedos. Ele tentou balbuciar algo, mas estava muito dopado, até mais do que eu gostaria que ele estivesse. Dei um tempo para ele se acostumar com o remédio e perdi um precioso tempo apena
O avançado estado de decomposição da vítima atrapalhava os peritos mais dedicados. A polícia tinha pouca informação para trabalhar nos casos.A primeira vítima era uma mulher por volta dos trinta anos, acima do peso, uma prostituta que foi rapidamente identificada pelas digitais. Já tinha passagem pela polícia por uma discussão envolvendo dois outros homens, aparentemente seus clientes, que não quiseram pagar por seus serviços. Ela se chamava Katia Genet, não tinha filhos e morava em uma pensão na qual alugava um quarto na parte mais pobre da cidade de Brume Peak, ao lado de um rio fedorento, um esgoto a céu aberto. Os vizinhos e outros moradores relataram em depoimento que Katia Genet vivia sem excentricidades, mas que tinha um histórico de relacionamentos abusivos e portanto, aparecia com marcas pelo corpo e olhos roxos. Seu
O telefone tocou de madrugada. A voz de Remy parecia seca quando ordenou que eu me trocasse e encontrasse com ele em quinze minutos. Vesti roupas em tempo recorde: calça de inverno, casaco e jaqueta de couro. Nem penteei os cabelos cacheados. Espiei as janelas. A madrugada seguia escura e com uma densa névoa. Abri a porta, peguei o elevador sozinho.Onde estavam os guardas? Nem mesmo Victor havia aparecido essa noite e tudo bem, eu imaginava que Remy os dispensou para ficar sozinho comigo, mas agora parecia muito suspeito que não viessem me escoltar. Encontrei com Remy no exato local indicado. Ele estava de sobretudo de lã, suéter cinza claro de gola rolê, levemente apertado no pescoço como eu gostaria de por minhas mãos e calça jeans escuras, calçando botas de inverno.— Oi amor.Nem me olhou.—
Empurrei a porta da cafeteria e o aroma logo me invadiu. Olhei para Remy que esfregava os olhos cansado enquanto se dirigia para a fila. Fiquei bem atrás dele, mas não tive humor para conversar. Eu estava com aquela sensação ruim atrás da nuca desde que saímos das margens do rio e cá entre nós, não tínhamos andado para muito longe. A cafeteria ficava em um posto situado alguns metros do local e estava, naquela manhã, cheia de policiais, o que captou a atenção dos moradores do bairro mais nobre.Parece ridículo pensar que entrei na cadeia e saí para encontrar uma Brume Peak totalmente diferente daquela que eu conhecia e que transformei no meu parque de diversões. O rio sempre dividiu a cidade em duas áreas, uma mais pobre e uma mais nobre, mas não dessa forma. Agora os mais ricos que andavam de carros importados, moravam
“Se o Demônio de Brume Peak cometeu todos os crimes da forma que diz como cometeu, a prática do canibalismo adquirida com a evolução de seu método de assassinato, foi apenas um meio de livrar o réu de provas que pudessem ligá-lo aos crimes. No entanto, em depoimentos transcritos nesse livro, o leitor pode acompanhar que as práticas antropofágicas foram descritas com grande acuidade e um detalhamento assustador, capaz de mexer com as mentes mais sãs. Porém é notável, e causador de um grande incômodo, o fato de que Simon Louic nunca descreveu o gosto ou a sensação digestiva de seus atos.”Fechei o livro e suspirei. Era assim que Remy Bergeron terminava sua dissertação sobre mim, ou mais pr
O homem era como a maioria das minhas vítimas. Olhos azuis grandes e que concediam-lhe um ar de inocência. Os cabelos castanhos e lisos, até a altura do ombro, que contrastavam com sua pele extremamente clara, quase como uma flor de lírio. E por causa disso eu sabia que ele era a perfeita armadilha.Eu estava com as mãos algemadas em uma mesa de metal fria e lisa. A sala estava gelada, escura, com apenas um foco de luz incandescente em cima de meus olhos, que buscavam bloquear a visão. Sentia a boca seca e o corpo dormente, a simples visão daquela face harmônica trazia memórias que eu buscava bloquear noite após noite mal dormida na prisão.— Pode nos deixar a sós? — Sua voz tinha um tom amável, suave, mas de um jeito diferente, uma breve rouquidão quase morosa que me deixou extremamente desconfortáv