O homem era como a maioria das minhas vítimas. Olhos azuis grandes e que concediam-lhe um ar de inocência. Os cabelos castanhos e lisos, até a altura do ombro, que contrastavam com sua pele extremamente clara, quase como uma flor de lírio. E por causa disso eu sabia que ele era a perfeita armadilha.
Eu estava com as mãos algemadas em uma mesa de metal fria e lisa. A sala estava gelada, escura, com apenas um foco de luz incandescente em cima de meus olhos, que buscavam bloquear a visão. Sentia a boca seca e o corpo dormente, a simples visão daquela face harmônica trazia memórias que eu buscava bloquear noite após noite mal dormida na prisão.
— Pode nos deixar a sós? — Sua voz tinha um tom amável, suave, mas de um jeito diferente, uma breve rouquidão quase morosa que me deixou extremamente desconfortável.
— Sabe que esse maldito foi condenado após matar dezessete homens?
— Eu preciso de uma aula de criminologia, policial?
O brutamonte uniformizado que estava na porta, recebeu um olhar sério e se encolheu:
— Não, senhor.
— Então saia.
— Por sua conta e risco, detetive. — A porta fechou-se com um barulho em seco.
Observei aquele rapaz. Parecia tão jovem e imaculado, como poderia ser um detetive? Notei que ele segurava uma pasta nos braços e mantinha uma postura distante. Talvez soubesse que estivesse diante de um monstro. Não consegui ficar parado. Quis sair dali, mexi os braços batendo as algemas que tilintaram pelo grave silêncio que nos encobria. Ele se aproximou e eu quis fugir. Daquela distância seu cheiro doce inundou meu corpo, entrando pelas narinas e abri a boca, absorvendo-o por inteiro. Delícia. Eu o queria como um vampiro quer o sangue. Era como estar em um jardim e achar a mais bonita flor, ajoelhar diante dela e cheirá-la… Mas eu sentia o iminente desejo de arrancá-la do caule com brutalidade, com os dentes.
Observei o homem de corpo esguio como se estivesse hipnotizado seus dedos ao descerem o zíper do sobretudo azul-escuro. As gotículas em seus cabelos e na parte superior dos ombros indicavam que estava chovendo. O que trazia aquele homem para a penitenciária de segurança máxima no meio da madrugada e debaixo de uma tempestade? Deveria ser importante. E eu me senti importante. Como se ele se importasse.
Um breve momento que acendeu o fogo que eu guardava adormecido em mim. O pau roçou firme no macacão cinza da penitenciária, como uma serpente querendo mostrar as caras. Cruzei as pernas, disfarçando, desviei os olhos do homem. Já fiquei bastante tempo preso para saber a merda que pode ser investir contra um policial ou um médico.
— Deixo você desconfortável, Sr. Simon Louic? — Derrubou a pasta em cima da mesa de metal e puxou a cadeira, na qual sentou-se diante de mim.
Que destemido. Gostei disso. A luz iluminou seu rosto e observei o rapaz. Eu via com intensidade cada pelo de barba nascendo em seu rosto e aquela boca cheia de carne e naturalmente vermelha de sangue saudável. Ele era bonito, de feições simétricas, dentes grandes e nariz delicado. Ele não parecia uma garota, o que era bom.
— É claro. — Respondi.
— Por quê?
— Porque tenho desejo de matar você. — Abri um sorriso, agora eu já não lutava mais contra as algemas e meu corpo se movia como se o detetive fosse um ímã na minha frente. — Entre outras coisas…
— Não vai acontecer.
— Porque acha que eu não o faria? — Estava me divertindo, mas a mente já tinha pensado em todas as possibilidades. Soltar-me das algemas seria o mais difícil, depois, ele estaria em meus braços, implorando por sua vida. Eu queria ouvir seus gritos, saber se sua voz soaria tão calma embebecida em desespero e medo.
— Porque eu não permitiria. — Colocou a mão dentro do casaco e achei que ele fosse apontar uma arma, mas o rapaz tirou um maço de cigarros, da minha marca favorita e colocou sobre a mesa. Ele barganharia sua vida com cigarros? Observei o correr dos dedos pela mesa, o empurrar do cigarro na minha direção. Tirou um do maço, bateu na mesa e levou direto à sua boca, capturando meu olhar de um jeito que eu não saberia dizer se foi uma manipulação. — Quer um pouco?
— Não aceito esmola de estranhos.
— Não seja por isso. — Pegou um isqueiro daqueles Zippo®, tinha uma caveira no entalhe em cor prateada. Acendeu o fogo e queimou a ponta do cigarro, a luz vermelha pegou todo o seu rosto, sua pele era tão lisa que eu queria correr a língua sobre ela, saboreando o sal de sua pele e suor. Não consegui parar de olhar para os lábios apertando o objeto… E imaginei outra coisa em sua boca. Maior e mais larga. Meu pênis. — Meu nome é Remy Bergeron.
O isqueiro foi guardado. Eu já estava salivando.
— É um prazer.
— Então quer um pouco?
Era uma provocação? Ele não sabia onde estava se metendo, mas eu gostei disso, de poder reaver o controle da situação. Corri os olhos para seu pescoço, desci pelo corpo, ele parecia alto e magro, mas em forma. As coxas estavam largas por estarem apoiadas na cadeira, eu daria uma perfeita dentada e depois, me divertiria com todo o seu corpo.
— Ei. — Ele estalou os dedos na minha frente. Levei um susto, acordando do transe que seu corpo me causava e mirei os olhos nos dele. Remy estava com o corpo para frente, o cigarro fedendo afrodisíaco. — Olhe para mim quando eu estiver falando com você.
— Estava olhando. — Debochei como um cretino. — E vou aceitar o seu cigarro. Aí podemos conversar. — Eu disse. Ele alcançou o maço. Foi tirar um, mas eu fiz um som engraçado. — Tsc. — Remy se interrompeu e me encarou. — Eu quero o seu.
Consegui uma reação em seu rosto. Ele pareceu demorar para entender minha insinuação, franziu o cenho, olhou para o cigarro em sua boca e então, tirou dos lábios. Esticou o braço. Tentei alcançar, mas as algemas não deixaram, eu já sabia que ele teria que chegar mais perto e quando o fez, tentando me entregar o cigarro, dei um salto brusco. Analisei sua reação. Os músculos se contraíram em susto, mas ele não fugiu, ou desviou. Encontrou um espaço no qual podia me alcançar e colocou o cigarro na minha boca.
— Isso deverá ser o suficiente. — Então, afastou-se um pouco, desviando o olhar e pegando a pasta da mesa. Abriu.
Traguei o cigarro enquanto Remy tirava os papéis, o gosto ocre de fumaça encheu o pulmão gerando um ardor confortável. O detetive na minha frente estava incomodado comigo agora e eu tinha conseguido destruir aquela couraça dele. Foi gostoso, quase um orgasmo, mas eu ainda queria sentir o clímax. Os papéis foram espalhados na mesa, dei uma olhada. Eram fotos de um crime grotesco e aquela não era a primeira vez que um detetive se consultava comigo, ainda mais no que se tratava de serial killers. Eles nunca conseguiam entender a mente do assassino. Eu conseguir regalias quando os ajudava, comida melhor, uma cela mais confortável, livros, até uma televisão e videogame para passar o tempo, especialmente cigarros. Não sou um homem que se impressiona fácil e não seria a imagem de um corpo cheio de sangue que faria sentir vontade de ajudar no caso, mas confesso, aquele rapaz fazia a situação ser totalmente diferente.
— Você quer que eu analise o caso para você? — Perguntei, analisando as fotos. Era um crime brutal, mas peculiar. Haviam elementos que eu não tinha visto em outros casos apresentados e só de olhar, eu sabia que era um desafio.
— Acha que é isso que quero?
— Não é o que policiais incompetentes fazem?
— E quem disse a você que sou incompetente? — Ralhou. Ergui os olhos para ele, agora sua postura estava de volta àquela muralha quase intransponível. Mas eu a quebrei uma vez e faria novamente, quantas vezes fossem necessárias.
— Então por que está aqui, detetive? — Coloquei novamente o cigarro na boca.
— Porque esse é um caso de assassinato em série.
— Ah, e eu como um assassino em série, posso entender a mente do assassino que está perseguindo? — Gargalhei. — Vocês são patéticos. É uma pena, eu estava começando a gostar de você.
— Quando cometeu seus crimes, você escolheu métodos bem inovadores para satisfazer seus desejos mais sujos, Sr. Louic.
— O que um detetive patético como você entende de métodos sujos?
— Eu os estudo.
— E pelo visto, está precisando voltar para a escola!
— Estudei bastante o seu caso.
— Não me faça rir! — Joguei o cigarro sobre ele, mas o detetive apenas desviou o corpo.
— Desperdício. — O cigarro caiu no chão e ele seguiu o objeto com o olhar.
— É só um cigarro.
— Estou falando de você. — Ele riu. Soou como um deboche e aquilo me irritou profundamente na pele, como um verme rastejando dentro de mim. — Você tem potencial, é criativo, poderia ter ido tão longe com sua carreira, mas ficou descuidado. Prepotente.
— Cale a boca.
— A polícia não desconfiou de você e não teria motivo para te prender. Mas você cometeu um erro e sente vergonha disso. — Enquanto suas palavras rolaram cruéis eu balancei as mãos. — Pergunto-me sempre o quanto você teria ido adiante, passaria incógnito, se tivesse tido a inteligência de estudar medicina. Você pegou um caminho de amador, Simon.
— Cale-se! Você não sabe de nada! De nada!
— Você foi condenado à quase oitocentos anos de prisão, uma sentença atrás da outra, por agir de forma passional, como está agindo agora. Falta em você o que grandes assassinos possuem: frieza e racionalidade.
— Não me compare. Não me compare! — Gritei como um animal feroz, rugindo. O barulho ecoou.
— Era o que eu estava falando.
— Saia daqui. Não vou falar mais com você. Guardas! Guardas! Levem-me para minha cela, agora ou vou desmembrar esse imbecil! — Fiquei lutando contra as algemas, a pele do pulso feriu e por mais que eu sentisse dor, queria sair dali.
Remy não se moveu, nem guardou as fotos. A sessão não foi encerrada e ele ficou me encarando como um professor diante de uma criança mimada. Seu olhar azul me condenava, oprimia e eu estava odiando aquilo. Não me recordo de alguma vez ter sentido isso antes, nem mesmo meus pais, talvez a minha religiosa e odiável avó. Talvez.
— Tudo bem, foi insensível da minha parte e peço sinceras desculpas. — Remy recuou, o que me fez parar de balançar os braços.
— Não me ofenda, seu desgraçado.
— Não estou aqui apontando erros. Tenho bastante admiração pelo seu método de trabalho, fiz minha tese de doutorado em cima do seu caso.
— Doutorado? — Desacreditei de suas palavras. — E você tem idade para isso? Nem saiu das fraldas!
— Eu disse a você que não era incompetente. — Retrucou.
Fiquei sem saber o que dizer. Resmunguei, ajeitei o braço. Apontei com o queixo para o maço de cigarros ainda em cima da mesa.
— Quero mais um cigarro.
— Você vê, Sr. Louic? — Ele se inclinou para frente, pegou o maço e bateu, fazendo um cigarro subir. — Preciso de você, mas você também precisa de mim. O melhor para nós dois é agir de forma colaborativa.
— E qual a sua proposta? — Perguntei.
Remy colocou o cigarro na minha boca, seus olhos intensos ficaram em cima de mim de um jeito constrangedor, era quase como se ele pudesse ler minha alma. Porém, ele não poderia. Ninguém conseguiria olhar tão fundo para dentro de mim. E por isso, eu gostava dele.
— Nitidamente preciso de auxílio na resolução desse caso, ou nem estaria aqui. — Ele acendeu o isqueiro, a chama esquentou minhas bochechas. Aproximei o cigarro, queimando a ponta. — O assassino ou assassina que persigo é extremamente irrastreável. Só vi esse tipo de precisão uma vez. No seu caso.
— Estou preso. — Lembrei-o do óbvio. Queria testá-lo. Afastei-me, tragando o cigarro e joguei a fumaça para cima do detetive.
— Cometeu um erro que não teve a ver com os crimes. Foi preso, é verdade, mas foi por acaso, eu nem chamaria de descuido. Você é muito superior a esse criminoso.
— Está me deixando envaidecido, Remy. Se precisa tanto de mim, é bom que a proposta seja muito boa.
— Ela é.
— Convença-me.
Ele recuou de novo, desconfortável diante de mim. Acho que para ele, um cara que passou meses estudando meu arquivo, deve ser frustrante ficar diante de tão brutal assassino, como a mídia me chamou, e constatar que eu sou um cara normal. Não tenho doenças psicopatas como ele disse, apenas possuo um forte desejo de matar… E todas as vezes que matei, foi por amor.
— Se você puder olhar os arquivos… — Apontou com o olhar para as fotografias na mesa. — E provar a quem está nos assistindo que é mesmo tão inteligente e intuitivo quanto eu disse que você era… — Seus olhos foram para a câmera na sala, acima de mim. — Então nem precisará usar algemas.
— Tire-as de mim agora, então se confia tanto na minha integridade. — Desafiei.
Remy hesitou, inspirando entrecortado e exalando pela boca. Eu sabia! Ele não podia cumprir com nenhuma promessa que me fez. Eu ia mandá-lo embora, quando ele colocou as mãos no bolso, pegou a chave das algemas e colocou na fechadura. Não acreditei quando ele soltou as algemas de mim. Era um gesto amador até mesmo para um policial como ele. Eu era maior, mais forte. O tédio da prisão me fez desenvolver muitos mais músculos. E ele, por outro lado, era menor e magro, não parecia ter forças contra mim. Claro que ele não tinha cometido um grande erro. Aquela era uma prisão de segurança máxima, eu não iria longe mesmo que apontasse sua própria pistola em sua têmpora. Além do mais, algo me dizia que ele era respeitado, se conseguiu uma reunião comigo no meio da madrugada. E seu superior veio supervisioná-lo. Era sério. Eu poderia tirar vantagens disso. E não preciso lembrar vocês de que eu não procuraria uma vítima, afinal, a minha próxima vítima já estava diante de mim e todos sabiam disso.
Remy tinha me colocado em uma armadilha, saboreando cada aspecto. Até a forma com que ele se mexia era atrativo para mim, mas eu queria desmontar sua máscara, olhar para o homem de verdade, o jovem policial que era um detetive com doutorado no meu caso.
— Vai olhar as fotografias agora, Sr. Louic? — Cobrou.
— O que você quer de mim, Sr. Bergeron?
— Respostas que não consigo encontrar. Em troca, te dou liberdade.
— Não é liberdade que eu quero, mas podemos começar com isso. — Sorri.
Ele empurrou uma das fotos na minha direção.
Estiquei o corpo, olhei a fotografia e peguei na mão. A mulher estava em cima de uma cama e tinha a barriga dilacerada. Ela estava nua, com a calcinha arriada nos joelhos e havia alguma coisa enfiada em sua vagina, grande o suficiente para causar um estrago e pequena demais para eu reconhecer o objeto.— Que tipo de jogo bizarro o assassino estava fazendo? — Perguntei sem querer. Lembra o que eu disse antes sobre não me impressionar? Aquilo me impressionava. O cenário era sujo demais para que ele não tivesse deixado marcas, pistas, qualquer coisa.— Eu pensei que era um jogo também. — A voz de Remy chamou atenção. Ele mordiscou os lábios pensativo, com a mão no queixo. — O que você acha que é o objeto?— Alguma coisa ofensiva. Religiosa. Não me surpreenderá que a mulher seja
Acordei com a luz batendo pela janela. Não sou uma pessoa diurna e a noite, tenho insônia demais para conseguir dormir. Os pensamentos correm de um lado para o outro trazendo memórias que preciso esquecer. Além disso, uma cama vazia na qual eu me deito sozinho é meu verdadeiro inferno.Difícil conter os impulsos de me render aos desejos mais sombrios. Eu faria tudo para ter alguém do meu lado, se possível, para sempre. E acho que você já sabe que não costumo perseguir essa meta do jeito convencional.A luz corre pelo quarto, iluminando partes do teto e da parede com um papel decorativo marrom e marfim ridículo. Sento na cama, usando um shorts que mal contém minha ereção. Um dos motivos por eu preferir dormir pelado é esse. Enfio a mão dentro do shorts e seguro meu pênis duro, ele está
As luzes vermelhas piscavam. Ficamos até tarde na cena do crime, observando os peritos fotografarem pela segunda vez o local e documentar os novos achados. Remy reclamou a plenos pulmões que esse tipo de erro não podia acontecer e eu vi os homens ficarem encolhidos como se fosse a pior coisa do mundo levar um sermão dele.A clareza foi súbita. O que eu sabia de Remy Bergeron senão as migalhas de pistas que ele me deu? Fiquei saboreando seu comportamento, o interesse na cena e como seu cérebro funcionava. Remy precisou se encostar em um carro policial e sacar o celular, onde anotou todas as coisas. Eu acendi um cigarro, mantendo-me ao lado de Victor que não se importava em ficar comigo, mas meus olhos estavam nele, em Remy, como se o desgraçado fosse um ímã magnético.— Esse detetive que está cuidando do caso é mesmo bom
Segurei o pacote de gel congelado e coloquei sobre o rosto, na parte superior da bochecha esquerda, onde Dylan me acertou com seu punho pesado. Não estava doendo tanto assim, mas fiz um som de desconforto para chamar atenção.— Desculpe. — Remy disse, fechando a porta da saleta atrás de si.Não vou entrar nos detalhes de como foi caminhar para dentro da delegacia e ser recebido com olhares desconfiados dos outros guardas. Conferiram minha tornozeleira, recarregaram as pilhas e agora eu estava sentado em uma cadeira de plástico barato e sem conforto em uma saleta cheia de papéis. Era em Brume Peak, então eu sabia que não era o ambiente de trabalho de Remy, porém, uma foto dele em um barco de pesca com Dylan Vasseur estava me olhando. Odiava seu sorriso, o peixe grande e o braço pelos ombros do meu Remy.
Deitei na cama ao lado de Remy. Coloquei sua cabeça sobre meu ombro e sua mão no meu peito. Fiquei um tempo apenas curtindo sua presença do meu lado, seu corpo quente, a respiração calma e sua mão, tão morna, debaixo da minha.— Você sabe que é perfeito? Encaixa-se no meu braço como se tivesse sido feito para mim. — Deslizei a mão pela nuca, dei um beijo na lateral de seus lábios — Hm, gostoso isso. — Sofreguei. — Mal posso esperar para poder beijar você.Deslizei o rosto com o dele fazendo um carinho e com a outra mão, deslizei por sua nuca, enroscando os fios macios de seus cabelos nos meus dedos. Ele tentou balbuciar algo, mas estava muito dopado, até mais do que eu gostaria que ele estivesse. Dei um tempo para ele se acostumar com o remédio e perdi um precioso tempo apena
O avançado estado de decomposição da vítima atrapalhava os peritos mais dedicados. A polícia tinha pouca informação para trabalhar nos casos.A primeira vítima era uma mulher por volta dos trinta anos, acima do peso, uma prostituta que foi rapidamente identificada pelas digitais. Já tinha passagem pela polícia por uma discussão envolvendo dois outros homens, aparentemente seus clientes, que não quiseram pagar por seus serviços. Ela se chamava Katia Genet, não tinha filhos e morava em uma pensão na qual alugava um quarto na parte mais pobre da cidade de Brume Peak, ao lado de um rio fedorento, um esgoto a céu aberto. Os vizinhos e outros moradores relataram em depoimento que Katia Genet vivia sem excentricidades, mas que tinha um histórico de relacionamentos abusivos e portanto, aparecia com marcas pelo corpo e olhos roxos. Seu
O telefone tocou de madrugada. A voz de Remy parecia seca quando ordenou que eu me trocasse e encontrasse com ele em quinze minutos. Vesti roupas em tempo recorde: calça de inverno, casaco e jaqueta de couro. Nem penteei os cabelos cacheados. Espiei as janelas. A madrugada seguia escura e com uma densa névoa. Abri a porta, peguei o elevador sozinho.Onde estavam os guardas? Nem mesmo Victor havia aparecido essa noite e tudo bem, eu imaginava que Remy os dispensou para ficar sozinho comigo, mas agora parecia muito suspeito que não viessem me escoltar. Encontrei com Remy no exato local indicado. Ele estava de sobretudo de lã, suéter cinza claro de gola rolê, levemente apertado no pescoço como eu gostaria de por minhas mãos e calça jeans escuras, calçando botas de inverno.— Oi amor.Nem me olhou.—
Empurrei a porta da cafeteria e o aroma logo me invadiu. Olhei para Remy que esfregava os olhos cansado enquanto se dirigia para a fila. Fiquei bem atrás dele, mas não tive humor para conversar. Eu estava com aquela sensação ruim atrás da nuca desde que saímos das margens do rio e cá entre nós, não tínhamos andado para muito longe. A cafeteria ficava em um posto situado alguns metros do local e estava, naquela manhã, cheia de policiais, o que captou a atenção dos moradores do bairro mais nobre.Parece ridículo pensar que entrei na cadeia e saí para encontrar uma Brume Peak totalmente diferente daquela que eu conhecia e que transformei no meu parque de diversões. O rio sempre dividiu a cidade em duas áreas, uma mais pobre e uma mais nobre, mas não dessa forma. Agora os mais ricos que andavam de carros importados, moravam