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2.1 - Nova por aqui?

Depois que Ana saiu, decidi que precisava deixar o quarto com um pouco mais da minha cara. Comecei a organizar minhas coisas com calma: dobrei as roupas e acomodei nas gavetas, pendurei algumas peças no pequeno armário de madeira clara e coloquei meu nécessaire no banheiro. Tirei um pequeno porta-retratos da mala, com uma foto antiga de mim, Sofia e Leandro em uma viagem, e deixei sobre a mesinha de cabeceira. Ver aquele sorriso congelado no tempo me deu uma pontada no peito, mas também me trouxe um conforto estranho. Era uma lembrança de que eu não estava completamente sozinha no mundo.

Depois de arrumar tudo, fui até o banheiro e tomei um banho demorado. A água quente relaxava meus músculos depois das muitas horas de estrada. Quando saí, vesti uma calça jeans escura, uma blusa de manga azul clara e prendi o cabelo em um coque baixo. Nada demais, mas o suficiente para me sentir mais... eu mesma.

Resolvi explorar um pouco o espaço dos funcionários, como Ana havia sugerido. Os corredores ali eram mais discretos, com menos decoração, mais práticos e funcionais. Um contraste com as áreas comuns, que pareciam preparadas para acolher memórias.

Foi quando vi um homem alto, de pele morena e cabelos raspados, encostado em uma das paredes ao lado de uma porta lateral. Vestia o uniforme da segurança e mexia no celular com uma expressão de tédio. Assim que me aproximei, ele levantou os olhos e abriu um sorriso simpático.

— Nova por aqui? — ele perguntou, erguendo uma sobrancelha.

— Sou sim. Cheguei hoje — respondi, parando ao lado dele. — Marina.

— Ricardo — ele apertou minha mão com firmeza. — Sou o segurança do asilo. Cuido da portaria, das câmeras e, às vezes, espanto uns gambás que gostam de visitar o jardim à noite.

Soltei uma risada curta, já gostando do jeito leve dele.

— Bom saber que temos alguém para proteger a gente até dos gambás.

— Pois é — ele deu um meio sorriso. — E você, vai trabalhar na enfermagem?

— Vou. Começo amanhã. Hoje é só reconhecimento mesmo.

— Boa sorte — ele disse, simpático.

Houve um pequeno silêncio confortável entre nós. Então, decidi perguntar:

— E o dono daqui? Ou o chefe? Como ele é?

Ricardo olhou em volta antes de responder. Seu sorriso diminuiu um pouco, mas o tom ainda era amigável.

— O senhor Ramires? Ele é... reservado. Quase não aparece durante o dia. Tem os próprios horários, bem imprevisíveis, mas cuida de tudo com bastante rigor. Às vezes, parece até que ele sente o que está acontecendo sem precisar estar presente.

— Misterioso assim?

— Você vai ver por si mesma. Muita gente aqui prefere não se meter muito. Mas ele mantém tudo funcionando — ele deu de ombros. — E até hoje, ninguém teve do que reclamar.

Fiquei em silêncio por um momento, digerindo aquelas palavras. Não sabia o que esperava encontrar ali, mas a ideia de ter um chefe misterioso não estava exatamente nos meus planos. Ainda assim, aquilo apenas aumentava a curiosidade que eu já sentia desde o instante em que entrei no asilo.

— Bom — sorri, tentando manter o tom leve — espero não causar nenhum problema, então.

— Só não invada o escritório dele sem bater — Ricardo piscou, rindo. — O resto você tira de letra.

— E como você conseguiu esse emprego aqui? — Ricardo perguntou, com um tom genuinamente curioso.

— Na verdade, foi meio inesperado — respondi, encostando levemente na parede ao lado dele. — Eu recebi um e-mail sobre a vaga. Dizia que o asilo estava buscando alguém com meu perfil. Achei estranho, porque eu nem estava procurando ativamente... mas aceitei. Acho que o cansaço da cidade acabou me convencendo.

— E como eles conseguiram seu contato? — ele franziu levemente a testa.

— Imagino que tenham acesso ao meu registro profissional. Tenho formação em enfermagem, e mesmo depois de ter me afastado por um tempo, meu nome ainda deve constar nos bancos de dados de conselhos, clínicas… sei lá. Talvez tenha sido sorte.

— Ou destino — ele disse, com um sorriso curioso.

— Ou isso — sorri de volta, mas algo dentro de mim se revirou. Aquela palavra sempre me deixava desconfortável. Destino implicava que havia um caminho certo, traçado, e ultimamente minha vida parecia mais uma estrada esburacada e confusa.

— Bom, se foi sorte ou destino, você veio parar num lugar... peculiar — ele disse, olhando para o final do corredor, como se visse algo que eu não conseguia enxergar. — Mas é tranquilo, na maior parte do tempo. Só... esteja preparada. Nem tudo aqui é o que parece.

— Como assim?

— Ah, você vai ver — ele piscou, voltando a sorrir. — Nada demais. Só aquele ar de mistério que ronda todo lugar antigo.

Ricardo então se despediu com um aceno casual e seguiu seu caminho pelos corredores. Eu fiquei ali por alguns segundos, absorvendo aquelas palavras. Peculiar. Misterioso. Um lugar tranquilo… mas com segredos.

Olhei ao redor, sentindo o ar um pouco mais denso, como se o asilo estivesse guardando histórias entre suas paredes antigas. E, de repente, percebi: alguma parte de mim não estava apenas ali para recomeçar — estava ali para descobrir. Mesmo sem saber o quê exatamente.

Com a conversa ainda fresca na mente, deixei a ala dos funcionários para trás e comecei a caminhar lentamente pelos corredores principais do asilo. A iluminação era suave, amarelada, vinda de abajures de parede e luminárias baixas que lançavam sombras alongadas no chão de madeira polida. O silêncio ali era quase absoluto, interrompido apenas pelo som distante de uma televisão e o ocasional rangido de móveis antigos.

As paredes eram decoradas com quadros emoldurados — pinturas de flores, retratos antigos, paisagens em tons pastel. Havia algo nostálgico em cada detalhe, como se tudo ali tivesse sido pensado para evocar lembranças adormecidas.

Ao dobrar um corredor, avistei uma sala de estar ampla, com poltronas estofadas em tecidos florais, mesinhas de centro com revistas organizadas em pilhas pequenas, e uma lareira desativada, mas cercada por livros e xales dobrados com cuidado. Um rádio antigo tocava uma música instrumental suave, preenchendo o espaço com uma melodia acolhedora.

Continuei andando, sentindo que o ambiente parecia me convidar a desacelerar. Cada cômodo tinha sua própria alma — uma essência sutil, quase imperceptível, mas que vibrava no ar como um eco antigo. Passei por uma pequena biblioteca com estantes abarrotadas de livros de capa dura, muitos já amarelados pelo tempo. Um relógio de pêndulo marcava as horas com um tic-tac ritmado e constante, como o batimento cardíaco da casa.

Segui adiante até chegar a um corredor com portas numeradas, provavelmente os quartos dos residentes. Evitei fazer barulho, respeitando o descanso de quem já estivesse dormindo. Havia também uma pequena capela com bancos de madeira e um vitral colorido, onde a luz da lua filtrava em tons suaves de azul e púrpura. Senti uma calma diferente ali dentro, quase solene, e parei por alguns segundos para respirar.

Em seguida, cheguei a uma das saídas laterais que levava ao jardim dos fundos. O vidro da porta revelava o pátio iluminado por postes baixos e lâmpadas amareladas, com bancos de ferro e canteiros bem cuidados. As árvores balançavam suavemente, e o som dos grilos tomava conta do ar fresco da noite.

Ainda não tinha conhecido nenhum residente, nem o restante da equipe. Mas mesmo sem rostos, o asilo já parecia ter histórias me observando pelas frestas. E eu... eu queria escutar cada uma delas.

Dei um último olhar ao jardim e voltei para dentro. Amanhã o trabalho começaria de verdade. Mas, por ora, eu era apenas uma visitante, vagando entre lembranças de outras vidas.

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