A viagem até o asilo foi longa e cansativa, mas finalmente, ao chegar, uma sensação de alívio tomou conta de mim. O lugar era mais isolado do que eu imaginava. Ao longe, uma grande casa de dois andares, com jardins bem cuidados, parecia um refúgio tranquilo, algo que eu, até então, não tinha certeza de que merecia.
O prédio em si tinha uma fachada antiga, com janelas grandes e cortinas de renda que balançavam suavemente com o vento. Havia uma aura de seriedade, mas também um certo charme desgastado, como se o tempo tivesse feito do asilo não só um abrigo para os idosos, mas também uma cápsula de memórias. Quando o carro parou em frente ao portão, pude sentir o cheiro da terra molhada, o que me fez relaxar um pouco. Um lugar silencioso, longe do barulho da cidade. Talvez fosse o começo de algo que eu precisava — um espaço onde pudesse, ao menos por um tempo, esquecer o caos.
Fui recebida logo de cara por Ana, a enfermeira do local. Ela estava de uniforme azul, com o cabelo preso em um coque discreto e um sorriso acolhedor no rosto. Sua presença era reconfortante, e pude perceber logo de início que ela era alguém que sabia como lidar com os idosos, como entender o que cada um precisava. Ana tinha aproximadamente 45 anos, uma mulher de aparência forte, mas com um olhar que mostrava a experiência e a sensibilidade de quem já havia vivido muito. Ela tinha os olhos atentos, como se nada passasse despercebido para ela.
— Bem-vinda, Marina — ela disse com um sorriso acolhedor, enquanto se aproximava para me cumprimentar. — Fico feliz que tenha escolhido nosso asilo. Sei que vai ser um novo começo para você também.
Eu sorri de volta, tentando esconder a ansiedade. A última coisa que eu queria era que ela percebesse o quanto eu ainda estava nervosa.
— Obrigada, Ana. Eu... realmente precisava desse tempo. — Minha voz era baixa, mas sincera. — Estou pronta para começar.
Ana assentiu, como se entendesse mais do que eu dizia. Ela me guiou para o interior do asilo, passando por corredores amplos, com tapetes de tecido suave que abafavam o som dos nossos passos. O ambiente era acolhedor, com quadros na parede e alguns móveis antigos, mas bem cuidados, que traziam um ar de nostalgia. O cheiro de remédios e limpeza estava presente no ar, mas não era desconfortável. Ao contrário, tinha algo de acolhedor, de lugar que parecia ser mais do que apenas uma instituição para os idosos. Era um lar.
Ana me levou até a garagem, um espaço grande e bem organizado, onde as caixas e malas que eu havia trazido seriam deixadas. Ela me ajudou a descarregar tudo do carro e a organizar as coisas, falando enquanto trabalhava. A simpatia de Ana era contagiante, e logo eu já me sentia à vontade para conversar com ela sobre qualquer coisa.
— Eu vou te ajudar a guardar suas coisas no quarto — ela disse, apontando para um corredor. — O quarto que será seu é no final do corredor. Tem uma vista maravilhosa do jardim, vai ver como é tranquilo.
Eu a segui até o quarto, que era pequeno, mas agradável. As paredes eram de um tom suave de creme, e uma janela grande deixava entrar uma luz natural que aquecia o ambiente. O quarto tinha um toque pessoal, mas ao mesmo tempo impessoal, como se fosse um espaço compartilhado, preparado para ser acolhedor sem perder a funcionalidade. Uma cama simples, mas confortável, ocupava o centro do ambiente, e ao lado dela havia uma mesinha de cabeceira com uma lâmpada de luz quente. O armário estava vazio, esperando para ser preenchido com minhas coisas.
— Aqui está perfeito, Ana. — Falei, olhando ao redor. — Obrigada por tudo.
— Imagina, Marina. Fico feliz que tenha gostado. Vai se sentir em casa em pouco tempo — Ana disse, enquanto me ajudava a tirar algumas roupas da mala e a organizar na gaveta do armário. — Agora, se quiser, podemos dar uma olhada no restante do asilo, para você se familiarizar.
Eu acenei com a cabeça, já começando a me acostumar com o ambiente. Tudo era mais calmo do que eu esperava. Era o tipo de lugar onde eu poderia, quem sabe, descobrir algo sobre mim mesma.
Depois de deixar tudo organizado no quarto, Ana me guiou pelos outros espaços do asilo. Cada sala era equipada com cadeiras confortáveis, livros, e jogos que pareciam ter sido escolhidos com carinho para os idosos. O ambiente tinha aquele toque simples, porém elegante, que transmitia uma sensação de segurança, e ao mesmo tempo, de calma.
Em alguns momentos, Ana parava para me explicar a rotina, a forma como tudo funcionava, e os cuidados que os funcionários tinham com os residentes. Eu ouvia atentamente, absorvendo cada detalhe. Parecia o lugar certo para começar minha jornada, mas ainda havia muito em mim que precisava ser entendido. E eu sabia que ali, no meio daquele mistério, havia mais do que apenas uma nova vida à minha frente.
Ana me conduziu de volta para o corredor principal, onde paramos diante da porta do meu quarto. Ela me sorriu gentilmente antes de continuar a explicar sobre o funcionamento do asilo e sobre as tarefas que seriam minha responsabilidade.
— Bom, Marina, vamos começar com o básico. A rotina aqui é bem estruturada. O café da manhã é servido às 7h, seguido do almoço às 12h e o jantar às 19h. Durante o dia, temos várias atividades programadas para os residentes — Ana explicou, fazendo um gesto em direção à sala de atividades, onde alguns idosos estavam jogando cartas e conversando. — Temos desde sessões de fisioterapia, até tardes de leitura e artesanato.
Ela parou um momento, como se quisesse ter certeza de que estava me transmitindo todas as informações essenciais.
— Eu sou responsável pela supervisão das atividades, pelos cuidados diários com os residentes, e também pela administração de medicamentos e tratamento, sempre seguindo a orientação médica. Vou estar por perto o tempo todo para ajudar no que for preciso — Ana disse, com uma voz que carregava segurança, mas também um toque de empatia. — Hoje, como é seu primeiro dia, não precisa se preocupar com nada além de se instalar e explorar um pouco o lugar. A rotina vai começar amanhã. E como você é nova aqui, seu uniforme será branco por enquanto. Depois, conforme for se adaptando, vamos passar para o azul, o uniforme padrão para os funcionários.
Ela me olhou de cima a baixo, como se estivesse verificando se eu estava confortável, e fez uma pequena pausa antes de continuar.
— Agora, o melhor que você pode fazer é descansar um pouco e aproveitar o tempo para se familiarizar com o local. Se quiser, amanhã podemos conversar mais sobre os detalhes das tarefas. Mas hoje é o seu dia, Marina. Explore o lugar, conheça os outros funcionários e, se sentir vontade, pode até dar uma volta pelo jardim. O dia está calmo, e ninguém vai te apressar.
Eu assenti, sentindo uma sensação reconfortante ao perceber que Ana estava me dando a liberdade de me adaptar no meu próprio ritmo. O clima no asilo parecia mais amigável do que eu imaginava, e isso me deixava um pouco mais à vontade.
— Obrigada, Ana. Isso significa muito para mim — respondi sinceramente, sentindo um peso leve se dissipando dos meus ombros.
Ela sorriu novamente, mais suavemente desta vez, e colocou a mão sobre meu ombro em um gesto amigável.
— Não se preocupe, Marina. Aqui, você vai se sentir bem. Só se permita dar esse tempo para si mesma.
Com essas palavras, ela se despediu e saiu do quarto, deixando-me sozinha para explorar o ambiente.
Depois que Ana saiu, decidi que precisava deixar o quarto com um pouco mais da minha cara. Comecei a organizar minhas coisas com calma: dobrei as roupas e acomodei nas gavetas, pendurei algumas peças no pequeno armário de madeira clara e coloquei meu nécessaire no banheiro. Tirei um pequeno porta-retratos da mala, com uma foto antiga de mim, Sofia e Leandro em uma viagem, e deixei sobre a mesinha de cabeceira. Ver aquele sorriso congelado no tempo me deu uma pontada no peito, mas também me trouxe um conforto estranho. Era uma lembrança de que eu não estava completamente sozinha no mundo.Depois de arrumar tudo, fui até o banheiro e tomei um banho demorado. A água quente relaxava meus músculos depois das muitas horas de estrada. Quando saí, vesti uma calça jeans escura, uma blusa de manga azul clara e prendi o cabelo em um coque baixo. Nada demais, mas o suficiente para me sentir mais... eu mesma.Resolvi explorar um pouco o espaço dos funcionários, como Ana havia sugerido. Os corredor
O tempo passou rápido. O céu do lado de fora já estava completamente escuro quando escutei duas batidas leves na porta do meu quarto.— Marina? — era a voz de Ana, do outro lado.Abri a porta e a encontrei com a expressão calma de sempre, mas havia um certo peso no olhar, como se ela tivesse algo importante para dizer.— Boa noite — disse ela com um sorriso leve. — Espero que esteja se adaptando bem. Ricardo me disse que te conheceu, ele gostou de você!— Estou, sim. Dei uma volta pelo asilo. O lugar é lindo. Eu também gostei bastante do Ricardo. — sorri, sincera.Ana assentiu com um pequeno movimento de cabeça.— Fico feliz. Mas agora... — ela respirou fundo, voltando a me encarar. — O senhor Ramires quer falar com você. Ele pediu para que eu a levasse até o escritório dele.Fiquei surpresa com o convite repentino. Meu corpo se enrijeceu por instinto, embora eu não soubesse exatamente o motivo. Talvez fosse o mistério em torno desse homem que ninguém parecia conhecer muito bem, ou a
— Sente-se — disse, enfim, sua voz grave, firme, aveludada com um certo arranhado que parecia natural.Minha postura se encolheu um pouco. Por mais que eu estivesse arrumada, limpa, apresentável, uma insegurança surgiu do nada. Me senti feia. Não sabia por quê. Talvez fosse o contraste entre sua imponência e o modo como ele me avaliava, como se... algo estivesse fora do lugar.— Obrigado por vir — ele disse, por fim, cruzando os braços. — Pedi que viesse esta noite porque queria conhecê-la pessoalmente antes do início do trabalho.Tentei encontrar minha voz.— Claro. Ana me explicou que eu começo amanhã. Estou pronta.Ele assentiu com lentidão, como se cada gesto dele fosse calculado.— Sei do seu histórico, sua formação, seu registro como enfermeira. Mas quero deixar claro que este asilo funciona de maneira diferente. Tudo aqui é mantido com muita ordem. E essa ordem é... inegociável.Sua voz era baixa, mas havia uma firmeza fria em suas palavras.— Entendo — respondi, tentando não d
MarinaTem gente que começa uma nova vida com um recomeço bonito. Eu comecei com cinco caixas de papelão amassadas e duas malas quase explodindo.— Essa aqui fecha se eu sentar em cima, né? — resmunguei, empurrando com o joelho a tampa da caixa onde enfiei metade da minha vida. A outra metade tava espalhada entre roupas que não me serviam mais, livros que eu jurava reler um dia e um monte de cacareco sentimental que eu não tive coragem de jogar fora.Meu apartamento cheirava a café velho e desespero. A luz da manhã entrava pela persiana torta e iluminava o caos que era minha sala-cozinha-quarto — tudo junto, tudo apertadinho. E mesmo assim, era difícil dizer adeus.A campainha tocou. Claro que era ela. Só podia ser.— Já vai! — gritei, amarrando o cabelo num coque frouxo.Gabriela entrou antes mesmo que eu abrisse tudo. Irmã mais nova, cara de certinha, mas com aquele olhar que me julgava até quando eu respirava.— Você tem certeza disso, Marina? Sair assim... largar tudo pra trabalha
Com a ajuda da Gabi — e de muitas reclamações dela, claro — consegui enfiar todas as minhas cinco caixas e as duas malas no porta-malas do meu carro. A cada item que ela empurrava, fazia uma careta como se estivesse carregando pedras.— Isso aqui tá mais pesado que minha consciência depois de comer brigadeiro escondido — ela resmungou, tentando encaixar a última caixa.— Cuidado com essa, Gabi — avisei. — Tem livros de romance e meu vibrador. Ambos sagrados.Ela revirou os olhos, mas deu uma risada. Aquele som me lembrava que, apesar de tudo, ainda tínhamos algum tipo de normalidade.Entramos no carro e, no instante em que nos afastamos da rua, senti aquele nó no estômago. Não era o fim da minha vida, mas parecia o começo de algo que me faria repensar todas as minhas escolhas. O caminho até a casa dos nossos pais era curto, mas o peso dele parecia me engolir a cada quilômetro.— Vai contar agora? — Gabi perguntou, olhando para mim enquanto dirigia, seu tom mais sério do que o habitua
Quando chegou o momento de me despedir, o ar na casa ficou pesado. Meu pai, que sempre foi o mais calmo, estava parado na porta da sala, com os olhos marejados, mas sem coragem de se aproximar. Minha mãe, Helena, estava ao meu lado, com as mãos trêmulas e a expressão fechada, como se estivesse se esforçando para engolir algo muito amargo.— Então você vai mesmo? — Ela perguntou, a voz baixa, mas carregada de incredulidade. — Vai deixar tudo pra trás assim? Você tem certeza disso?Eu olhei para ela, sem saber o que responder. Já tinha me preparado para essa pergunta, mas ainda assim era difícil lidar com a maneira como ela me olhava. Como se estivesse se perguntando onde tinha falhado. A verdade era que ela não conseguia entender, e talvez nunca fosse entender.— Eu não estou fugindo, mãe — a minha voz falhou por um instante, mas eu me segurei. — Eu só... preciso de algo diferente. De um novo começo. Não consigo mais viver aqui. Não depois do que aconteceu.Ela me olhou com os olhos ch
Depois de mais de dez horas de viagem, o cansaço começou a pesar. A estrada estava vazia, cortando a escuridão da noite. O farol do carro iluminava as linhas intermináveis da pista, e o único som era o ronco do motor e o som monótono da borracha deslizando sobre o asfalto.Meu corpo estava exausto, mas minha mente ainda estava acelerada. Eu tentava não pensar, não sentir, apenas seguir em frente. Mas não importava quanto tempo passasse, as imagens do que eu deixava para trás ainda estavam nítidas na minha cabeça. A voz de minha mãe, cheia de incredulidade. O olhar de meu pai, cheio de preocupação. E Gabi, com aquele abraço apertado, tentando me manter ali, mesmo sabendo que não podia.Eu olhei para o relógio do carro. Já era tarde, bem tarde. Mais de dez horas de estrada, e ainda faltavam pelo menos sete para chegar ao meu destino final. Eu sabia que não ia conseguir continuar dirigindo por tanto tempo sem parar, sem cair de sono.Foi quando vi um pequeno letreiro à beira da estrada,