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Se eu ficar?
Se eu ficar?
Por: Jessica_silva_vbjb
CP-01 Volta pra casa

Após todos esses anos fora, me ver na estrada voltando para casa é estranho; e ainda mais nessas condições. Me acostumei com a cidade grande; gosto do movimento, de ver pessoas correndo para lá e para cá, e se quero virar a noite, sempre tem algum lugar aberto para me distrair e esquecer da dor.

Foi o que fiz nos últimos dias.

Virar a noite em balada e só voltar para casa quando o sol está para nascer. De tanto meus amigos me aconselharem e tentarem abrir meus olhos que isso estava me fazendo mal, decidi tirar um tempo longe de tudo. 

Agora a fazenda parece o melhor lugar para me refugiar por um tempo. Ainda não decidi se vou ficar um mês ou dois — tudo dependerá de como as coisas vão correr por lá. Espero que meus pais não fiquem no meu pé querendo saber o real motivo que me fez voltar. Quero esquecer tudo o que passou. Mesmo com o coração em pedaços, vou tentar seguir em frente. Sei que não será fácil, mas quero ao menos tentar. Se pudesse, apagava todas as lembranças da minha cabeça e recomeçaria do zero. 

Após quase quatro horas de voo de São Paulo a Rondônia e mais algum tempo de carro, enfim chego à cidade de Porto Velho, mas a fazenda dos meus pais fica bem afastada do centro da cidade. Isso é o que menos gosto. Terei de arrumar um carro para poder me locomover por aqui.  

O taxista tenta puxar assunto várias vezes, mas só respondo o básico. Não estou a fim de falar da minha vida a um estranho. Depois do que parece uma eternidade, vejo a entrada da fazenda. Na grande placa de madeira estava escrito “Fazenda Paraíso”. Lembro que foi minha mãe que escolheu esse nome, pois dizia que era assim que ela se sentia nesse local.  

Dá para perceber que foi reformada a pouco tempo. Meu pai havia falado há um tempo atrás, por telefone, que estava reformando várias coisas, pois estava entrando um bom dinheiro com os produtos feitos na fazenda, e principalmente com a venda de gado. Nunca me interessei por esses assuntos “rurais” como ele. Eu nasci para viver na cidade grande e já estou contando os minutos para voltar para ela. Eu cresci aqui, porém sinto que este não é o meu lugar. 

Assim que o carro para em frente a entrada da casa, que está ainda maior e mais bonita do que me lembrava — as paredes que antes eram azuis agora estão na cor creme, e ao lado da escada há lindas flores —, vejo minha mãe descendo as escadas correndo, com os braços abertos, e não consigo conter o sorriso. Seus cabelos estão quase brancos, evidenciando sua idade. Pago o taxista; ele me ajuda a colocar as malas no chão e vai embora. Minha mãe é a pessoa de quem mais senti falta. Mesmo distante e dificilmente entrando em contato, era nela que mais pensava.  

 

— Nem acredito que você está de volta, meu filho amado! — Ela me abraça forte. 

Só de sentir o cheiro da minha mãe, já me senti mais calmo. A saudade que estava era bem maior do que imaginei.  

— Oi, como você está? — Dou um beijo em sua cabeça, o que é fácil já que ela é bem menor que eu.   

 

— Estou melhor agora com você aqui! — Ela se afasta abruptamente e me encara com os olhos cerrados. — Como você pode ficar tanto tempo longe de casa? Nesses cinco anos só veio nos ver duas vezes... e nos primeiros anos. — Dá um tapa fraco no braço.

   

— Ai, mãe!! Eu também estava com muita saudade sua. — Um sorriso se forma em seu rosto e a puxo de volta para um abraço. 

 

Eu posso esta com raiva do resto do mundo, mas nunca iria maltratar meus pais. Eles sempre fizeram de tudo por mim. Sou muito grato a eles por tudo.  

— Você nem me avisou que ele já havia chegado! — Ouço a voz de pai. 

Nós dois nos separamos e nos viramos para ele. O mesmo sorriso que estava no rosto da minha mãe agora está estampado no dele. Meu pai é pouca coisa mais velho que minha mãe, mas os anos ao sol o fazem parecer bem mais velho do que na verdade é. 

— Eu fiquei esperando na varanda. Você não quis esperar comigo, então não reclame – minha mãe fala. 

 

Esses dois são assim, como cães e gatos, mas um não vive sem o outro. Acho que é isso que mantém o relacionamento deles. Um sempre provoca o outro, mas tudo sempre é na brincadeira. Em toda a minha vida, nunca vi os dois brigarem. 

— Até que enfim se lembrou dos pais.  — E me abraça forte, parecendo que vai quebrar meus ossos. 

— Vocês dois têm uma recepção tão calorosa — digo ironicamente. 

— Quem te avisou que Davi havia chegado? — minha mãe questiona. 

— Foi Camila. Ela viu um carro chegar e um rapaz sair dele com as malas, então deduziu que seria Davi — meu pai responde. 

— Quem é Camila? Não me lembro dela — questiono confuso. Os dois me olham.

— É a filha da Conceição! – Minha mãe fala como se fosse óbvio. 

 

— E quem é Conceição? – questiono mais confuso ainda. Os dois riem. 

 

— É a nova empregada que contratei pra ajudar sua mãe nos afazeres da casa. Está interessado em conhecê-la? – Meu pai balança as sobrancelhas sugestivamente. 

 

— Só fiquei curioso. Não estou interessado em me relacionar com ninguém. Estou muito bem sozinho e pretendo ficar assim — acaba saindo um pouco rude. 

— Se você diz! – Ele dá de ombros.   

— Mas ela é muito bonita, tenho certeza de que vocês ficariam muito lindo juntos. — Olho para a minha mãe e ela pisca. Meu pai ri.

 

— Mãe, estou aqui há menos de quinze minutos e você já está tentando me arranjar alguém? – Essa minha mãe é inacreditável. 

 

— Não custa tentar! Eu quero netos, Davi, muitos netos! – Só sei rir e balançar a cabeça em negação. – Agora vamos levar suas coisas até seu quarto. Lá você pode tomar um banho e se arrumar pro almoço.  

Meu pai me ajuda a levar as malas. Chegando no meu quarto, eles me deixam um pouco sozinho. Penso em começar a arrumar minhas coisas, mas depois fico com preguiça. Decido me deitar um pouco. Olho em volta e meu quarto está bem melhor que antes. Agora tem um guarda-roupa grande de seis portas, uma cama de casal com um colchão  macio e uma tv de tela fina não muito grande embutida na parede.  

Após um tempo decido me levantar e ir tomar banho. Minha barriga já está roncando. Essa viagem me deixou cansado e com fome, e nada melhor que a comida da minha mãe. Após o banho, vou até a cozinha, onde o cheiro está delicioso, o que me deixa ainda mais faminto. Minha barriga ronca alto nessa hora e me senti envergonhado. 

— Já estou terminando, filho. Se você quiser, tem um pãozinho caseiro aí em cima da mesa. – Ela aponta para a mesa, onde há algo coberto com um pano de prato branquinho.

— Obrigado! Vou pegar um pedaço – falo mais animado.

Me sento à mesa e corto um pedaço de pão. Assim que coloco na boca, mil lembranças passam pela minha cabeça. Todas as vezes que ela fazia pão para o café da manhã e para os cafés da tarde... Suas mãos eram mágicas. Tudo que ela fazia era delicioso. 

Escuto passos e vejo uma mulher de mais ou menos quarenta e cinco anos, morena e aparentemente simpática, entrar na cozinha. Logo minha atenção vai para moça que está bem atrás dela. Essa deve ser a tal Camila, e caramba, minha mãe tinha razão, que morena linda! 

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