Depois de uma viagem fatigante, Pilar finalmente chegou a fazenda Ruiz Gutierrez; para aquela que, seria por ela, a mais longa e desagradável estadia de toda a sua vida, e isso se confirmou no momento em que os Martinez a apresentaram para o casal Ruiz Gutierrez — pais de Cristina Martinez e Javier Ruiz Gutierrez.
A frieza com que eles a receberam já era esperada por ela e, diante daquela recepção nada calorosa, Pilar limitou-se a ficar no canto da sala em prontidão, a espera de que ela fosse conduzida para a área de serviço ou para um dos quartos do imenso casarão, que também servia como sede da vinícola principal. Diante do rosto apreensivo e da expressão cansada de Pilar, Cristina dirigiu-se a sua mãe e perguntou-lhe gentilmente.— Mãe, em que quarto a senhorita Sanchez ficará enquanto estiver hospedada aqui?— No último quarto do corredor, à esquerda. — Respondeu olhando detidamente para Pilar.— Tantos quartos nesta casa, por que a colocará tão distante de nós, mamãe? — Cristina a questionou surpresa.— Justamente por isso, querida! Javier a quer distante de nós. Esta moça, sem dúvidas, será uma péssima influência para Emma e o quanto mais distante a mantermos afastada dela, melhor. — A senhora Maria Angeles Gutierrez disse sem importar-se com a presença de Pilar no salão. Diante daquela resposta nada convencional, Cristina bradou consternada.— Não acredito que Javier teve a coragem de dizer-lhe uma coisa dessas! Se ele não estava disposto a acolhê-la na fazenda, por que então acatou o meu pedido?— Ele só aceitou acolhê-la porque infelizmente o teu filho está sendo gerado no útero dessa mercenária — Respondeu desgostosa e acrescentou. — Mas isso não significa que nós sejamos obrigados a querer a companhia dela.Sem dar a Cristina a chance de consternar, Pilar disse-lhe compreensiva.— Entendo a posição de sua mãe e de seu irmão por não querer-me circulando pela casa. Como estou aqui na qualidade de serviçal, gostaria de ficar nos aposentos dos empregados. — Observando o semblante contrariado de Cristina, pediu a seguir. — Se assim me permitir, senhora Martinez.Pablo, que até então acompanhava o diálogo sem se indispor, disse surpreso com o posicionamento dela. — Você não é nenhuma serviçal Pilar! — Sou sim, senhor Martinez. A partir do momento em que assinei o contrato com o senhor, tornei-me uma serviçal. — Respondeu consciente de sua posição. — Se o senhor e a sua esposa querem que eu tenha uma gravidez tranquila, o melhor mesmo é eu ficar na área dos empregados; pelo menos não vou sentir-me sozinha enquanto estiver vivendo aqui.O clima entre os membros da família Gutierrez e da família Martinez estava tenso e pouco propício para receber uma recém-grávida, que naquele momento estava deslocada e com os nervos à flor da pele, naquele ambiente sufocante e pouco convidativo, de modo que, mesmo a contragosto, Pablo e Cristina aceitaram os argumentos de Pilar e em seguida ela foi encaminhada para um dos quartos de empregados da família Gutierrez.Embora o quarto que estava ocupando fosse dos serviçais, o mesmo era bastante confortável e parecia ter calor humano, — talvez por ele ser o mais próximo da realidade dela, e isso a remetia a sensação de estar em sua própria casa.O olhar desolador de Cristina para Pilar era perceptível, e nessa hora ela tinha quase certeza de que a senhora Martinez estava arrependida de tê-la trazido para aquela fazenda; mesmo a propriedade sendo do irmão dela.Diante da desolação estampada nos traços delicados da senhora Martinez, Pilar disse sincera, para reconforta-la.— Não precisa preocupar-se, que eu e os seus filhos ficaremos bem... Acredite senhora, esse quarto é muito mais confortável do que o meu lá em Madrid.— Não é justo que você seja submetida a essa humilhação. — Cristina disse analisando o quarto a sua volta. — Pilar, tu estás carregando meu filho no seu ventre. — Eu sempre fui pobre dona Cristina. Nunca fui acostumada a ter muito, de modo que esse aposento está ótimo para mim. — Observou e acrescentou a seguir. — Estar neste quarto não é nenhuma humilhação para mim; humilhação mesmo é ser tratada como uma mercenária, mas dada as circunstâncias em que coloquei-me diante de sua família é aceitável que eles vejam-me como uma golpista.— Você não entendeu nada minha querida. Eu não queria que meu bebê se sentisse rejeitado por minha família. — Observou abalada e completou. — Não é apenas você que está sendo submetida a esta humilhação, mas ele também.— Só peço-lhe que confiei em mim. Mas do que ninguém eu quero ter uma gravidez tranquila e saudável. — Disse calmamente e prosseguiu. — Se os seus pais, que até então fizeste-me acreditar que eram pessoas amáveis agiram desse jeito, imagine só qual será a reação do seu irmão.Diante daquela observação, Pilar sentiu certo desconforto em Cristina, e a certeza de que ela tinha tocado profundamente na raiz do problema: Pilar era uma hóspede indesejada que estava caindo de paraquedas em cima da família Gutierrez e eles seriam obrigados a suportar a presença dela pelo fato de ela trazer no útero o neto ou neta deles, pois se a situação fosse outra, ela tinha certeza de que nunca conseguiria pôr os pés naquela fazenda.Embora soubesse que os argumentos dela foram consistentes, Cristina dificilmente dar-se-ia por vencida, o que a obrigaria a ser mais firme em relação a ela, pois independente de qualquer coisa ou argumento, Pilar não iria se sujeitar aquela situação de exposição e nem tão pouco, de humilhação.Frente àquela firme decisão, ela observou irredutível.— Não há nada especificado no contrato que obrigue-me a dividir o mesmo espaço que os seus familiares, de maneira que, para o bem dos seus filhos e de minha saúde mental; vou permanecer aqui.— Desse jeito Pilar você obriga-me a tomar medidas drásticas. — Cristina disse dura.— Pretende fazer o quê? Manter-me em cárcere privado ou acorrentar-me na porcaria de um quarto de luxo, só para manter o teu status? — A questionou apreensiva e acrescentou. — Por que se for isso pode começar a providenciar a mordaça e as correntes, por que eu só vou sair daqui acorrentada ou amordaçada.— Coloca uma coisa na tua cabeça, Pilar: você não está em condições de exigir nada! — Cristina disse consternada diante da insistência dela.— Eu estou com o teu filho no meu útero. — Respondeu mesmo sabendo não ter sido convincente.Como para Cristina não era bom que Pilar sofresse nenhum tipo de aborrecimento, ela balançou negativamente a cabeça, e deixou o quarto a seguir, incrédula. Ao ver-se sozinha em um dos aposentos da área de serviço, Pilar fechou a porta, jogou-se na cama e chorou até a última gota de lágrima secar.Seja pela gama de estresse que a rodeava, seja pelo cansaço da viagem, ou por não saber o que seria dela a partir daquele dia; fato era que ela dormiu praticamente o dia todo e, quando acordou ouviu vozes alteradas no saguão, o que deu a ela a impressão de que Cristina e, provavelmente o irmão dela — Javier Ruiz Gutierrez —; estivessem discutindo, por causa dela. Passado alguns minutos, o nome dela foi mencionado em alto e bom-tom e, nesse momento, ela não conteve a curiosidade; levantou-se para descobrir o que estava sendo decidido a respeito dela.Mesmo sabendo que o que estava fazendo era errado, Pilar não resistiu e seguindo a direção das vozes alteradas, procurou um lugar escondido para que ela pudesse ouvir o que discutiam.Em outras circunstâncias Pilar jamais faria aquilo, mas como o assunto em questão era ela, nada a impedia de fazer uso de um recurso tão mesquinho como o de escutar atrás da porta.Para surpresa dela, Cristina Martinez estava fazendo intrigas e mentindo descaradamente ao dizer que ela tinha sido ameaçada. Em nenhum momento Pilar a ameaçou, apenas deu a entender que, como ela trazia no ventre o filho dos Martinez tinha pelo menos o direito de escolher onde deveria dormir naquele fazenda, já que de resto ela não tinha mais poder de nada; nem mesmo sobre a própria vida.Sem muito que pudesse fazer, já que ela tinha-se vendido em troca da cirurgia de seu irmão, Pilar permaneceu imóvel no mesmo lugar, enquanto sinais de crise de ansiedade apareciam sutilmente em forma de respiração acelerada.Sem condições em
A expressão tensa no rosto do doutor Fernandez era o de quem não tinha boas notícias e isso poderia significar, que se Pablo levasse adiante as ameaças dele; Pilar estaria muito encrencada.Por mais que Javier a visse como uma mercenária, oportunista e golpista, ele não iria admitir e nem permitir que o seu cunhado fizesse algum mal a ela ou a família dela. Todos eles tiveram sua parcela de culpa no que tinha acontecido e não era justo que só Pilar fosse punida ou prejudicada.Como aparentemente o doutor Fernandez acreditava que Javier fosse a raiz do problema que desencadeou a crise de ansiedade e de pânico em Pilar, ele o encarou duro e o questionou a seguir.— O que fizeste Javier para deixar aquela pobre moça naquele estado?— Se soubesse do que essa pobre moça é capaz, o senhor não a estaria defendendo com tanto afinco. — Respondeu inabalável. — Mas, respondendo a sua acusação; eu não tenho nada a ver com aquela moça. Aliás, eu acabei de conhecê-la e se alguém pode dizer-lhe algo
Desafiar Javier Ruiz Gutierrez em sua própria casa era para poucos, contudo, Pilar estava exposta a uma carga de estresse muito grande, o que culminou momentaneamente em algumas limitações dela; a exemplo da falta temporária de voz e a aparente paralisia que a deixou sem reação por longos e terríveis minutos.Mas, como para ela a palavra “meio-termo” parecia não se encaixar muito bem, lá estava ela de novo rebelando-se, agora contra a pessoa que a pouco prometera segurança; o que soou no mínimo estranho, já que, aparentemente, ele não estava nem aí para os sentimentos dela ou para a situação a qual estava vivendo. Depois de dar-se conta de que fora longe demais em suas palavras, Pilar esperou apreensiva, o momento do revide de Javier, que certamente viria em forma de deboche ou mais insultos. Porém ela não teve que esperar muito, pois Javier não era homem de ficar mudo por muito tempo e ela pode constatar essa verdade no momento em que ele dirigiu-lhe um sorriso zombeteiro e disse-lh
Desde que colocou os pés na fazenda dos Gutierrez, Pilar sabia que sua estadia não seria nada fácil, contudo ela não esperava passar por um confronto direto com eles logo no primeiro dia; o que significava que a convivência com eles tornar-se-ia insuportável e se ela quisesse levar aquela gravidez com tranquilidade teria que manter-se afastada da casa principal.Mesmo reconhecendo que estava colhendo os frutos de suas escolhas, Pilar não sabia que o gosto fosse tão amargo a ponto de amargar a vida dela completamente.Pior do que ver-se obrigada a tragar o fel da mais difícil decisão de sua vida, era a sensação de sentir-se sozinha e desamparada; perdida em meio a incerteza de que talvez, ela não conseguisse sobreviver ao peso de toda aquela carga de tensão, pois Pilar sentia-se debilitada fisicamente e emocionalmente.Deixando de lado todas as suas angústias e apreensões, ela sentou-se ao lado dos outros serviçais e fez sua refeição em silêncio, enquanto sentia o olhar desconfiado de
Acordar na manhã seguinte com a sensação de que a qualquer momento poderia estar dando de cara com outra fera, fez com que Pilar pensasse mil vezes antes de pular da cama. Naquele segundo dia de sua prisão, ela teria que preparar-se mentalmente para ir ao laboratório realizar os exames que o doutor Fernandez solicitou e, rezar muito para tudo está certo com sua gravidez, senão ela estaria enrascada e sujeita a fúria da família Martinez.Mas, como no momento o único pecado dela era ter feito tudo aquilo para salvar a vida de seu irmão; ela tinha certeza de que a providência divina não a abandonaria naquele momento tão difícil da vida dela.Com essa firme concepção de que sua história não teria um final devastador, Pilar viu seu ânimo se fortalecer e, quando ela entrou no banheiro para fazer sua toalete matinal, já sentia-se mais revigorada e preparada para encarar aquele segundo dia com mais força e coragem.Porém, ao retornar para o quarto, ela viu sua força e sua coragem sendo devast
A viagem da fazenda até o laboratório demorou além do esperado e para complicar a situação de Pilar, o balanço da Picape estava começando a dar náuseas nela, de maneira que ela teve que pedir para Javier parar o carro algumas vezes.Todas as vezes que era obrigado a dar uma pausa no percurso, ele olhava para a caçamba do carro e nessas horas Pilar tinha quase certeza de que na próxima parada ela seria convidada a retirar-se da Picape.Quando finalmente eles chegaram ao laboratório, ela quase pulou de alegria por saber que metade de sua tortura estava chegando ao fim, se considerado que ainda faltava o suplício da volta.Depois de ser submetida a todos os exames, Pilar encaminhou-se para a saída e, nesse momento, um pensamento louco passou-lhe pela cabeça de como seria tentar fugir de Javier e dos Martinez. Porém, a imagem de sua mãe e de seu irmão a fizeram voltar a si e ela recriminou-se mentalmente por deixar-se guiar por tais pensamentos.Como se tivesse o poder de penetrar na ment
Retornar para a fazenda depois de uma fatigante viagem de algumas horas, dividindo o mesmo espaço com Javier e Laura; poderia parecer a realização de um sonho, se a fazenda em questão não fosse temporariamente a prisão dela, e Javier Ruiz Gutierrez o carcereiro impiedoso a chicoteá-la com palavras duras e ofensivas.Mas como as coisas para ela só tendiam a piorar, ela ainda seria obrigada a aturar por meses a grosseria da bruxa má — Laura Moreno, que com toda a certeza não iria sossegar enquanto não a expulsasse de lá a ponta pés ou a vassouradas, bem diante dos olhos de Javier.Sentir o olhar da outra a perscrutando durante toda a viagem foi extremamente desconfortável e Pilar estava quase tendo torcicolo de tanto direcionar seu olhar em um único ponto, de maneira que assim que ele adentrou nas fronteiras da fazenda, ela pôde respirar mais aliviada.Tão logo ele estacionou o carro, Pilar desceu imediatamente, e antes que pudesse correr para a cozinha, Cristina a questionou.— Como fo
Mesmo diante do abalo emocional daquele segundo dia na fazenda, Pilar deixou o quarto rumo à cozinha, que aquela hora deveria estar polvorosa devido a chegada da intempestiva e mal-humorada hóspede — Laura Moreno, que com certeza naquele momento estava pedindo a cabeça de Pilar para Javier.Depois de certificar-se de que o caminho estava livre, Pilar juntou-se a senhora García e aos demais empregados, que trabalhavam com todo afinco para atender aos caprichos da senhorita Moreno, que segundo a informaram não gostava do cardápio oferecido pela senhora Gutierrez; o que significava que eles teriam pratos diversificados e sofisticados, para desprazer de Pilar que gostava de comida caseira.Mas, como era ela a hóspede indesejada e não a senhorita Moreno, Pilar não tinha como queixar-se de nada; apenas acatar todas as decisões e escolhas da família Gutierrez.Sem nada a fazer para mudar aquela situação, Pilar decidiu retornar para o quarto, pois o cheiro forte de comida espalhada pela cozin