SAVANNAHVoltamos para o rancho em silêncio.Harper veio connosco, ainda assustada demais para ficar sozinha depois do que aconteceu com Ryder. O choque do ataque, a brutalidade daquilo tudo, ainda pairava no ar.Quando ofereci a minha cama para ela, Hunter pareceu agradecido. Acho que esta noite foi traumática para todos nós.Assim que estacionamos, noto a luz da varanda acesa.E então vejo-a.Rose.Sentada numa cadeira de balanço, ainda vestindo o seu robe de dormir, com uma expressão preocupada.Hunter solta um palavrão e desliga o carro.— Droga... — ele murmura antes de sair apressado para ajudar Ryder.Rose levanta-se no mesmo instante, descendo os degraus da varanda assim que vê os irmãos a carregar Ryder.— Meu Deus, o que aconteceu? — a sua voz sai tremida, cheia de pavor.Mas quando se aproxima o suficiente para ver o estado do filho, leva as mãos à boca, horrorizada.— Ryder! — lágrimas já enchem os seus olhos.— Estou bem, mãe... — Ryder murmura, mas a sua voz soa fraca.R
SAVANNAHO 4 de Julho paira no ar como um fantasma de festejos passados. Desde o ataque a Ryder, a alegria parece ter se evaporado, substituída por uma sombra persistente. As cores vibrantes dos fogos de artifício e o burburinho das festas parecem distantes, quase irreais. Optamos por uma celebração discreta: um jantar familiar no rancho, sem muito alarido. Mas mesmo na tranquilidade do rancho, a ausência de Ryder é palpável. O trabalho, antes dividido entre nós dois, agora recaí sobre os meus ombros, e embora me esforçasse, a falta dele é um peso constante. Sinto falta das suas provocações, do brilho travesso nos seus olhos, da maneira como a sua sobrancelha se arqueia quando cometo um erro. É uma falta que vai além do físico, atingindo um lugar profundo no meu coração. Sempre que possível, escapava para o andar de cima do estabulo onde ele se recupera. Precisava vê-lo, certificar-me de que está bem, sentir a sua presença por perto. É egoísmo, talvez, mas a necessidade de estar pe
SAVANNAHOs dias seguintes são marcados por uma frieza cortante. Durante os jantares na cozinha, Rose tenta puxar assunto, mas corto as suas tentativas com respostas frias e monossilábicas. O silêncio que se instala é palpável, carregado de tensão. Percebo que Ryder me observa, o olhar confuso e preocupado. Ele nota a minha mudança de atitude em relação a Rose, a frieza que antes não existia. Mas ele não diz nada, como se esperasse o momento certo para abordar o assunto. Mais tarde à noite, deitados na cama, a distância física reflete a crescente distância emocional entre nós. Deitada de lado, de costas para ele, sinto o peso do silêncio a separar-nos. Ryder move-se, apoiando o cotovelo no colchão, a voz suave dele quebra o silêncio. — Ruiva... O meu coração acelera, a antecipação da conversa inevitável deixa-me tensa. — O que foi? —, murmuro, tentando manter a voz firme. — O que está a acontecer entre tu e a minha mãe? —, pergunta, a sua voz está carregada de uma preocupação
SAVANNAHO ar da varanda está frio, mas não tanto quanto o que ficou na cozinha. Sinto o cheiro da terra molhada e o bolo de cereja que recusei ainda paira no ar, como um lembrete da minha fuga apressada. Cruzei os braços, tentando manter a compostura, quando ouço passos atrás de mim. Ryder chega rápido, determinado, e agarra-me pelo braço com uma firmeza que me obriga a parar.— Savannah, o que se passa? — A voz dele é baixa, mas carrega uma urgência que não consigo ignorar.Endireito as costas, olho em frente, sem ceder. Não vou dar parte fraca, não agora.— Não se passa nada, Ryder.Ele solta um suspiro frustrado, mas não me larga.— Não sou idiota, Savannah. Sei que alguma coisa se passa contigo.Viro-me, os olhos fixos nos dele, e deixo escapar, quase num sussurro, mas carregado de amargura:— Se sabes o que se passa, porque perguntas?Ele recua ligeiramente, surpreendido com a minha defensiva. O maxilar dele trava, como se estivesse a tentar controlar-se.— Sei que não estás bem
RYDERO rancho parece maior desde que Savannah se foi. Os dias arrastam-se, iguais, mas faltando qualquer coisa que não consigo nomear. Tento ocupar-me com o trabalho, mas a verdade é que não sei por onde ela anda. Desconfio que esteja com a Harper em Creekville, mas ninguém me confirma nada. Rose limita-se a dizer que ela precisava de espairecer, e eu fico a remoer o vazio que ela deixou.É já noite quando me sento na varanda da casa principal, o Bear deitado aos meus pés, a cabeça pesada no meu colo. Passo-lhe a mão pelo pêlo, sentindo a respiração lenta do cão, o único som além do coaxar distante das rãs. O cheiro da terra húmida, misturado com o aroma das flores do jardim da minha mãe, traz-me memórias de outras noites, mais leves, em que Savannah se ria ao meu lado, enrolada numa manta.Ouço passos atrás de mim. Hunter surge na penumbra, duas cervejas na mão. Atira-me uma, que apanho no ar, e senta-se ao meu lado, sem dizer nada durante uns segundos. O Bear levanta a cabeça, curi
SAVANNAHCarrego os sacos das compras nos braços como se carregasse o peso do mundo. O corredor do prédio de Harper parece mais longo hoje, cada passo ecoa na minha cabeça cansada. O cheiro a pão fresco mistura-se com o perfume barato de algum vizinho, mas nada me distrai deste vazio que me acompanha desde que saí do rancho. A cada dia aqui, sinto-me mais longe de tudo o que me fazia sentido. Sinto falta do cheiro da terra, dos risos no estábulo, do Bear a correr atrás das galinhas. Sinto falta dele, embora me recuse a admitir sequer para mim própria.Chego à porta do apartamento, tento equilibrar os sacos e procurar as chaves na mala, mas é impossível. Respiro fundo, frustrada, e acabo por tocar à campainha com o cotovelo, rezando para que Harper não demore.Demora quase um minuto até ouvir o trinco rodar. Não vejo nada à minha frente, os sacos tapam-me completamente a vista. Entro, a falar alto, na esperança de que Harper me venha ajudar.— Harper, nem imaginas o caos que estava no
RYDERSaio do apartamento de Harper furioso, a cabeça a latejar e o coração aos saltos no peito. Mal vejo por onde vou, só quero afastar-me dali, fugir daquele olhar de Savannah que me queimou mais do que qualquer palavra. Nem dou conta do que está à minha volta quando, de repente, choco com alguém no corredor. O impacto é seco, ombro contra ombro, e só quando ouço a voz do meu irmão percebo o que aconteceu.— Eh pá, Ryder! — Hunter quase deixa cair o copo take away de café. — Que raio se passa contigo?Não respondo, nem olho para trás. Sigo em frente, determinado, até ao jipe que trouxe com o meu irmão. Ouço-o a comentar com Harper, lá atrás:— Vou resolver isto.Já estou a destrancar a porta do jipe quando o oiço chamar-me:— Ryder! Espera aí.Paro, mas não me viro logo. Sinto o Hunter aproximar-se, o olhar dele cravado nas minhas costas.— O que aconteceu lá em cima? — pergunta, a voz baixa mas firme.Respiro fundo, a raiva ainda a borbulhar-me nas veias.— Savannah está irredutíve
SAVANNAHAssim que a porta do apartamento se fecha atrás de Ryder, sinto o vazio a invadir-me de uma maneira quase física. Fico ali, parada no centro da sala, a olhar para o nada, como se esperasse que ele voltasse a entrar, que dissesse que tudo não passou de um mal-entendido. Mas a única coisa que ouço é o som abafado do trânsito lá fora e o eco da minha própria respiração. O apartamento de Harper parece encolher à minha volta, as paredes a apertarem-se, e eu, perdida neste silêncio, deixo-me cair no pequeno sofá da sala.Abraço as pernas ao peito, tentando encontrar consolo em mim mesma. O tecido áspero do sofá roça-me a pele, mas não me aquece. Sinto uma tristeza funda, como se tivesse perdido algo que nunca foi realmente meu. Não sei quanto tempo fico ali, imóvel, a olhar para o vazio. Só quando sinto o rosto húmido percebo que estou a chorar. As lágrimas escorrem devagar, tímidas, quase envergonhadas, como se não quisessem dar parte de fracas.Ouço a porta do apartamento a abrir