RafaelO mundo ainda é um borrão escuro, mas alguma coisa mudou. Posso sentir. Há uma leveza onde antes só existia peso, um fio de luz atravessando a escuridão. Não é físico, não é algo que eu possa tocar, mas é uma certeza. Estou voltando.A mão de Beatriz continua na minha, como uma âncora. Ela me segura firme, e só o toque dela parece acalmar qualquer tempestade que ainda exista dentro de mim.— Ele vai ficar bem, vai ficar bem… — ouço Beatriz sussurrar, quase como um mantra para si mesma.Os médicos continuam falando, algumas palavras chegam até mim, mas se misturam como vozes em um sonho. O único som que realmente importa é a voz dela.— Precisamos observar, ele está reagindo bem — diz alguém, provavelmente o neurocirurgião. — Agora é aguardar.Pouco a pouco, o cansaço vai me arrastando de volta. Não consigo mais segurar minha consciência desperta, mas algo em mim não está mais com medo. Ela está ali. Ela prometeu que ficaria.Quando volto a perceber algo, é diferente. Ainda esto
Don FalconeO telefone vibra na minha mão, e a tela ilumina com o nome de Giulia. O som suave da ligação me avisa que, enquanto o tempo não pára, as decisões que moldam meu destino continuam a ser tomadas, sem concessões. Há algo na voz dela que me faz responder rapidamente, sem hesitar. A viagem está pronta. Tudo foi preparado. Marco ao meu lado, observando com a mesma intensidade silenciosa que sempre o caracterizou, sabe que a missão no Brasil vai além de simples negócios. Sei que não será fácil, mas as coisas nunca são.— Giulia, estamos no avião. — A voz dela, calma e segura, me tranquiliza por um momento, mas eu sei que estamos indo para um território onde nada é simples. — Prepare tudo. Estaremos com você em breve.Ela responde com a mesma segurança que sempre demonstrou, e eu desligo, deixando o peso do que vem a seguir se instalar. Marco me observa, sem dizer uma palavra. Os olhos dele, sempre atentos e calculistas, agora têm uma chama diferente, é como se ele soubesse que a
RafaelEu não sei por quanto tempo mergulho nessa escuridão, mas, agora, há um som diferente ao meu redor. Mais próximo. Mais real. Beatriz está ali. Sempre.— Bom dia, meu amor. — A voz dela vem carregada de doçura e uma leve esperança.Ela fala comigo todos os dias, eu sei disso. Posso sentir sua presença, suas mãos segurando as minhas, seu perfume que suavemente atravessa essa barreira de inconsciência. Cada palavra dela é uma âncora que me puxa de volta à vida.— Você está reagindo, Rafa — ela diz com um entusiasmo controlado, como se tivesse medo de se iludir. — Hoje o médico disse que tudo está evoluindo como esperado.Seus dedos acariciam a minha mão e, sem perceber, uma onda de calma me atravessa. Meu corpo ainda parece uma prisão, mas o simples toque dela é como uma fagulha.— Sabe o que o Rafinha me perguntou ontem? — ela continua, com a voz levemente embargada. — Se você vai trazer aquele carrinho de bombeiro quando voltar do hospital. Ele… ele acha que você está em uma v
Don FalconeHá momentos em que a traição e o amor se entrelaçam de forma tão íntima que fica difícil discernir onde um começa e o outro termina. Estou sentado no escritório da mansão dos Vassalos, ao lado de Giulia e Marco, ouvindo Felipe narrar uma história que poderia muito bem ser o enredo de uma tragédia clássica. Cada palavra que sai de sua boca carrega o peso de anos de segredos enterrados, alianças quebradas e decisões que mudaram destinos. Ele não vacila enquanto fala, mas há algo nos olhos dele, uma mistura de culpa e determinação, que me mantém atento.— Don Falcone, eu preciso contar algo que venho guardando há algum tempo, não foi por covardia, mas alguma coisas só devem ser faladas pessoalmente. — Sua voz é firme, mas as palavras carregam uma confissão.Felipe começa a tecer o fio de sua história, e, a cada revelação, sinto a teia de mentiras e manipulações se expandir. Ele fala de Beatriz, de como eles se amaram em segredo e como Cesare, em sua crueldade calculada, desco
RafaelA primeira coisa que me lembro é da dor. Não é uma dor física, mas algo mais profundo, como uma ferida invisível. Acordei ontem, mas o mundo não parece real, parece uma névoa. Como se eu tivesse sido arrancado de um lugar onde tudo fazia sentido para ser colocado aqui, neste quarto de hospital, cercado por monitores e sussurros. Eu deveria estar feliz por estar vivo, por estar de volta, mas a sensação que predomina em mim é a de estar vagando, perdido, sem saber onde estou ou como cheguei até aqui.Beatriz está sentada ao meu lado, o dedo suavemente acariciando a minha mão. Sua presença é a única coisa que ainda me parece familiar. Ela olha para mim com aquele olhar de quem conhece todos os meus segredos, todos os meus medos. Seus olhos, que antes estavam tão carregados de preocupação, agora transbordam de uma leveza estranha, como se ela estivesse vendo algo que eu não consigo enxergar. Na verdade, ela sempre foi esse farol para mim, e eu só percebo isso agora, enquanto a luz
MarcosO som da risada de Yasmin ecoa pela casa enquanto Teresa corta os vegetais na bancada. Algo naquela risada me pega de surpresa. Não é só o som, é o peso que ela carrega, ou melhor, a leveza que agora parece ter. Por tanto tempo, Yasmin foi uma menina cheia de sombras. Ver a luz nela agora é quase um choque, um lembrete de como as coisas podem mudar.Hoje ela já não tem medo de mim e de nenhum homem do condominio, mas ainda temos alguns passos a avançar com a nossa pequena, semana passada acordei com os gritos dela tendo um pesadelo, revivendo as monstruosidades.Tenho certeza que com todo amor e paciência, ela vai superar esse trauma.— Vou chamá-los para almoçar — digo, pegando dois pratos na mesa para arrumar. Teresa acena com a cabeça, o rosto suave, mas concentrado.Subo as escadas e encontro a porta do quarto dela entreaberta. Espio antes de entrar. John está sentado no chão, livros espalhados ao seu redor, enquanto Yasmin tenta repetir palavras em inglês, tropeçando nas p
RafaelO que se sente quando a vida te dá uma segunda chance? O que é acordar depois de uma tempestade que te arrastou sem piedade, te jogando de volta para a realidade como se nada tivesse acontecido, como se aquele pesadelo de dor, medos e incertezas não tivesse sequer existido? A verdade é que eu não sei. Acordei, mas ainda estou em processo. Não é um simples "voltar ao normal", como muitos esperam. Eu ainda estou me encontrando. Cada passo que dou parece uma tentativa de recolocar os pedaços que, por muito tempo, estiveram fora de lugar. Mas agora, pelo menos, eu tenho tempo. Tempo para entender, tempo para viver.Hoje, 10 dias depois, estou em casa. O cheiro do café fresquinho vindo da cozinha, o som de Rafinha rindo enquanto brinca com Beatriz, a suavidade do toque dela na minha pele... tudo isso é novo para mim, mas ao mesmo tempo tão familiar. Beatriz está sentada no sofá, com Rafinha no colo, seus olhares trocando uma cumplicidade silenciosa que me faz sorrir. O pequeno cochi
BeatrizA sala de espera tem aquele cheiro peculiar de álcool e eucalipto que só clínicas modernas conseguem misturar. Meu coração bate mais forte enquanto observo Rafael sentado ao meu lado. Ele parece tranquilo, mas eu conheço cada traço daquele rosto, cada nuance de seus olhos cansados. Não é tranquilidade, é cansaço disfarçado de esperança. Hoje é o dia da primeira consulta com a medicina integrativa após o pesadelo. A consulta começa com o médico nos conduzindo para uma sala ampla, iluminada por uma luz suave. Rafael se acomoda na cadeira ao meu lado, sua expressão neutra, mas os olhos entregando o cansaço acumulado. O médico se senta em frente a nós, ajeitando os óculos no rosto. Ele começa com a pergunta mais simples e mais importante:— Rafael, como você está se sentindo?Rafael solta um leve suspiro antes de responder:— Estou me sentindo melhor, mas ainda tem momentos de cansaço extremo. Às vezes sinto uma leve tontura quando levanto rápido. A fraqueza ainda está presente,