O motorista deu uma olhada no celular e disse:— Posso cortar caminho por uma rua menor, mas mesmo pulando alguns sinais, não consigo garantir que a gente chegue em meia hora.— Vamos tentar. — Florence sabia que não tinha uma opção melhor.O motorista foi eficiente e, em meia hora, deixou Florence na esquina próxima ao ateliê.Assim que desceu, Florence olhou para o tornozelo inchado e avermelhado e franziu a testa. Ela não podia arriscar Daphne tirar conclusões ao ver aquele machucado, então precisava de uma desculpa convincente para o ferimento.Enquanto pensava nisso, Florence avistou um canteiro de cimento ali perto. Sem hesitar, ela arrastou o tornozelo machucado pela borda áspera do canteiro. A dor aguda fez com que ela se sentasse no chão, suando frio.Ela cerrou os punhos, respirou fundo para conter o sofrimento e discou o número de Rosana no celular.Agora, ela precisava de uma testemunha.Florence tinha certeza de que Rosana era quem repassava tudo para Daphne, então ninguém
Dentro do carro, Daphne já tinha notado Florence do lado de fora e, de propósito, aproveitou a ocasião para se inclinar e tentar beijar Lucian, bem na frente de Florence.Ela queria que Florence entendesse de uma vez: dormir com Lucian não queria dizer nada, porque, no fim das contas, era ela, Daphne, quem Lucian escolhia.Mas, antes que o beijo de Daphne chegasse ao rosto de Lucian, ele ergueu o braço e bloqueou o avanço dela, afastando-a com um gesto sutil.Daphne ficou alguns segundos paralisada, depois deixou escapar um olhar magoado:— Lucian, o que foi?Lucian puxou um lenço de papel, limpou o local da manga onde ela encostou e falou com um tom despreocupado:— Essa cor de batom não combina com você.Na mesma hora, Daphne empalideceu, levou a mão aos lábios e apertou forte o tecido do vestido, tentando disfarçar o incômodo.Lucian lançou um olhar de lado:— Tá nervosa por quê?Daphne se forçou a relaxar, mesmo estando visivelmente abalada:— Não é nada, acho que exagerei no café
O motorista parou o carro imediatamente no acostamento, mantendo o olhar fixo na estrada, sem desviar nem por um segundo.Lucian soltou uma fumaça fina entre os lábios e disse, com indiferença:— Eu já te avisei para não passar dos limites. O que você queria, já conseguiu. Pode descer. O seu motorista também veio atrás o tempo todo.As palavras de Lucian pegaram Daphne completamente desprevenida. Ela tinha contado para ele que o motorista dela tinha tido um problema, só para convencê-lo a buscá-la pessoalmente.Ser desmascarada assim foi como levar dois tapas secos na cara. O rosto dela queimava de vergonha, mas, só de pensar em sair do carro daquele jeito, ela não conseguia aceitar aquilo.Ela se recusava a acreditar que Lucian não sentia nada por ela. Mesmo que não fosse amor, pelo menos desejo, não? O que é que Florence tinha que ela não tinha?Com o coração acelerado, Daphne se jogou sobre Lucian, abraçando-o com força, quase chorando, e se aninhou no colo dele, sem se importar com
Florence usou o celular para chamar um Uber, mas, como mais cedo ela tinha colocado o ponto de encontro na esquina, acabou se esquecendo de mudar o endereço. Quando percebeu o erro, o motorista já tinha aceitado a corrida, então ela só podia aguentar a dor e ir mancando até o local combinado.Foi um trajeto curto, mas para ela parecia uma eternidade.No caminho, Florence viu Rosana saindo do ateliê e chamou:— Rosana, você… Pode me ajudar a andar?No dia a dia, Rosana adorava bancar a melhor amiga. Florence pensou que era a hora de aproveitar isso, mas nem terminou de falar.Rosana já olhava fixamente para o tornozelo dela e cortou:— Desculpa, Flor, minha mãe acabou de me ligar dizendo que machucou as costas no trabalho, preciso ir pro hospital agora, não tem como te ajudar. Preciso correr.No rosto de Rosana havia uma expressão de preocupação, mas nos olhos um brilho de diversão. Se Florence se esborrachasse ali mesmo, seria hilário. Ela até já estava abrindo a câmera do celular para
Fernando continuava igual ao de sempre. Apesar de ser médico, ele falava como se estivesse no palco de stand up, com o tom animado e a voz sempre cheia de energia e esperança. Era impossível não notar o contraste entre esse jeito leve e a loucura que ele mostrava ao se beijar com Daphne.Se Florence não tivesse enxergado através da máscara dele, teria achado, como quase todo mundo, que ser amigo de Fernando devia ser uma alegria constante.Ela própria já pensou, em outra vida, que talvez todos os pecados de Fernando tivessem sido culpa de Lucian. Mas agora via com clareza: Fernando fazia de caso pensado. Quando ele operou Estela, já não pretendia deixá-la viva.Naquele tempo, o último elo entre Florence e Lucian era a criança. Por causa do filho, Lucian jamais abandonaria a esposa e a filha. Ele só podia sentir pena de Daphne e do filho dela, que nunca seriam reconhecidos, e, ao mesmo tempo, tramava para sumir com mãe e filha.Com Fernando e Daphne tramando juntos, Florence e Estela nu
De acordo com as regras, ninguém da família podia assistir à cremação no crematório. Florence Winters, no entanto, pagou o que foi necessário. Com passos lentos, ela empurrou a maca de ferro gelada para dentro da sala de cremação. O ar tinha um cheiro metálico de queimado, e no feixe de luz que atravessava a janela, partículas de cinza flutuavam no ar. Talvez fossem restos de ossos. Em breve, sua querida filha também se tornaria isso. Vestida com um longo vestido preto, Florence parecia ainda menor do que era. Nem mesmo o menor tamanho escondia sua silhueta magra e abatida. Seus olhos, inchados e vermelhos de tanto chorar, estavam agora estranhamente serenos. Ela passou a mão pelo lençol branco que cobria o corpo imóvel e pálido da filha e, cuidadosamente, colocou na palma da mão fria da menina duas estrelas de papel cor-de-rosa. — Estela, espera a mamãe. Quando o tempo acabou, um funcionário aproximou-se e puxou Florence gentilmente para o lado. Ele ergueu o lençol, re
Ela tinha voltado à vida! Florence havia ressuscitado!Ignorando os olhares incrédulos ao seu redor, ela cravou as unhas em seu braço, apertando com força. A dor aguda percorreu-lhe o corpo, e seus olhos logo se encheram de lágrimas.— Chorando por quê? — Uma voz grave e autoritária ecoou pelo salão. — Quem deveria pedir desculpas aqui é você, não a nossa família Avery!Florence voltou a si e ergueu o olhar, encontrando os olhos frios e impacientes de Theo Avery, o patriarca da família.Imediatamente, ela baixou a cabeça, assumindo a postura submissa de sempre. Mas, por dentro, seu corpo tremia, não de medo, mas de excitação.Ao redor, ouviam-se risinhos abafados e cochichos venenosos.— Jovem desse jeito e já com coragem de drogar o próprio tio para seduzi-lo? Fez a maior confusão na cidade só para tentar obrigar o Lucian a assumir responsabilidade. E agora finge que nada aconteceu! Quem educou essa garota?— Isso não é coisa de gente da nossa família. A família Avery nunca criaria al
Daphne Gonçalves era filha de uma família tradicional, mas em decadência.Três anos atrás, Lucian surpreendeu a todos ao anunciar publicamente seu relacionamento com ela. Mesmo sob forte oposição de Theo, ele organizou um luxuoso jantar de noivado.Daphne, de um dia para o outro, tornou-se a mulher mais invejada de Cidade do Sol. Todos a admiravam: uma mulher linda, bondosa e elegante.Mas Florence sabia a verdade. Daphne não era nada disso. Se não fosse designer, certamente seria uma atriz de primeira linha. Ela era a melhor quando o assunto era fingir.E Daphne, com toda a sua esperteza, sabia exatamente o que Florence queria dizer ao apontar o dedo para ela. O casamento com Lucian já havia sido adiado por três anos, e Daphne não podia mais esperar para oficializar a união.Como esperado, Daphne deu um passo à frente. Sem hesitar, ajoelhou-se na mesma posição em que Florence estava antes e curvou a cabeça em uma demonstração teatral de humildade.— Vovô, fui eu! — Disse Daphne, com a