Capítulo 1

Capítulo 1.

Elas.

03 de março, 2018.

Ana Júlia deu um pequeno e tímido sorriso ao fitar o seu reflexo esguio no grande espelho que ficava no quarto da sua noiva. O vestido preto, um palmo acima dos seus joelhos, delineava o seu corpo e dava um destaque para seus belos olhos cinza-esverdeados. Ela sempre fora uma mulher bonita. Contudo, na maior parte do tempo, a loira carregava em si uma baixa autoestima, o que a fazia sentir-se feia perto das mulheres que rodeavam Marina.

— Você está linda, baby. — Ela sussurrou, rouca, e as suas mãos foram parar no quadril da outra. — Bela como sempre. — Elogiou-a, novamente, ao afastar o longo cabelo loiro e deixar um beijo no ombro nu de Júlia.

Ana Júlia mirou os seus olhos na noiva através do espelho, ao mesmo tempo em que o seu sorriso ficava mais pronunciado e as suas bochechas levemente rosadas. Marina retribuiu o olhar e as suas mãos pararam nos seios medianos, apertando-os com vontade.

— Obrigada, amor! — A loira gradeceu, soltando um pequeno e esganiçado gemido. — Vamos? — Perguntou ao se afastar da outra e pegou a sua bolsa. — As meninas devem estar impacientes. Principalmente, Diana quando fica faminta. — Completou, rindo descontraída.

Ela estava feliz, por enfim, ter conseguido um tempo de qualidade, entre os plantões nas clínicas veterinárias de Teresópolis, e poder visitar a sua noiva que também se encontrava atolada de processos na própria advocacia em Petrópolis. E para completar a sua felicidade, as suas duas melhores amigas concordaram em acompanhá-la em um jantar com a sua noiva.

— Vamos sim, baby. — Marina concordou, pegando sua própria bolsa.

O sorriso de Ana tornou-se mais pronunciado e o seu coração aqueceu-se em mais felicidade.

— Contudo, antes de irmos, Júlia. — Marina prosseguiu, séria e alheia a expressão sorridente da sua noiva, que permanecia de costas viradas para si. — Faça o favor de retirar esse vestido curto demais e coloque uma calça descente. — Ordenou, inexpressiva, enquanto saia do quarto sem olhar para a noiva, que paralisou e ficou sem reação perto da cama de casal.

Ana Júlia, que se encontrava perto da cama de casal, paralisou e ficou totalmente sem reação. Internamente, uma vozinha já avisava que a ruiva iria implicar com o seu vestido, contudo esperava que, dessa vez, passasse despercebido e pudesse usá-lo sem maiores problemas.

— Droga. — Sussurrou, sufocada, lutando contra as lágrimas teimosas que insistiam em querer cair dos seus olhos. — Não chore, Ana. — Insistiu para si mesma.

No mesmo instante, ela se sentiu péssima e uma única lágrima conseguiu escapar, todavia, retornou a engolir o choro e forçou um sorriso de tudo está bem. Infelizmente, Ana Júlia já estava craque em fingir aparências e mentir para todos ao seu redor. Principalmente, para si mesma na tentativa falha de se convencer que o seu relacionamento era saudável. Por fim, obedecendo Marina, foi até a sua mala em busca de uma calça e blusa que agradasse a ruiva.

~

— Isso foi uma péssima ideia, Laura. — Diana sussurrou para a namorada, que se encontrava sentada confortavelmente no seu colo.

Laura franziu a testa e assentiu com as palavras da namorada.

— Deveríamos pegar a nossa amiga e meter o pé desse lugar. Isso aqui me dá ânsia de vômito e calafrios. — Diana continuou no mesmo tom, dividindo tanto olhares irritados quanto caretas engraçadas pela sala do grande e frio apartamento de Marina.

Laura assentiu, novamente.

— Não me tente, Di. — Murmurou baixinho. — Porém, prometemos isso a Júlia. — Lembrou-a, fazendo uma careta de desagrado, pois estar naquele lugar era o mesmo que se sentir sufocada a todo instante. — E lá vem o encosto de salto, gata. — Brincou ao ouvir barulho de saltos contra o piso escuro. — Faça cara de felicidade e não de bunda suja, Diana. — Mandou, rindo ao enfiar o rosto nos cabelos loiros da namorada, que revirou os olhos e forçou um sorriso falso.

Ambas estavam odiando estar sob o mesmo teto que Marina. No entanto, como prometido a melhor amiga de ambas, Diana e Laura iriam se comportar. Oh, não! E apenas o pensamento que só estavam há poucas horas ali e ainda teriam o próximo dia inteiro para olharem para a cara de Marina, as fez soltarem um grunhido descontente em uma sincronia perfeita.

— Olá, meninas! — Marina cumprimentou, avistando o casal acomodado no seu sofá negro. — Como estão? Tudo bem? — Perguntou, sentando-se na frente delas, e forçou um sorriso.

Os olhos verdes cravaram-se no casal e Marina teve que conter um sorriso sacana, que insistia em querer nascer nos seus lábios pintados de carmesim assim como a cor dos seus longos cabelos. O que a advogada ruiva possuía de cretina, a sua beleza ostentava de sobra. Ela nunca gostou nenhum pouco das melhores amigas da sua noiva e desaprovava a amizade das três, o que sempre ficara bem explicito no seu rosto bonito. Entretanto, o que nenhuma delas poderiam sequer imaginar, era que a ruiva sempre desejou ter uma noite mais quente e sem nenhum pudor com Diana e Laura

Marina sempre fora uma mulher com uma vida sexualmente ativa e, por isso, desconhecia certos limites quando se tratava de saciar o seu próprio desejo.

— Estamos, sim. — Diana respondeu por educação. Naquela altura da noite, o seu sorriso ‘’simpático’’ estava deixando o seu rosto dolorido de tanto forçá-lo. — E como você está encos...Marina? — Fingiu uma tosse, repentina, para esconder sua gafe e vontade gargalhar.

Com leveza, Marina franziu a testa e ficou curiosa sobre o que Diana ia chamá-la, porém optou por permanecer em calada. Laura fitou a namorada de esguelha e teve que cerrar os lábios para prender o riso que borbulhava no fundo do seu peito, pois ela sabia com exatidão o que a outra quase soltou sem querer.

Foco, Laura! Mantenha o foco!, pensou, quase gargalhando.

— Bem, obrigada por perguntar. — Marina murmurou.

Após a troca rápida de palavras, o trio de mulheres se mantiveram em silêncio. O clima na sala era estranho, além de muito pesado e sufocante, o que incomodava bastante Laura. Ela remexeu-se desconfortável no colo de Diana e ganhou a atenção da sua namorada, que a olhou sem dizer nada e arqueou uma sobrancelha.

— Quero ir embora daqui, Di. — Choramingou com um biquinho manhoso. — Esse encosto da namorada da Júlia olha para nós como se fosse devorar a gente a qualquer momento. — Ela sussurrou em um fiapo de voz, lançando um olhar de esguelha para Marina.

Na realidade, Laura não estava errada na sua linha de pensamentos em relação a ruiva.

— Também percebi isso, mor. — Diana concordou no mesmo tom de voz. — Pensei que fosse coisa da minha cabeça, pois ela estava te comendo com os olhos na última vez em que a vimos. — Comentou, séria e enciumada.

Marina podia ouvir os sussurros indecifráveis e as vozes abafadas do casal, porém continuou calada enquanto mandava uma mensagem no W******p para a sua sócia na advocacia. O silêncio fora quebrado pelo barulho dos saltos de Ana Júlia contra o chão. As suas amigas quase cantaram uma música de comemoração.

Amém. — Laura sussurrou, agradecida, e levantou-se do colo da outra. O seu sorriso aliviado morreu ao ver a roupa que a Ana usava. — Calça? Você não ia colocar aquele vestido preto maravilhoso, Júlia? — Perguntou, com cenho franzido e confusa.

Júlia deu um sorriso sem graça e segurou a alça da bolsa com mais força. Ela estava nervosa e triste ao mesmo tempo por Marina ter implicado com o seu vestido, que comprou pensando em usá-lo em um jantar romântico com a noiva. Diana também se levantou e cravou os olhos na sua melhor amiga. Seu interior borbulhava de raiva e, naquele momento, o seu maior desejo era enfiar a mão na cara da ruiva.

Quando, Ana Júlia perceberia que estava enfiada em um relacionamento falido e abusivo com aquela mulher escrota?!

— Estou com um pouco de frio, Laura. — Ela respondeu, sem encará-las, por fim.

Diana arqueou uma sobrancelha e um sorriso sarcástico brincou nos seus lábios grossos. Estavam no período final do verão, e aquele final de semana em Petrópolis estava bem quente.

— Frio? — Replicou, com deboche. — É melhor irmos para esse jantar. — Comentou, com raiva contida na voz. — Vamos, amor. — Ela disse, pegando a mão da namorada e a puxando para fora do apartamento sem olhar para trás.

Júlia encolheu-se e soltou um suspiro resignado. Talvez, esse jantar tivesse sido mesmo uma péssima ideia sua, como Laura havia previsto dias antes.

O que mais poderia dar errado?

— Você está linda, baby. — Marina elogiou-a, pela terceira vez na noite, e entrelaçou seus dedos. — Não posso esperar para o nosso retorno. — Sussurrou, rouca, enquanto mordia o lóbulo da sua orelha.

Se fosse em algum tempo atrás, essa mordida de Marina bastaria para deixá-la arrepiada e excitada no mesmo instante. Porém, as coisas estavam tomando um rumo inesperado e desconhecido para Júlia. E agora, ela sentia-se bastante frígida em relação a Marina, na maior parte do tempo.

— Também mal posso esperar. — Concordou por puro reflexo, mas não era assim que sentia por dentro.

Ana Júlia só queria voltar para a proteção da sua casa.

— Vamos, Júlia? Porque a sua amiguinha parece estar bem bravinha hoje. Talvez, seja fome. — Marina comentou, cínica.

— Claro, amor. — Júlia assentiu ao forçar um sorriso, seguindo-a para fora do apartamento logo em seguida.

O que mais poderia dar errado em um jantar com a sua noiva e as suas duas melhores amigas?

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