Raphael Talvez parte de mim entendesse que eu precisava de tempo para colocar as coisas em perspectiva – ou talvez fosse ele quem precisasse de tempo para se acostumar com o fato de que eu, e não Dante, deveria ocupar seu lugar.— Achei que concordamos que eu ficaria no Rio, papà – respondi, mantendo a voz controlada, mas firme. — Os negócios aqui estão progredindo, e eu estou lidando com as ameaças de forma direta. Preciso de mais tempo para resolver tudo isso. A última coisa que quero é deixar um problema inacabado que possa voltar a nos assombrar.Ele não respondeu de imediato. O silêncio foi cortado apenas pelo som baixo da respiração dele. Era como se ele estivesse considerando cada palavra, como se buscasse uma maneira de dizer o que precisava sem abrir brechas.— Raphael, é sua responsabilidade lidar com a família inteira, não apenas com parte dela – disse, finalmente, com uma dureza que me atingiu em cheio. — Não pode simplesmente escolher onde quer estar. Seu lugar é aqui. V
RaphaelDesliguei o telefone e respirei fundo, deixando que as palavras dele ecoassem em minha mente por mais alguns segundos. A noite estava escura, e o silêncio da varanda parecia se estender até o horizonte. Senti o vento frio contra minha pele, e por um breve instante me perguntei se eu estava pronto para voltar, para assumir o controle completo de um império que exigia tanto e retribuía tão pouco. Mas a resposta estava lá, nas entrelinhas, na voz de papà e no destino ao qual eu sempre soube que estava amarrado.A Cosa Nostra não permite escolhas. Ela apenas oferece responsabilidades. E agora, mais do que nunca, estava claro que o que me aguardava na Sicília não era apenas uma viagem de negócios. Era um teste, uma prova final para ver se eu era realmente digno de carregar o nome da família, de sustentar um legado que poucos entenderiam. Era isso que papà queria – a certeza de que, no fim das contas, eu seria a mão firme que guiaria tudo.Entrei novamente no quarto, vendo Donatella
RaphaelAo sair do aeroporto em direção à Sicília, o peso de cada passo parecia dobrar sobre meus ombros, esmagando qualquer vestígio de vontade que eu pudesse ter de sorrir ou fingir indiferença. Estava voltando para o lugar onde tudo começou, para as raízes que tentei negar ao cruzar o oceano. Mas não sou mais o mesmo rapaz que foi embora em busca de uma nova vida no Brasil, livre dos encargos da Cosa Nostra. O destino, como sempre, tinha um jeito cruel de me lembrar quem sou e onde pertenço.Lá do alto, à medida que o avião se aproximava da Sicília, observei a extensão da minha “herança” — aquela ilha banhada pelo mar, carregada de história, e agora, de responsabilidades que eu não pude escolher. Enquanto meus olhos percorriam o litoral, cada ponto daquela terra sagrada parecia cobrar uma promessa silenciosa que eu fiz sem perceber: voltar e cuidar dos negócios da família.Ao cruzar as ruas que conheço de cor, onde meus primeiros passos foram dados e onde meu pai me ensinou o que s
DonatellaEstou sentada sozinha nesse apartamento enorme, cercada por paredes de luxo e silêncio. O vazio é ensurdecedor. Raphael partiu há uma semana, deixando-me para trás com essa ausência que parece pesar em cada canto da sala, onde sua presença ainda parece pairar, mas distante. Sem uma palavra de despedida que durasse mais que o momento, sem um abraço que pudesse preencher essa sensação de desamparo que cresce em mim. Só deixou a promessa de que voltaria logo, como se a distância pudesse ser apenas um detalhe, algo que eu ignorasse. Mas como posso ignorar o tamanho dessa distância que agora se alarga entre nós?Seu destino? Itália. O lugar onde tudo começou. Onde a vida que ele tenta, às vezes, manter distante daqui, na verdade nunca o abandona. A Cosa Nostra. Sua família, a história, o legado. Ele agora está com o pai, o patriarca da família, que o convocou de volta. Raphael não hesitou em atender ao chamado, é claro. Negócios da família, foi o que ele me disse, sem mais detalh
DanteDespertei com o sol invadindo meu quarto pelas cortinas entreabertas. Outro dia em meio a essa mansão que, embora imponente, nunca me trouxe verdadeira paz. A Sicília tem esse contraste: é bela, mas carrega um peso constante, o peso de um legado que, por muito tempo, achei que seria exclusivamente meu. Vesti-me sem pressa, sentindo o cheiro do café que já estava sendo preparado na cozinha. O aroma preenchia os corredores de pedra fria, um convite ao ritual matinal de qualquer homem da nossa família.Caminhei até a sala de jantar, esperando o mesmo cenário de sempre: silêncio, solidão e a ocasional presença de meu pai, que passava mais tempo resmungando do que conversando. Mas assim que atravessei a porta e vi Raphael sentado à mesa, um aperto se formou em meu est&ocir
DanteEu estava sentado no escritório, os cotovelos apoiados na mesa, os dedos entrelaçados. O cheiro do café ainda pairava no ar, mas o sabor amargo em minha boca não vinha da bebida. Era outra coisa. Algo que eu tentava enterrar há anos, mas que agora, diante do que Raphael havia dito, ameaçava voltar à superfície com força total. Ele veio sem Donatella. Era uma frase simples, quase banal, mas carregava um peso que apenas eu parecia perceber. Ele não trouxe Donatella com ele para a Sicília. E mais do que isso, parecia que ele não se importava em justificar o motivo. Sua explicação foi vaga, desprovida de emoção, como se ela fosse apenas mais um detalhe insignificante entre todas as outras coisas que ele deixou no Brasil. E isso me incomodava mais do que eu queria admitir. Tentei me concentrar no motivo pelo qual estávamos ali: negócios. A Cosa Nostra exigia nossa atenção. Raphael, por mais que tivesse tentado escapar dessa responsabilidade ao ir para o Brasil, agora era o Do
RaphaelA manhã na Sicília sempre teve um aroma especial, uma mistura de maresia com o perfume das laranjeiras ao longe. Mas para mim, o ar não era leve, e sim pesado, carregado com a pressão de uma dinastia que meu pai ergueu e que agora repousava sobre meus ombros. O café que tomei com Dante ainda deixava um gosto amargo na boca, mas a razão não era a bebida. Era o silêncio dele. Sabia que algo estava incomodando Dante. Ele tentou disfarçar, mas eu o conhecia bem demais. Talvez fosse o fato de eu ter vindo sem Donatella. Não era uma decisão fácil, mas foi necessária. Ela não tinha lugar aqui, não agora, não com tudo o que está acontecendo. Caminhei pelo corredor da casa que crescemos, sentindo o peso das paredes decoradas com quadros de nossos ancestrais. Gerações que derramaram sangue para manter o poder. Meu pai me esperava em seu quarto, mais frágil do que eu jamais havia imaginado vê-lo. Conversamos brevemente, e eu prometi que faria tudo para honrar o legado dele. Quando
Raphael Dante ficou em silêncio por alguns segundos, o que para ele era um feito raro. Seu olhar permanecia sobre mim, intenso, como se tentasse ler pensamentos que eu mesmo não ousava confessar. Ele finalmente deu de ombros e saiu do escritório, deixando apenas o rastro de sua frustração no ar. Eu respirei fundo, fechando o envelope com força demais, o papel amassando sob meus dedos. Tudo parecia estar desmoronando ao mesmo tempo: os negócios da família, a traição dos aliados e, é claro, Dante. Ele sempre foi meu pilar, mas ultimamente parecia mais uma rocha que ameaçava desabar e me esmagar. A cadeira de couro rangeu quando me recostei, os olhos fixos no teto. Por um breve momento, o rosto de Donatella cruzou minha mente, mas afastei o pensamento tão rápido quanto ele surgiu. Não era hora para distrações. Fui interrompido por uma batida suave na porta. — Entre. Era Luca novamente. Ele estava com pressa, o rosto marcado por uma mistura de urgência e preocupação. — Don Ra