RaphaelA manhã na Sicília sempre teve um aroma especial, uma mistura de maresia com o perfume das laranjeiras ao longe. Mas para mim, o ar não era leve, e sim pesado, carregado com a pressão de uma dinastia que meu pai ergueu e que agora repousava sobre meus ombros. O café que tomei com Dante ainda deixava um gosto amargo na boca, mas a razão não era a bebida. Era o silêncio dele. Sabia que algo estava incomodando Dante. Ele tentou disfarçar, mas eu o conhecia bem demais. Talvez fosse o fato de eu ter vindo sem Donatella. Não era uma decisão fácil, mas foi necessária. Ela não tinha lugar aqui, não agora, não com tudo o que está acontecendo. Caminhei pelo corredor da casa que crescemos, sentindo o peso das paredes decoradas com quadros de nossos ancestrais. Gerações que derramaram sangue para manter o poder. Meu pai me esperava em seu quarto, mais frágil do que eu jamais havia imaginado vê-lo. Conversamos brevemente, e eu prometi que faria tudo para honrar o legado dele. Quando
Raphael Dante ficou em silêncio por alguns segundos, o que para ele era um feito raro. Seu olhar permanecia sobre mim, intenso, como se tentasse ler pensamentos que eu mesmo não ousava confessar. Ele finalmente deu de ombros e saiu do escritório, deixando apenas o rastro de sua frustração no ar. Eu respirei fundo, fechando o envelope com força demais, o papel amassando sob meus dedos. Tudo parecia estar desmoronando ao mesmo tempo: os negócios da família, a traição dos aliados e, é claro, Dante. Ele sempre foi meu pilar, mas ultimamente parecia mais uma rocha que ameaçava desabar e me esmagar. A cadeira de couro rangeu quando me recostei, os olhos fixos no teto. Por um breve momento, o rosto de Donatella cruzou minha mente, mas afastei o pensamento tão rápido quanto ele surgiu. Não era hora para distrações. Fui interrompido por uma batida suave na porta. — Entre. Era Luca novamente. Ele estava com pressa, o rosto marcado por uma mistura de urgência e preocupação. — Don Ra
Raphael A madrugada chegou com uma quietude inquietante. Estávamos a caminho do depósito dos Spinelli, nossos veículos cortando as ruas escuras como sombras. Eu estava no carro da frente, com Dante ao meu lado.— Está pronto para isso? — ele perguntou, quebrando o silêncio.— Sempre.Quando chegamos ao local, tudo aconteceu rápido. Os guardas foram neutralizados antes que pudessem dar o alarme, e logo estávamos dentro do depósito. O cheiro de madeira velha e combustível preenchia o ar enquanto nossos homens espalhavam explosivos.— Isso vai acabar com eles — disse Dante, observando as caixas de mercadorias que representavam uma fortuna para os Spinelli.Antes que eu pudesse responder, um tiro ecoou no ar.— Emboscada! — gritou um dos nossos homens.O caos tomou conta do depósito. Tiros vieram de todos os lados, e eu me joguei atrás de uma pilha de caixas, puxando minha arma. Dante estava ao meu lado, seu rosto iluminado pela adrenalina.— Eles sabiam que estávamos vindo! — ele gritou
Dante As chamas lambiam o céu como se quisessem tocar as estrelas, mas tudo o que conseguiam era tingir a noite de vermelho. O calor ainda era intenso, mesmo a distância, mas o frio que se instalava em mim vinha de outro lugar. Enquanto observava o depósito dos Spinelli ser consumido, minha mente viajava para longe dali. Raphael estava ao meu lado, a postura rígida e o olhar afiado. Eu sabia que ele estava planejando os próximos passos, como sempre fazia, mas meu pensamento insistia em retornar a Donatella.Aquela mulher era um enigma. Forte e doce ao mesmo tempo, com um olhar que poderia desarmar até o mais endurecido dos homens — e isso incluía a mim. E agora, no meio de todo esse caos, a necessidade de ouvi-la, de ter certeza de que estava bem, consumia minha mente. Mas como eu poderia ligar para ela? Não agora, não enquanto as chamas ainda ardiam e Raphael estava a poucos metros de mim, sempre atento a cada movimento meu."Você está me enfraquecendo, Donatella", pensei, apertando
DonatellaFaz semanas desde a última vez que Raphael foi para Sicília. A ausência dele se tornava cada vez mais insuportável, mas o que mais me incomodava era o silêncio. Um silêncio que parecia gritar segredos, mistérios que ele não estava disposto a dividir comigo. Desde que foi para a Itália, o único contato que tive foi uma ligação breve de Dante, como se Raphael não tivesse tempo para mim, mas tivesse para confiar a seu irmão o papel de intermediário. Eu estava exausta. A responsabilidade de cuidar da empresa enquanto Raphael estava fora era pesada, mas eu aceitaria o desafio sem hesitar. Era o mínimo que podia fazer por ele, por nós, por tudo o que construímos juntos. Mas a notícia que recebi ao chegar ao escritório naquela manhã foi como uma faca no coração. — Vendida? Como assim, vendida? — perguntei, a voz saindo mais alta do que pretendia. O advogado que me entregou a papelada desviou o olhar, visivelmente desconfortável com meu tom. — Senhorita Donatella, os documen
RaphaelUma semana antesO corredor da mansão estava mergulhado em um silêncio que parecia ainda mais pesado do que o habitual. Minhas botas ecoavam no mármore frio enquanto eu caminhava em direção ao quarto do papá. O som ritmado dos passos era quase tranquilizador, mas a verdade era que minha mente estava longe de estar em paz. O senhor Esposito tinha saído há pouco, e suas palavras ainda ressoavam na minha cabeça. "Seu pai está respondendo bem ao tratamento. Com descanso e cuidados, há uma boa chance de recuperação." Era um alívio ouvir aquilo, mas também trazia um peso adicional: o de garantir que nada ameaçasse essa estabilidade. Cheguei à porta entreaberta do quarto e parei por um momento, ajustando meu paletó. Respirei fundo antes de entrar, adotando a postura firme que ele sempre esperava de mim, mesmo agora, em sua fragilidade. — Papá? — chamei, suavemente, enquanto empurrava a porta. Ele estava sentado em sua poltrona próxima à janela, envolto em um robe escuro. O ol
AlexandraO sol estava forte naquele dia, queimando minha pele pálida enquanto eu me recostava na parede de concreto do pátio. Ao meu redor, outras presas conversavam em murmúrios ou gargalhavam de maneira exagerada, como se aquelas risadas fossem uma espécie de resistência ao ambiente opressivo. Para mim, era só mais um dia. Um dia a menos aqui dentro, ou um dia a mais — dependendo de como se olhava.Fechei os olhos por um momento, tentando me desligar da cacofonia ao meu redor. Mas então ouvi um som distinto: botas batendo no chão. Pesadas, determinadas. Aquele som tinha se tornado familiar, e minha intuição estava certa. Abri os olhos e o vi.O mesmo policial do outro dia, o que parecia saber mais do que deveria. Ele andava com aquele ar de superioridade que a maioria dos guardas adorava ostentar aqui dentro. Mas nele havia algo diferente, algo mais calculado, como se cada passo fosse parte de um plano maior.Levantei-me devagar, limpando a poeira do uniforme cinza que usávamos aqu
AlexandraO silêncio da cela era apenas quebrado pelo som das páginas do livro que eu lia. Ou fingia ler. Meus olhos corriam pelas palavras, mas minha mente estava longe, em qualquer outro lugar que não fosse aquele cubículo claustrofóbico de concreto. As horas se arrastavam, e cada segundo parecia uma eternidade.Eu estava no meio de uma frase quando ouvi passos ecoando pelo corredor. Pesados, firmes, inconfundíveis. Olhei de relance para a porta da cela e vi o mesmo policial de antes. Aquele que adorava bancar o engraçadinho sempre que podia.— Alexandra — chamou, segurando as grades como se fosse o dono do lugar.Levantei os olhos do livro, mas não fiz questão de esconder minha cara de poucos amigos.