- É uma honra te conhecer. – ele diz esticando a mão na direção de Liza, o sotaque mais arrastado deixando o seu inglês charmoso. – Parabéns pelo pódio de hoje, fez uma bela corrida.
- Obrigada! – ela responde apertando a sua mão, no entanto Lacroix a vira delicadamente e pousa um beijo rápido lá. – Deixa eu adivinhar, francês.
- Monegasco. – ele afirma alegre.
- Nunca conheci um monegasco antes. – ela comenta. – Você sabe, não tivemos corrida lá essa temporada.
- Espero causar uma boa primeira impressão, então. – ele diz sorrindo e Liza nota que os olhos verdes sorriam junto.
- Parabéns pela posição na classificação geral, foi uma temporada e tanto. – ela diz.
- Foi dura, mas fico feliz por ter ficado entre o top cinco. Obrigado.
Fábio olha de um à outro antes de dizer: - Acha que os outros vão demorar, Charlie? Já podíamos ir indo até a mesa.
- Ah, o Carlos não vai poder comparecer. Ele foi para Madrid logo que entrou de férias, já que a temporada encerrou mais cedo esse ano, e está aproveitando os últimos dias já que os treinos vão ser intensos a partir de janeiro. - ele se referia ao outro piloto oficial da escuderia – O Matias já está a caminho, mas acho que nós podemos ir nos adiantando sim.
- Então, - Fábio se vira ao recepcionista – a nossa mesa. Por favor.
O concierge os guia pelo salão repleto de mesas lustradas e bem decoradas com toalhas de linho caro em tons pastéis, compostas por pessoas bem vestidas que conversavam discretamente; garçons ágeis transitavam com bandejas em mãos; e lustres de cristais pendiam do teto de gesso bem moldado onde pinturas angelicais davam um ar de catedral, complementando o ambiente requintado.
- Aqui, senhores. Senhora. – o rapaz indica a mesa de seis lugares e puxa a cadeira para Liza.
- Obrigada.
Charlie se senta à sua frente e Fábio ao seu lado.
- Aqui estão os menus. – ele diz enquanto distribui o livro fino de capa de couro e folhas grossas – Fiquem à vontade para me questionar sobre qualquer dúvida e estarei a disposição caso queiram sugestões. Alguma bebida até que os demais cheguem?
- Por enquanto, estamos bem?! – Charlie olha aos demais, que assentem. – Vamos dar uma olhada e te avisamos, obrigado.
O rapaz assente e se afasta.
- Tudo aqui parece ser tão bom. – Liza comenta correndo os olhos pelas fotos coloridas e bem ilustradas. – É uma pena que eu não possa comer a maioria dessas coisas.
- Dieta balanceada? – Charlie questiona fazendo uma careta.
- É. – a jovem ri anasalado, abaixando o cardápio. – Me fala, do que adianta viajar para países diferentes se você não pode conhecer a culinária local? É uma tortura.
- Nem me fale, - ele diz, também abaixando o livro – eu adoro comer carne. E logo quando estava no Brasil a minha nutricionista me colocou em uma dieta de verduras e legumes porque o meu colesterol estava ameaçando subir. Eu quis morrer.
- Você já foi ao Brasil, eu sou de lá. – ela comenta animada. – O que achou do país?
- É um dos meus países favoritos, digo, o circuito de lá é sensacional. – ele relata – Gosto do calor, a cultura divertida, musica boa, comida deliciosa e as pessoas mais alegres que eu já conheci. Gosto de tudo de lá.
- Sou suspeita em falar, claro. Mas eu amo meu país. – ela diz como uma boa patriota – Teve algum rumor que você ouviu sobre o Brasil que viu depois que era mito? – ela questiona – Porque antes de ir para Abu Dhabi eu jurava que ia ter que usar burqa, abaya, ou véu enquanto estivesse lá. Chegando lá vi que a maioria estava com roupas normais, aí eles me explicaram que o único lugar em toda a cidade em que realmente precisa se vestir assim é para visitar o Grand Mosque. Não levei nem um biquíni para ir à praia porque achava que ia para cadeia caso usasse.
Charlie ri junto de Liza.
- Bom, eu ouvi dizer que as brasileiras são as mulheres mais bonitas no mundo. – ele a encara com uma sobrancelha arqueada e um sorriso cumplice sob os lábios – E acabei de comprovar que isso é a mais pura verdade.
Liza sorri e sente suas bochechas esquentarem.
- Me desculpem pelo atraso, meus queridos. – um homem alto, de óculos redondos presos sob o nariz longo e fino, cabelos encaracolados e cheios diz ao se aproximar da mesa de forma afobada. Ele caminha até Liza, que se levanta, e ergue a mão. – Eliza Benedetti, a próxima promessa para a Fórmula 1.
- Agora que foi você quem falou, eu acredito nisso. – ela diz e o homem ri. – É um prazer, Sr. Gionotto.
- Por favor, sem formalidades. Me chame de Matias. Parabéns por mais uma bela corrida. – ele salda – Você está fazendo história na F2, minha cara.
- Obrigada, significa muito para mim.
O homem se direciona à Fábio, que se levanta já estendendo sua mão: - Fábio Benedetti, tio, amigo e agente nas horas vagas.
- É claro que eu conheço você, foi quem entrou em contato conosco antes da temporada começar. – Matias diz. – Ainda bem que o Angél e René não a deixaram escapar, caso contrario não teria garantido a vaga dela na Academia da Findspot para o ano que vem.
- Ah Meu Deus, - Liza não controla o sorriso que se alarga. – para o ano que vem?
- Com toda a certeza. – Matias afirma caminhando até a cadeira próxima e se acomodando, os demais também se sentam. – Daqui a alguns anos estará na mesma equipe que a do nosso garoto aqui. – ele aponta para Charlie que sorri. – A Findspot teria um imenso prazer em ter você como nossa pilota de testes.
- Pilota de testes? – Liza repete, o sorriso murchando gradativamente.
- É claro, seu talento é inigualável. Nossos engenheiros ficarão animados em trabalhar com você. – Matias diz e ergue sua mão, olhando para os lados. – Garçom!
Liza recorre com o olhar ao tio, que tem a expressão ofendida. Ele limpa a garganta.
- O nosso objetivo com a Lizzie, Matias, não é nos limitarmos à pilota de testes. – Fábio diz sério. – Sabemos que todos os pilotos passam por essa fase, assim como ela vai passar também. Mas estamos pensando em ir além, pilota reserva, até como pilota titular. Se a Findspot garantir que ela tem chance de crescimento, com certeza seremos ótimos juntos.
- Titular? – Matias ri fraco. – Temos que ser realista, meus queridos, a vaga de piloto titular de uma construtora que compete na Fórmula 1 é a mais disputada no mundo automobilístico. Principalmente a vaga na Findspot. Não digo que é impossível, mas as chances de uma mulher conseguir esse feitio, por mais jovem que seja, é quase nula. Não basta só ter o talento, tem inúmeros outros fatores que se agregam. Fatores que pelo gênero, você não tem.
- Sr. Gionotto, - Liza sorri entredentes – não acha que para uma mulher eu já não superei expectativas demais? Como você disse estou fazendo história, e não tenho intenção de parar. Minha intenção é quebrar recordes.
- E ela tem tanta chance quanto qualquer outro. – Fábio complementa.
- É uma fala visionária. – o homem sorri. – Mas não a culpo, a público tem a superestimado. Eles têm muita expectativa em você.
O garçom se aproxima da mesa e indaga educadamente: - Estamos esperando por mais alguém?
- Não. – Eliza diz tirando o celular de dentro da sua bolsa minúscula por baixo da mesa. – A Cris avisou que não vai poder comparecer, ela pede desculpas aos senhores, mas está presa em uma reunião e não conseguirá sair de lá cedo. Negócios, vocês sabem.
- Sem problemas. – Matias sorri e se vira ao garçom. – Então já farei o meu pedido.
- Não tinha dito que ela viria mais tarde? – Fábio pergunta à sobrinha aos murmúrios.
- Não vale a pena a perca de tempo. – ela responde no mesmo tom, enquanto digitava no celular uma mensagem avisando que ela não precisava comparecer.
Eles fazem os pedidos que não demoram à chegar, fato que Liza agradeceu mentalmente visto o silêncio constrangedor que havia assumido a mesa. Ela tinha tanta coisa para perguntar, além de dizer o quanto admirava o trabalho do engenheiro, mas o banho de água fria havia travado a sua língua.
A última coisa que ela queria era trabalhar com alguém que não estava aberto para testar o seu potencial, então ela mesma descartara qualquer chance que poderia ter com a famosa escuderia. Teria outras oportunidades. Ele não seria o último à procura-la, ela tinha que confiar nisso.
Depois da refeição Matias sorri antes de dizer: - Foi uma noite muito agradável e esclarecedora. Srta. Benedetti, sua vaga conosco continua de pé, caso venha a mudar de ideia.
- Obrigada, Sr. Gionotto. Mas creio que não vou.
- Tudo bem. – Matias sorri. O sorriso educado inabalável, apesar das farpas trocadas – Se me derem licença, eu vou me retirar. Muito obrigado pelo convite, espero vê-la no sábado. – ele se levanta e os outros três o acompanham, apenas por formalidades – Charlie?
- Acho que vou ficar para a sobremesa. – o rapaz diz, surpreendendo à todos. – Aproveitar a noite de folga. – e dá de ombros.
- Então tá bom, só não extrapole. – ele assente e pega na mão de cada um. – Aos que ficam, uma boa noite.
- Tchau. – os três dizem em conjunto.
Logo que o homem se retira, Fábio se vira para a sobrinha: - Lizzie?
Ela encara Charlie por um instante, que está com um sorriso tímido, e diz: - Acho que podemos ficar para a sobremesa. Já estamos aqui mesmo.
- Tudo bem. – o tio sorri. – Se me deem licença, vou ao toalete.
Charlie e Liza voltam a se sentar.
- Eu não tenho como expressar o quão embaraçoso foi isso... – Charlie começa.
- Olha, me desculpe, eu não quero ser rude com você. – ela o interrompe – Mas se vai seguir a mesma linha que o seu chefe não serei mais tão educada.
- Não. – ele ri. – Quis dizer embaraçoso para ele. Desculpe-me por tudo isso, foi realmente desnecessário.
Liza arqueira as sobrancelhas surpresa.
- Ele perdeu uma oportunidade divina de ter você na nossa equipe. – o rapaz continua. – Eu não só acredito que você consiga ser pilota titular da F1, como vai ultrapassar os veteranos e agregar muito valor na equipe que tiver a sorte de ter você. Aposto que outras construtoras que tenham essa visão vão brigar para te ter. Matias não é um cara machista, mas é teimoso e antiquado. Vai ter que aprender na raça que os tempos são outros e as mulheres já estão tomando o seu devido lugar no esporte.
Liza sorri verdadeiramente.
- Você é um homem sensato, Charlie. – ela elogia.
- E gostaria de ter a chance de salvar essa noite terrível, vamos só esquecer que Matias foi um idiota. – ele joga a mão por cima do ombro, de modo representativo. – Eu vim aqui para conhecer a pilota de quem todos estão falando e estou gostando cada vez mais dela.
O garçom se reaproxima, interrompendo a conexão de olhar dos dois: - Permita-me sugestões para a sobremesa.
- Pode ficar para mais tarde, por enquanto vou querer uma cerveja. – Charlie diz, mostrando suas covinhas ao sorrir. – Estava doido para ele ir embora para poder beber em paz. Madame?
- Eu vou ter que te acompanhar. – ela sorri de volta e mira o garçom. – Duas cervejas, por favor.
Quando Fábio retorna do banheiro ele encontra os dois conversando e rindo feitos bons velhos amigos.
- Então você prefere não usar a DRS. – ela comenta risonha – Como você a chamou mesmo?
- Dispositivo de salvação dos precários. – ele ri. – Não me leve a mal. Imagino que você já deva ter usado, eu também já usei e vários pilotos aderiram, mas é uma ferramenta apelativa. Facilita muito o trabalho do piloto, mas tira toda a magia de você ter que lutar para se manter na competição. Perdeu a graça disputar uma ultrapassagem.
Liza ri e concorda.
- Provavelmente as pessoas devem perguntar isso muito à você, mas você prefere que te chamem de Charlie ou Charl? – ela questiona evidenciando a pronuncia do L no final, como os franceses costumam fazer.
- Acho que prefiro que você me chame de Charl, seu sotaque francês é adorável. – ele ri de modo jocoso e ela joga o guardanapo limpo em sua direção, apesar de rir.
- Eu dei tudo de mim neste sotaque. – ela toma um gole da cerveja controlando o riso.
- Tudo bem, aposto que não pronuncio Éliza tão bem quanto você pronuncia meu nome.
Ambos voltam a rir.
- Por favor, me chame de Lizzie. – ela pede.
- Perdi alguma coisa? – Fábio questiona sentando-se.
- O Charl aqui, - eles riem – é um cara legal. Ele estava me contando de quando também correu pela Pruma na F2.
- Época difícil. – o rapaz diz balançando a cabeça em negativa. – As pessoas se comiam vivas. Os pilotos, as escuderias, todos sonhando com uma chance na F1, claro. Já vi de tudo, até soco na cara. Você vai ver que quando passar para a F1 as coisas tendem a ficar mais tranquilas.
Eliza assente, apesar de não ter tido experiências desagradáveis com os adversários até então. Contudo estavam pouco mais do meio da temporada e muita coisa ainda poderia acontecer, e ela sabia que era só ter dedicação para passar por isso ilesa. Como já vinha fazendo, não podia reclamar. Tinha comentários, rumores e pessoas maldosas, mas nada mais do que o já esperado.
Eles riram e conversaram por horas, o que não faltava era assunto entre os dois. Já havia mais de quinze garrafas de cerveja vazias sobre a mesa – visto que eles dispensaram as taças –, camisas desabotoadas, cabelo preso e saltos largados debaixo da mesa, quando Fábio anuncia: - Bom, este resto de noite foi completamente agradável, mas acho que está na minha hora, crianças.
- O que, mas já? – Liza pergunta e procura o relógio de pulso, se surpreendendo com a hora. – Porra, já é meia noite e meia.
- Impossível. – Charlie diz antes de verificar a tela do celular. – Uau, a hora passou voando.
Eliza olha o salão ao seu redor e nota que a maioria das mesas estavam limpas e vazias, fora a deles mais quatro mesas estavam ocupadas.
- Pois é. – Fábio pronuncia se levantando – Eu não quero ser indelicado, mas tem uma cama e robe me esperando no meu quarto do hotel. Charlie, foi um prazer, rapaz. – o garoto se levanta e aperta a mão de Fábio – Você é gente boa, não deixe que eles tirem isso de você.
- Pode deixar.
- Lizzie, posso falar com você por um instante?
- Claro. – ela diz, apesar de franzir a testa em confusão.
- Podem ficar. – Charlie fala antes que a jovem se levantasse – Eu estava com vontade de ir ao banheiro mesmo. – e se retira.
- O que? – ela pergunta ao tio quando o rapaz se afasta o suficiente.
- Nunca fui bom nessas coisas de sermão ou aconselhamentos, mas não dirija alcoolizada, tenha juízo e use camisinha.
- O que? – ela indaga rindo. – Não tem porque eu usar camisinha.
- Não te ensinaram isso na escola? – ele rebate com a testa vincada, extremamente desconcertado. – Tem as doenças sexualmente transmissíveis, gravidez...
- Não. – ela o interrompe de imediato, rindo. – Não é isso. É que não tem por que eu usar porque não vou transar.
- Claro. – o tio diz ironicamente e rindo. – Qual é, eu fiquei aqui de vela a noite inteira. Vocês dois estavam praticamente se comendo com os olhos e eu nunca vi você falar tanto assim em toda minha vida. Meu deus, como vocês têm assunto.
- Nos demos bem, foi isso. – ela dá de ombros – Ele é um cara legal, mas isso não quer dizer que vamos transar.
- Tá, negue o quanto quiser. – ele cruza os braços. – Nós dois sabemos que existe uma tensão sexual por aqui. Eu tô indo embora porque tava quase me afogando nela.
- Não, tio. – ela nega séria. – Não tem nada haver. Eu não tenho tempo para isso...
- Relaxa. – ele a interrompe. – Você já está bem encaminhada, focada o bastante em sua carreira e agora precisa relaxar. Semana do descanso, lembra?
- Mas isso...
- Se não for com ele, seja com quem for, um pouco de sexo de vez em quando faz bem. Sabia? – ele ri. – Vocês não tem que casar e sua carreira não vai acabar porque você deu umazinha com um cara. Afinal, você não tem intenção de entrar na Findspot mesmo. – ele dá de ombros – Todo mundo tem direito de ter uma vida sexual. É só pra descontrair. Que nem na época da faculdade.
- Tá falando pra eu reincorporar a época do sexo sem compromisso?
- Isso! – o tio afirma sorrindo – Não precisa forçar nada, deixa as coisas fluírem. Tá na cara que ele gostou de você. E eu te conheço o suficiente para saber que você gostou dele.
- Mas ele é piloto. – ela destaca receosa. – E, não sei, não fiquei com ninguém depois do Fael.
- Fael já deve estar em outra e tudo bem porque agora vocês são só amigos. Lembra? – Fábio atenua – E se o cara é piloto, e daí? – ele descruza os braços – Ele não tá no mesmo campeonato que você, está?
Eliza arqueia uma sobrancelha, considerando a sua situação.
- Ele está voltando e eu estou indo. – Fábio diz e dá um beijo em sua bochecha, só para sussurrar em seu ouvido. – Boa trepada, vai tirar essa tensão do corpo. Só não deixa a Cris saber.
Ela gargalha assim que o tio se afasta, logo Charlie está de volta à mesa.
- Ele teve mesmo que ir embora? – Charlie pergunta depois que o garçom trás outra rodada de cerveja. – É um cara legal.
- Sim. – ela ri, recordando-se da declaração do tio – Só que ele está cansado, sabe. A Cris o coloca para trabalhar nos bastidores das corridas, fazer campanhas, correr atrás de patrocínios e digamos que ele não estava muito acostumado com tanta responsabilidade. – não era de um todo mentira.
- Cris? – ele repete.
- Cristiane Ricci, minha empresária. – ela explica.
- Caraca, ela voltou aos negócios? – ele indaga contente. – Fico feliz por ela.
- Vocês se conhecem? – Eliza indaga surpresa.
- Sim. Ela gerenciava a carreira de um amigo próximo meu, boa empresária. – ele toma um gole da cerveja – Eu tinha um pouco de medo dela, mas ela era boa.
- Ela dá um pouco de medo em mim às vezes também. – ela ri. – Desculpa perguntar, mas por que ela deixou de gerenciar ele? Sabe, até agora ela tem sido maravilhosa, mas gostaria de me preparar se algo acabar dando errado.
O sorriso de Charlie diminui gradativamente e seus olhos ficam vidrados na cerveja em sua mão. Liza se arrepende da pergunta no mesmo instante. Quando está para se desculpar e pedir que esquecesse o assunto, ele fala: - Ele sofreu um acidente.
A garganta de Eliza seca.
- Acho que foi o último acidente fatal da Fórmula 1. – ele continua com a voz rouca. – Ele não resistiu devido às lesões.
- Eu sinto muito, Charlie. – ela pousa a mão sobre a dele por cima da mesa, o rapaz sente um arrepio passar por seu corpo. – June Biacco era seu amigo, eu não sabia.
Eliza conhecia a história do trágico acidente do jovem e promissor piloto de Fórmula 1, havia sido exatamente por causa do acontecimento com ele que os pais dela haviam a tirado do esporte. Na época o evento havia chocado todo o público do automobilismo como os demais. Foi trágico, fatal e triste.
Quando Eliza e o tio haviam puxado o histórico da empresária que tinha recentemente retornado às atividades na intenção de contrata-la, não havia imaginado que aquele tinha sido o seu último cliente.
- Ele era meu padrinho. Era um cara legal. – Charlie sorri triste, erguendo os olhos até os dela. – Foi um choque para todo mundo, ninguém esperava que acontecesse, claro. Ele tentou resistir, lutou com todas as forças para se manter vivo. Mas as sequelas eram irreversíveis. E, enquanto ninguém tinha condição alguma de se preparar para o que todos sabíamos que iria acontecer, Cris tomou a frente. Ela cuidou de tudo mesmo que não fosse sua responsabilidade. Ela fez questão, eles eram muito próximos. – ele suspira – Portanto, sim, ela é uma boa empresária, boa pessoa... Você não poderia estar com pessoa melhor ao seu lado.
- Claro. – ela sorri, buscando a sua garrafa de cerveja já na metade e a ergue no ar – À June.
- À June. – ele repete o ato e os dois viram a cerveja garganta adentro.
O garçom não espera pelo pedido, já trazendo mais uma rodada de cerveja.
- Obrigada. – ela agradece e o rapaz sorri antes de se retirar. Liza se vira para Charlie – Desculpa, não queria fazer o clima ficar tão pesado.
- Tudo bem. – Charlie sorri fraco.
- Vamos falar de outra coisa além de corrida, falamos sobre isso a noite toda. – ela diz, tentando contornar a situação. – O que você gosta de fazer, além de, claro, correr?
- Gosto de velejar, nadar. – ele sorri feliz, talvez recordando-se de um momento no mar. – Jogo bastante videogame, funciona mais como um simulador para corrida – ele ri – e tocar piano.
- Você sabe tocar piano? – ela questiona admirada, ele assente. – Eu sempre quis aprender a tocar, acho muito bonito. Mas minha mãe preferiu me colocar na aula de francês, italiano e espanhol.
- Aussi beau que. – ele diz “Tão bonito quanto” em francês.
- Je continue avec le piano. – Liza responde “Eu fico com o piano, mesmo”.
Charlie sorri.
- Você... Poderia? – ela questiona divertida, indicando o piano preto de calda no canto do salão.
Ele segue o seu olhar e volta aos olhos dela.
- Será que eles não vão se incomodar? – ele rebate indicando o grupo de garçons parados próximos às portas da cozinha, que só esperavam os dois pedir a conta para encerrar o expediente.
- Acho que eles deixariam até a gente se pendurar no lustre se formos embora logo. – ela diz e ambos riem.
- Sendo assim. – Charlie ergue o braço, chamando um dos garçons, que se aproxima rapidamente. – Amigo, trás mais duas cervejas para nós e pode fechar a conta, por favor.
- Vou providenciar, senhor. – o rapaz diz e se afasta.
Charlie se levanta e estende a mão para Liza, ela pega os saltos de baixo da mesa e a bolsa antes de agarrá-la para juntos irem até o piano. A última coisa que ela iria se importar agora era com as etiquetas.
Ele se senta na banqueta com ela ao seu lado e levanta a tampa do teclado.
- Algum pedido especial?
- Me surpreenda. – ela diz cruzando as pernas.
Charlie apalpa as teclas, se familiarizando com as mesmas, para em seguida iniciar uma melodia conhecida sem dificuldade alguma. Aquela era a introdução de Bohemia Rhapsody, do Queen.
Eliza ficou a assistir o rapaz correr os dedos por entre as teclas concentrado, o vinco em sua testa indicava o quão focado estava. Ela mira desde os dedos dele até o seu rosto, neste demorando-se mais porque havia algo familiar e aconchegante naquela face plena com mínimas e adoráveis pintinhas.
Vez ou outra entre os acordes ele sorria e a olhava de canto de olho, flagrando-a com o olhar encantado sobre si.
Charlie não era um homem de muitas exigências ou quem muito escolhia a dedo, mas nunca em toda a sua vida havia se deparado com mulher mais encantadora e que parecia se encaixar em todos os seus padrões.
Simpática, divertida, educada, determinada e, claro, linda. Havia sido fisgado desde quando colocara os olhos nela e, mesmo que não acreditasse em amor à primeira vista, sentia que tinha acontecido com ele àquela noite.
Quando Charlie tocou a última nota da música suspirou e virou-se para Liza, que bateu palmas.
- Isso foi lindo. – ela diz admirada – Obrigada.
Charlie sorri.
O garçom retorna com as duas cervejas e uma caderneta de couro. Ele deixa as duas garrafas em cima do piano e os entrega a caderneta com a conta. Charlie faz uma careta.
- Não quero ir embora agora.
Liza pega uma das garrafas e a leva até a boca. Depois que toma um longo gole, diz: - Eu também não. Mas se não formos, eles vão nos expulsar.
O garçom ri.
Ainda contrariado Charlie tira a carteira do bolso, pega algumas notas e coloca dentro da caderneta, entregando-a ao garçom: - Obrigado amigo, o jantar foi maravilhoso. Meus cumprimentos ao chefe. Pode ficar com a gorjeta.
O garçom agradece, os deseja uma boa noite e se afasta.
- De volta à tortura. – Liza diz ao colocar os saltos de volta.
Charlie ri, mas a oferece o braço como apoio quando se levantam.
Lado a lado eles caminham para fora do restaurante.
- Sabe, acabei de ter uma ideia. – Liza diz quando eles param na calçada. – Eu quero continuar comemorando o pódio de hoje, e você não quer ir embora ainda. Por que não vem comigo no clube onde meus amigos estão?
- Se eu não for atrapalhar...
- Charlie, por favor. – ela ri revirando os olhos teatralmente, ele sorri. – Podemos continuar bebendo. Vai ser divertido.
- Tudo bem, então. – ele diz e ergue a mão à frente – Táxi!
As luzes de neon e ambiente escuro os deixam momentaneamente cegos, mas logo a visão se acostumou. O local é uma boate badalada no centro da cidade, e por isso estava praticamente impossível transitar de um ambiente ao outro, graças ao grandioso número de pessoas. Corpos suados dançavam a batida de uma música eletrônica, pessoas rindo e conversando com copos coloridos em mãos, luzes piscando e correndo pela pista de dança e um bar lotado lembravam Eliza à época de faculdade. Quanta ironia, ela pensa recordando-se da fala do tio de mais cedo.Ela e Charlie vão diretamente ao bar e quando finalmente chegam lá Eliza pede duas cervejas. Enquanto esperam Charlie corre os olhos pela extensão da boate e Liza mira seu rosto animado e sorriso divertido.Que ela estava atraída por ele, não podia negar, mas ela não queria levar os conselhos do tio
Seguindo a linha tênue sobre relacionamentos e suas singularidades já se tem uma predefinição não explícita de que o tempo é um fator imposto e indispensável para se desenvolver intimidade suficiente para gerar amor entre duas pessoas. Isso é um fato. Mas há de se encontrar pessoas que passaram anos de sua vida em um relacionamento estável e não desenvolve o companheirismo, fidelidade, intimidade e integridade com o seu parceiro. Quantas vezes já não ouviu falar sobre casais que com seus sete anos de relacionamento ainda estavam em dúvida de que trocar as alianças seria a decisão certa, quando em outras situações casais que haviam se conhecido em menos de um ano oficializaram a relação sem hesitações e continuaram com a mesma paixão por toda a vida? Liza era uma pessoa que antes acreditava que o tempo era um fator fundamental para que se pudesse surgir sentimentos, tanto que os seus relacionamentos sempre haviam seguido o mesmo roteiro e chegado aos sete mese
O céu azul estava limpo e sem nuvens naquela manhã, o que significava uma grande chance de bom vôo – como o comandante da aeronave fretada para a Pruma Racing havia informado antes de deixarem o chão.Eliza não era muito fã de voar, a ideia de não ter absolutamente nada abaixo de seus pés era simplesmente assustadora, mas passou a se acostumar devido ao número de viagens que fazia a cada duas, se não, toda semana.Contudo, ainda assim, ela não conseguia se sentir confortável o suficiente para dormir e desta forma ficava acordada por mais de seis ou dezoito horas, dependendo o tempo de duração da viagem. Cris vez ou outra a incentivava a tomar medicamentos para dormir, mas ela sempre preferia por evita-los.Na viagem em questão eles já haviam saído de um vôo internacional de quinze horas de Singapura à Turquia para serem transfe
Depois de se livrar da repórter com as perguntas inconvenientes Liza caminha na direção do grupo, que estava a ponto de entrar na garagem da Pruma Racing sem sequer nota-la. Ela os segue e depois que passam as paredes para os bastidores, ela indaga, chamando-lhes a atenção: - O que está acontecendo aqui?Os três viram-se em sua direção espantados a princípio, mas Charlie automaticamente sorri.- Lizzie! – ele diz alegre. – Bom, não era para sermos pegos de surpresa e sim surpreendermos você, mas, aqui está. Feliz aniversário!E indica sua mãe.- Com certeza me pegaram de surpresa. – ela diz sem humor.Patrícia tira os óculos dos olhos e sorri para a filha com eles marejados.- Querida! – ela diz e se aproxima dela, abraçando o seu corpo paralisado. Liza sequer sobe os braços para rode&aacu
Afonso é lançado à prateleira repleta de remédios, que se espalham pelo chão. Charlie segura-o pela gola da jaqueta e o prensa contra a madeira de forma arrogante. O americano tenta se soltar, mas o rosto vermelho e olhos raivosos do monegasco o calam de comentários ácidos ou maiores reações.O corredor está vazio e nem mesmo as câmeras flagram aquele momento de descontrole, contudo ainda se o lugar tivesse repleto de pessoas Charlie não conseguiria se conter por tamanha repulsa e raiva que assumiram o seu corpo.- Foi você! – Charlie esbraveja.- Eu o quê, Lacroix? Tá louco? – o rapaz pergunta alarmado. – Me solta, cara.- Causou o acidente. – o monegasco diz entredentes. – Você fechou o Robert de propósito. Ela poderia ter se machucado feio, Pessoa!- Me larga, Lacroix. – Afonso diz, tentando se so
- Vocês só podem estar brincando comigo.Reunidos na sala de reunião do autódromo do circuito de Barcelona-Catalunha estava o comitê de júri da FIA, sigla para Fédération Internationale de l'Automobile – em português Federação Internacional de Automóvel – que basicamente é a organizadora dos campeonatos de esporte automobilísticos, quem faz seus regulamentos técnico e esportivo, inspeciona circuitos, homologa carros e emite as credenciais para todos os eventos do calendário. Estavam também a diretoria da construtora Pruma Racing, Eliza Benedetti com empresária e agente.Ao lado de fora Charlie, Patrícia, Mike, René e o restante da equipe de engenharia da Pruma aguardavam ansiosamente. Os fiscais haviam convocado uma reunião com urgência para falar sobre algum detalhe da corrida e nenhum deles sequer d
- Uau.É tudo o que o alemão diz depois de Liza ter despejado toda a história em cima dele.Eles estavam sentados frente a frente nas poltronas da sala bem mobiliada do loft onde Mike passava maior parte das suas férias e ficava quando ia ao país visitar os pais.O lugar era um digno apartamento de solteiro, isso se for generalizar como um apartamento de solteiro de um piloto de Fórmula race por estar repleto de estantes que expunham inúmeros troféus, capacetes já usados, quadros, prêmios e medalhas pertencentes ao rapaz ao longo de sua carreira.As cores predominantes por todo o imóvel eram o laranja tijolo e preto, pois mobília, eletrodomésticos, lustres, abajures e até o piso de madeira na casa do piloto eram escuros e davam um contraste moderno às paredes de tijolos à vista envernizadas.Rústico e mode
Já haviam se passado quatro semanas deste que Eliza saíra andando daquele quarto de hotel em Barcelona sem sequer olhar para trás com lágrimas e decepção transbordando de seus olhos, deixando os demais sem ter o que fazer.Desde então Charlie não havia mais a visto.Liza se preocupou em tomar cuidado para que sua partida fosse a mais discreta e silenciosa possível. O monegasco ao menos percebeu quando ficou inteiramente só em um quarto que antes era preenchido por sua risada gostosa e suas malas gigantescas espalhadas pelo chão.Ele ligava e mandava mensagem, porém ambas não eram retornadas. Tentara o celular de Fábio, Cris, Mike e até mesmo o de Patrícia, e suas respostas seguiam sempre o mesmo contexto: “Ela está bem.”; “Precisa de um tempo”; “Tem muita coisa acontecendo agora.” e “Tenha paciênci