Huit

O céu azul estava limpo e sem nuvens naquela manhã, o que significava uma grande chance de bom vôo – como o comandante da aeronave fretada para a Pruma Racing havia informado antes de deixarem o chão.

Eliza não era muito fã de voar, a ideia de não ter absolutamente nada abaixo de seus pés era simplesmente assustadora, mas passou a se acostumar devido ao número de viagens que fazia a cada duas, se não, toda semana.

Contudo, ainda assim, ela não conseguia se sentir confortável o suficiente para dormir e desta forma ficava acordada por mais de seis ou dezoito horas, dependendo o tempo de duração da viagem. Cris vez ou outra a incentivava a tomar medicamentos para dormir, mas ela sempre preferia por evita-los.

Na viagem em questão eles já haviam saído de um vôo internacional de quinze horas de Singapura à Turquia para serem transferidos para uma aeronave menor e terminar o trajeto até a Espanha, que levava mais três horas e ela ainda estava em alerta.

Mike, quem dormira a maior parte da viagem, já estava cansado de ficar com os olhos fechados e a convida para uma partida de Poker, um dos usuais jogos que jogavam para passar o tempo.

Eles estavam no meio da partida quando Cris senta na poltrona do lado de Liza e dispara de uma vez: - Para quem você pediu crachá com acesso total aos bastidores dessa semana?

- Charlie. – ela responde sem rodeios.

- Uou, não sabiam que vocês realmente estavam... Juntos. – Mike comenta com olhos surpresos.

- Estamos... Progredindo. – ela diz sorrindo.

- Legal. – Mike sorri. – Ele é um cara legal.

- Sim, já tem duas semanas que não nos vemos, e mesmo com os compromissos com a Findspot ele me liga todo dia. – ela diz encantada – Queremos aproveitar o máximo de tempo essa semana já que ele já tem que voltar para a Itália na segunda. Mas não se preocupe, Cris – ela olha para a empresária – não vou deixar que isso interfira no meu rendimento.

- Essa não é a questão, Lizzie. – Cris continua em tom impaciente.

- Vocês querem que eu as deixe à sós? – Mike indaga educado, já ameaçando levantar-se da poltrona à frente de Liza.

- Não precisa, Mike. – a jovem volta sua atenção ás cartas. – Isso aí é um As de copas?

- Olho no seu jogo, trapaceira. – ele volta a se jogar da poltrona, erguendo suas cartas na frente de seus olhos.

- Essa é a penúltima corrida do ano, vamos ter compromissos o dia inteiro durante toda a semana. Não teria momento mais inconveniente para ele decidir fazer uma visita. – Cris insiste.

- Sim, mas como na outra semana é a final do campeonato e meu pai e a Priscilla vão estar aí, ele não quer que eu tenha que dividir a atenção entre os três. Eu disse que era besteira, mas ele diz que fiquei muito tempo longe deles e mereço estar à total disposição. – ela dá de ombros – Eu achei atencioso.

- É muito gentil. – Mike concorda.

- Além de que... – ela umedece os lábios para ganhar tempo – sábado é meu aniversário e, bom... Quero que ele esteja aqui.

- Sábado é seu aniversário? – Mike questiona sorrindo. – Como só estou sabendo disso agora?

- Sem estardalhaços. – Liza ri. – Estava pensando em fazer uma coisa pequena no sábado, sem bebidas – ela olha para Cris – só para não passar em branco. Domingo de manhã temos a corrida, aí depois podemos fazer alguma coisa mais arrojada.

- Legal, conheço um pub muito bom em Barcelona. – Mike diz. – Posso falar com um amigo meu de lá para reservar um espaço.

- Você vive em Barcelona, tinha me esquecido disso. – ela diz – Seria muito legal, obrigada.

- Tudo bem Eliza, me ignore. – Cris diz. – Estou falando sobre um assunto sério aqui.

- E eu compreendo. – ela diz mirando a empresária. – Mas a sua preocupação é sem nexo. Não terá distrações, eu prometo. Charlie entende que preciso trabalhar, afinal ele também é um piloto.

- Você sabe que com a aparição de vocês dois juntos aqui pode causar falatório sobre um possível romance, certo? – Cris a questiona. - O que pode influenciar na forma como as construtoras da F1 estão te olhando neste momento?

- Vamos ser cuidadosos. – ela garante. – E ele estar nos bastidores pela Pruma não o liga diretamente à mim. Além dele já ter corrido por eles a Pruma é completamente conectada à Findspot.

Cris a mira com o olhar de desaprovação. Ela não tinha mais argumentos, porém.

- Tudo bem. – a empresária diz secando o suor das mãos na calça – Sinta-se à vontade para entrar de cabeça nesse namoro catastrófico. – ela se levanta – Mas considere que talvez ele não fizesse por você o que você tem feito por ele. Portanto não venha chorar no meu colo quando ele terminar com você assim que a temporada dele começar. Não seria a primeira vez que ele faria isso para se concentrar no trabalho. – e segue pelo corredor até as poltronas finais.

Liza sobe os olhos até Mike, que está com as sobrancelhas arqueadas em choque.

- Como é? – ela questiona ao parceiro de equipe com a testa vincada.

Eliza sabia que Charlie e Mike haviam convivido por um curto período de tempo na Pruma Racing, pois pouco antes da transferência do monegasco à Fórmula 1 Mike Schmidt já havia assumido a vaga de piloto titular ao seu lado na F2.

Haviam feito por volta de quatro provas juntos antes que Charlie fosse oficialmente declarado como corredor da Alfromeo – construtora onde estreou na Fórmula 1 – e não haviam perdido contato desde então.

O alemão morde o lábio inferior antes de falar: - Foi quando ele assinou com a Findspot e saiu da Alfro. Construtora famosa, responsabilidade muito maior... ele quis focar toda a atenção no trabalho. Você compreende isso, certo?!

- Sim. – ela sopra.

- Isso não quer dizer que vai acontecer o mesmo com vocês, Lizzie. – Mike se preocupa em esclarecer. – Era uma situação completamente diferente.

- Eu sei. – ela diz confiante. – Minha preocupação não é essa. É com a Cris. Ela tem demostrado não estar muito contente pela minha aproximação com o Charlie. Eu entendo que ela esteja receosa por conta dos contratos e afins, mas ela tem dado uma atenção à isso mais do que o normal, sabe?

- Acho que quando acabar a temporada você tinha que sentar e conversar com ela sobre isso. – Mike diz abaixando as cartas sob a mesa – Porque se vocês forem mesmo engatarem um namoro, isso pode vir à causar atritos tanto na relação de vocês como na sua com ela.

- Tem razão. – ela assente pensativa. Mas logo volta a atenção às cartas e faz uma careta ao dizer: – Acho que tenho uma Bad Beat aqui.

Ambos riem.

(...)

O quarto estava completamente fechado e escuro. As cortinas impediam que os raios de sol entrassem, o ar condicionado deixava o ambiente fresco – diferente do clima abafado ao lado de fora –, televisão e aparelhos eletrônicos desligados, e as paredes a prova de som abafava qualquer ruído do lado de fora.

Depois de ficar completamente acordada durante toda a viagem, Liza ainda teve alguns compromissos de marketing para cumprir com Mike pela Pruma que a seguraram em frente às câmeras por horas, além de não conseguiu dormir bem nos dois primeiros dias na cidade de Barcelona, o que a deixara completamente exausta ainda no terceiro dia.

Portanto quando Cris declarou que havia conseguido uma tarde livre na quarta-feira ela de imediato correu ao seu quarto de hotel e apagou completamente.

Não sabia por quanto tempo havia dormido quando foi acordada delicadamente por braços grandes e firmes abraçando o seu corpo por trás e uma respiração calma soprar no seu pescoço.

Ela respira fundo antes de bocejar e coçar os olhos.

Liza pisca algumas vezes para aderir a visão, mas lembra-se que o quarto está escuro quando não enxerga um palmo à sua frente. Um beijo leve é depositado em seu pescoço e o arrepio que decorre à sua espinha a deixa mais alerta.

- Charlie! – ela diz com a voz rouca e move-se na cama para virar de frente para o rapaz, apesar de ainda não enxergar nada.

- Ma belle – ele sopra com a voz rouca e acaricia sua bochecha.

- Me desculpe, mon amour, eu me esqueci completamente do horário do seu vôo. – ela diz seguindo o caminho do braço de Charlie para encontrar seu corpo e puxa-lo para um abraço.

- Tudo bem, Fábio disse que você precisava descansar. – ele diz abraçando-a de volta e enfiando os dedos por meio dos fios de seu cabelo para fazer um carinho ali.

- Como foi o vôo? – ela indaga sem se afastar um centímetro sequer, havia sentido falta daqueles braços a rodeando.

- Tranquilo, - ele responde afundando a cabeça em seu pescoço para aspirar o seu perfume – teve uma turbulência no começo, mas logo passou.

- Senti sua falta. – ela diz apertando-o ainda mais.

- Pour Dieu, também senti a sua. – ele diz procurando por seu rosto, quando seus dedos encontram o queixo dela ele o ergue delicadamente e poucos instantes depois Liza sente os doces lábios de Charlie contra os seus.

O beijo foi se intensificando a modo que eles queriam relembrar todas as sensações que tinham ao ter os seus corpos colados. Em pouco tempo Liza já estava sentada no colo de Charlie e ele tirava a camisa de seu corpo.

No entanto, antes que ele desabotoasse o sutiã da jovem, a porta foi aberta num solavanco e as luzes acesas de súbito, cegando-os momentaneamente.

Liza olha para trás e solta um grito ou se deparar com o tio com uma expressão de puro embaraço no rosto. Ela pula do colo de Charlie e procura pela camisa com os nomes Pruma Racing estampada em vermelho para vestir-se rapidamente.

- Lacroix, seu danadinho. – Fábio diz rindo. – Falei para vir acordar ela e você aproveita para tirar uma casquinha?!

- Foi mal. – ele diz controlando o riso.

- Vocês dois, estejam prontos em cinco minutos. Ou a Cris vem aqui e acaba com a brincadeira de vocês. – o tio diz para em seguida sair, fechando a porta.

Liza e Charlie se entreolham e riem.

- Oi. – a jovem diz finalmente o enxergando, aproximando-se dele novamente para selar seus lábios rapidamente e olhar em seus olhos verdes.

- Oi. – ele responde sorrindo e acaricia seu rosto.

- Gostei disso, - ela diz passando os dedos pelo queixo do rapaz onde uma barba por fazer começava a surgir. – você fica com um ar mais sério de barba.

- É uma pena que ela não cresça mais que isso. – ele diz, fazendo-a rir. – Não consegui tirar antes da viagem, mas já que você gostou nem vou me dar o trabalho de tirar.

Ela sorri e passa os braços ao redor do pescoço do rapaz, sentando-se novamente em seu colo.

- Eu quero muito dar continuidade nisso, mas você ouviu o seu tio. – ele sorri vidrado nos olhos da jovem. – A Cris já não gosta de mim, se ela tiver que vir aqui para te buscar...

- Ela trucida a nós dois. – ela completa e junta seus lábios mais uma vez antes de saltar para fora da cama e do colo do rapaz.

Liza senta-se na beirada da cama e calça os seus tênis que estão ao chão próximo aos seus pés.

- O que vai fazer agora? – ele questiona.

- Reconhecimento da pista. – ela diz terminando de amarrar os cadarços.

- Vai andando ou de bicicleta?

- Desta vez vou de bicicleta, - ela declara e olha por cima do ombro para mirá-lo com um sorriso safado no rosto – para ir mais rápido e voltar para cá para darmos continuidade naquele assunto.

Charlie ri.

- Eu vou com você.

- Não está cansado da viagem? – ela questiona preocupada.

- Não sou que nem você, eu dormi a viagem inteira. – ele ri e se levanta. – Estou mesmo precisando esticar as pernas.

Eles se aprontaram e desceram para o saguão do hotel para se encontrarem com Fábio e René, quem tomava as suas notas das observações sobre as estratégias conforme as anuências da pista.

Como Charlie já havia trabalhado com aquela equipe automobilística, facilmente encontrou seu lugar no meio dos engenheiros enquanto eles faziam o seu trabalho. Enquanto Liza apontava à detalhes minuciosos na tela de um tablete enquanto eles percorriam o circuito à pé, Charlie ficava mais afastado, junto à Fábio, observando-a trabalhar.

Ela tinha talento, disso ele tinha mais certeza á cada palavra que ela dizia sobre a aderência dos pneus ou vibração no carro, até mesmo ao reconhecer onde o assoalho do carro poderia pegar e altura ideal do chassi.

- Que curso ela fez mesmo na faculdade? – Charlie pergunta á Fábio.

- Administração. – ele responde. – Nada haver, não é?!

- Jurava que era algo voltado à engenharia automotiva, pelo menos algo na área de mecânica. – o rapaz comenta admirado. – Ela conhece muito da parte funcional, motor, sistema e afins.

- Ela sempre gostou de acompanhar de perto cada detalhe do carro. – Fábio declara. – Quando era criança ela me fazia desmontar e montar o kart a cada corria para ver o funcionamento dele.

- A curiosidade é o melhor influenciador para o conhecimento. – Charlie pronuncia sem tirar os olhos de Liza. – Mudando um pouco de assunto, eu queria falar com você sobre aquela surpresa do aniversário dela.

- O que? – Fábio questiona surpreso. – Deu certo?

- Chega à cidade sábado à tarde. – ele diz sorrindo orgulhoso.

- Ainda vou querer saber como você conseguiu. Sério. – Fábio diz abismado. – Eu não consegui durante todo esse tempo.

- Bastou uma conversa plena e franca. – ele revela, recordando-se do quanto ele teve que expor de seus sentimentos para conseguir o que planejara. Mas não importava porque, afinal, tinha saído tudo de acordo com o seu plano.

- Ela vai ficar tão feliz. – Fábio sorri mirando a sobrinha com ternura.

- Eu sei. – ele diz também a encarando com olhar amável. – Ela merece.

Fábio desvia os olhos da sobrinha e fita o piloto, que nem disfarça seu olhar de fascinação.

- Está apaixonado por ela. – Fábio afirma.

Charlie volta sua atenção ao homem. Ele engole seco e puxa ar para seus pulmões antes de falar sério: - Estou. E não sei como isso aconteceu tão rápido.

- Sou um grande credor em almas gêmeas. – Fábio confessa – Não sei se esse é o caso, mas se assemelha.

Charlie sorri.

- Minha vontade é ficar com ela o tempo todo, seja fazendo o que for, seja onde for. Tudo o que eu faço na minha vida, depois que conheci ela, a cada coisa que acontece, no final do dia é com ela que quero compartilhar. Nós nos divertidos demais e ela topa tudo sem hesitação. Ela... nós... parece certo. Eu sei que é cedo, mas... – ele se interrompe, mordendo o lábio inferior ao voltar à olhar para Liza – eu sinto que é ela.

- Vocês estão há... – Fábio espreme os olhos, buscando na memória – sete semanas?! – o rapaz assente – Isso já dá um mês e pouco, quase dois meses. Caraca! – ele diz ao perceber-se – Já?

- Pois é.

- Não foi ontem que eu caí fora antes que vocês começassem a se atracar no meio do restaurante? – Fábio questiona divertido e eles riem.

- Nesse tempo, mesmo que não estivemos a maior parte dele juntos, eu consegui me sentir confiante comigo mesmo. Não sei te explicar. – Charlie declara – Ela me incentiva e me apoia em qualquer decisão que eu queria tomar, me deixa tranquilo e despreocupado. E eu queria fazer o mesmo por ela.

- Ela anda radiante ultimamente. – Fábio observa – Mais divertida, menos tensa ou obcecada com os mínimos detalhes, que acabam não sendo tão importantes. Ela finalmente percebeu que não precisa se matar nos treinos para se sair bem, porque às vezes ela acaba gastando as energias e na corrida isso acaba prejudicando. E eu sei que é você quem tem aberto os olhos dela. – Fábio aperta o ombro de Charlie para agradecer: - E tenho que dizer obrigado por isso, garoto. Gosto de você. Mas, - ele fica completamente sério – se magoar a minha sobrinha eu juro que corto suas bolas.

Charlie assente.

- Não tenho intenção alguma de perder as minhas bolas.

- Ótimo. – Fábio assente e eles acabam rindo.

(...)

O sábado de aniversário amanheceu com um romântico café da manhã na cama, que acabou sendo invadido por um tio alegre e uma empresária carrancuda, que não queria dar o braço a torcer, porém, também, não queria deixar de celebrar por Liza.

Os compromissos do dia começaram tranquilos e, por onde a pilota passava, ela recebia os parabéns de colegas, conhecidos e até mesmo os fotógrafos.

Felipe até foi a garagem da Pruma antes do inicio do terceiro treino livre e a tirou do chão, chacoalhando-a duas vezes ao parabeniza-la.

- Parabéns, pequena-grande mulher!

- Você é louco! – ela diz sorrindo e se soltando do seu aperto. – Obrigada, Lipe.

- O Afonso já apareceu por aqui? – o rapaz pergunta descontraidamente.

- Não. Ele está estranho comigo desde aquela fechada no Japão. – ela explica entortando a boca – Não entendo, porque afinal, quem tomou a fechada fui eu. Ele quase me fez bater no guard rail.

Felipe tenta não transparecer, mas seu sorriso murcha um pouco.

- Ele é assim mesmo. – diz reforçando a face simpática – Não se preocupa, logo a chatice dele passa. É só aquele velho dilema: o peso do pai tricampeão, ele não está alcançando o mínimo de pontos no campeonato... A mesma coisa de sempre.

Ela dá de ombros, mas assente em concordância.

- Liza... – Felipe a chama a atenção, sua expressão é séria.

- Sim? – ela sorri.

O brasileiro respira fundo, a veia saltada em sua testa prova o quão tenso ele ficara de repente. Ele olha diretamente nos olhos da pilota, reunindo o mínimo de coragem em seu corpo. As palavras estão na ponta de sua língua, mas, por fim, ele suspira fechando os olhos.

- Toma cuidado hoje. – diz abraçando-a. – Você sabe, essa pista é perigosa.

- Você também?! – ela deseja, franzindo a testa em confusão ao abraça-lo de volta.

- Vejo você mais tarde. – ele se despede rapidamente e logo se afasta.

Depois do término do treino livre, quando Liza sai do seu carro, toda a equipe Pruma aparece ao seu redor com bexigas, uma faixa com as escritas “Parabéns para a nossa campeã” e à frente Mike carregando um bolo de chocolate.

- Muito obrigada pessoal, vocês são demais! – ela diz após soprar as velas.

Eles batem algumas fotos e ela distribui pedaços de bolo para todos da equipe.

- Você viu o Charlie por aí? – ela pergunta ao se aproximar de Mike, que se deliciava com o seu terceiro pedaço de bolo. – Vai com calma aí, grandão. A Mayra vai te espancar se o açúcar no seu sangue subir de novo.

- Pior que comi umas cinco trufas ontem e no final da noite não resisti e pedi para entregarem uma Crema Catalana lá em casa. – ele diz lambendo as sobras dos lábios – Barcelona me fode.

Liza ri.

- Então, você viu o Charlie? - ela indaga novamente olhando ao seu redor, procurando por entre os funcionários – Ou o meu tio.

- Não, cheguei em cima da hora hoje. – ele informa. – Passei mal à noite toda por conta da Crema.

- Pensei que fosse uma delícia.

- E é, por isso passei mal. Comi demais. – ele ri, mas logo arqueia as sobrancelhas para dizer com excitação: – Ah, preciso te contar uma coisa.

- Diga. – ela sorri.

Ele prensa os lábios um contra o outro e seus olhos azuis brilham de emoção.

- Pediram que eu não dissesse nada por enquanto, mas acredito que logo caia na mídia, afinal não é nada restrito, e eu queria que você soubesse isso por mim. – ele esclarece. O rapaz respira fundo e deixa o prato com bolo pela metade sob a mesa de transmissão antes de virar para Liza ereto e declarar com a voz moderada: - a escuderia Homes me chamou para competir por eles na Fórmula 1 na próxima temporada.

Eliza sente uma euforia repentina dominar os seus sentidos.

- Meu Deus, Mike!

- Vou ser um dos pilotos titulares deles no ano que vem! – o loiro vibra.

- Puta que o pariu! Parabéns! – ela diz e joga os braços ao redor do pescoço do rapaz, que a abraça de volta emocionado. – Eu estou tão feliz por você!

- Demorou mais tempo que eu esperava, mas está aí. – ele comemora. – Tô dentro da Fórmula 1!

Liza vibra ao se separar do parceiro, batendo na sua mão ao alto.

- Não demorou mais tempo que o esperado, você ficou dois anos na F2. É o processo normal que a maioria dos pilotos passa.

- Não os espetaculares. – ele entorta a boca. – Jorge Russo passou para F1 depois da temporada de estreia. Além de Sampaio, Rodríguez, Weber e, claro, meu pai.

- Ele vai ficar muito orgulhoso de você da mesma forma. – ela diz e ele sorri fraco.

- Queria poder ouvir isso dele. – Mike diz com a voz rouca e Liza sente seu coração doer.

Desde 2013 Murray Schmidt está com o corpo completamente paralisado devido ao seu gravíssimo acidente em uma aventura com jet-skis no Havaí. Depois de anos sem muitos avanços ou melhoras, a família continuava com a decisão de mantê-lo vivo, mesmo que estivesse sobrevivendo por aparelhos.

Haviam o tirado do hospital e levado para a sua mansão há algumas horas dali de Barcelona, em uma ilha onde tivesse mais privacidade e pudesse ter contato com a natureza, coisa que o alemão sempre apreciou.

Os médicos diziam que sua consciência estava completamente ativa, e a rara movimentação de seus olhos confirmavam isso. Mas a situação toda era muito complicada.

Mike não falava muito sobre o assunto, principalmente quando estava no ambiente das pistas ou dos autódromos. No começo da carreira ele sequer usava o sobrenome de peso para que ninguém mencionasse o pai e desencadeasse perguntas inconvenientes sobre a saúde de seu progenitor.

Mesmo sendo um rapaz simpático e carismático, ainda havia uma linha tênue de limite que Mike costumava manter entre a sua vida profissional e pessoal. No entanto, vez ou outra, quando ele e Liza bebiam algumas cervejas nos quartos de hotéis depois de um dia cheio de compromissos, ele revelava o quanto era difícil ter que ver o pai, um atleta consagrado e que antes era cheio de vida, em cima de uma cama completamente inerte.

Liza já o ouviu dizer que sempre em suas folgas ele ia até a casa dos pais e se sentava em frente ao pai para contar-lhe sobre tudo o que ocorrera nas corridas, os seus resultados e dizer o quanto o amava. E lhe partia o coração quando Mike declarava que sua maior vontade era receber uma devolutiva, apesar da gratificação que ele tinha pelo pai ainda estar vivo.

- Você sabe que ele vai ficar muito orgulhoso. – Liza afirma olhando em seus olhos – Se eu estou orgulhosa, imagina ele! – ela diz e ele sorri. – Mike, você não pode se deixar abalar pelo legado do seu pai ou de qualquer outro piloto. Cada um tem o seu tempo e você é um piloto excelente. É a porra do líder da Fórmula 2 por dois anos consecutivos. Foi campeão ano passado e está para ganhar o deste ano também.

- Isso se certa pilota não passar a minha pontuação. – ele diz com os olhos estreitos em cima dela e riso divertido no rosto.

- Ouvi dizer que ela está chegando lá. – ela diz com a voz engraçada. – Mas, apesar disso, você conseguiu! – ela o segura pelos braços. – Não é um feito pequeno, é um feito enorme! E o fato de outros pilotos terem conseguido em outras circunstâncias não diminui o fato de você ter feito. Não coloque a carreira de alguém como comparativa, e sim como inspiração.

 - Nossa, como você está poética hoje. – ele comenta rindo e a abraça. – Vou sentir a sua falta.

- Eu quem vou sentir. – ela diz alisando as costas grandes do parceiro. – Você quem está me abandonando. Mas eu perdoo porque é para melhor.

- Como se você fosse demorar para estar lá também. – ele diz desfazendo o abraço.

- Pode ser que sim, como pode ser que não. – ela dá de ombros. – Estamos vendo o Felipe e o Afonso irem para o seu terceiro ano de Fórmula 2 e nada de promoção.

- Você não é como eles. – ele diz. – Eles vieram a melhorar essa temporada, você já estreou com tudo. Como foi que disse mesmo? Não coloque a carreira de alguém como comparativa...

- Tá legal, entendi. O feitiço contra o feiticeiro. – ela o interrompe rindo. – Espertinho.

- Tenho certeza de que você vai chegar lá. – ele diz veemente.

- E enquanto não chego vamos comemorar que você chegou. – ela sorri. – Vamos fazer o teto daquele pub cair hoje.

- O que? – ele indaga alarmado.

- Jeito brasileiro de falar que vamos celebrar muito. – ela esclarece e ele ri. – Algumas cervejas não vão matar ninguém, - ela cede, dando de ombros – é só virmos embora cedo.

- Certo! – ele suspira aliviado. – Fala para o Lacroix que a primeira rodada é por minha conta se a segunda for por a dele.

- Falando nisso, eu estava procurando por ele. – ela diz, recordando-se. – Se importa se eu...

- Claro que não, vai lá. – Mike diz.

- Obrigada. – ela sorri. – E mais uma vez, parabéns! – ela diz se afastado do parceiro que assente com um sorriso sincero no rosto.

Liza se despede dos colegas e segue ao camarim, mirando cada ambiente por onde passava buscando pelos rostos específicos.

Quando abre a porta do seu camarim o encontra vazio. Automaticamente franze a testa, onde eles estariam?

Ela então segue o rumo da área externa das garagens, descendo o zíper do seu macacão até o umbigo e desfazendo-se das mangas para amarrá-las ao redor de sua cintura. Já estava soando pela caminhada somada aquela roupa quente.

Quando sai da garagem da Pruma não demora a ser abordada por alguns repórteres.

- Eliza, Eliza! – uma mulher a chama. – Se importa de responder algumas perguntas antes do treino classificatório?

Liza suspira pesado, olhando ao seu redor, mas termina por sorrir para a mulher. Cris sempre dizia para ela ser educada com os jornalistas e, apesar de ela estar com o tempo apertado porque logo começaria os preparatórios para o importante treino, ela ajeita a postura e se vira para a repórter.

Logo o câmera está posicionado com a gravadora na direção da pilota.

- Estamos aqui com Eliza Benedetti. – a jornalista diz – Eliza, depois de uma temporada fantástica e com grandes conquistas como a primeira pilota a não só pontuar na Fórmula 2, mas também estar empatada como segunda colocada e há dez pontos para alcançar o líder, que também é seu parceiro de equipe, você está confiante com a pole position hoje e talvez alcançar a vitória?

- Todos esperamos alcançar a vitória de uma corrida. – ela ri bem humorada. – Admito que alcançar a minha primeira pole position seria muito legal, mas temos pilotos talentosos competindo, apesar de nossos carros já estarem no limite por ser final de temporada e estarmos cansados... acredito que nossas energias estão voltadas para bons resultados e vamos lutar até o final por eles. Minha energia está voltada para o primeiro lugar, já que infelizmente ainda não alcancei. Mas o GP é uma das competições mais imprevisíveis que se existem, então tudo pode acontecer.

- Hoje é o seu aniversário, certo? – a jornalista indaga e ela assente. – Quero dar os meus parabéns em nome de toda e equipe.

- Obrigada.

- Notamos que o piloto Charlie Lacroix, com quem têm sido muito vista ultimamente, está presente. Isso seria devido ao fato de ser seu aniversário ou porque ele está sendo um mentor pela conexão da Pruma com a Findspot?

Liza sorri, apesar de sentir seu estômago congelar. Foi pega de surpresa por ter de lidar com aquele tipo de pergunta tão cedo.

- Ele se tornou um amigo querido sim, mas o fato de ser meu aniversário é só coincidência. Acredito que ele esteja à trabalho e este é um dia como qualquer outro, só estou ficando mais velha.

A repórter sorri com a resposta, e Liza teve certeza que havia escapado da saia justa.

- E como estão o papai e mamãe com a aproximação do final do campeonato: aliviados ou ansiosos?

- Acho que um pouco dos dois.

- Não tivemos a presença de nenhum deles nos bastidores das corridas, eles não gostam de te ver em ação? – a mulher indaga.

- Meu pai não perde uma corrida pela televisão. Infelizmente ele também tem seus compromissos e não pôde estar presente até então. – ela diz sorrindo. – Mas todo dia depois de uma corrida ele me liga, me parabenizando pelos meus acertos e puxando a orelha pelos erros. Ele não entende muito do esporte, mas dá o seu melhor para me apoiar. – a repórter sorri – Ele é pai, tem medo da garotinha se machucar como qualquer outro pai. Mas o seu apoio é incondicional e eu sou muito grata à isso.

- E a mamãe...

Liza sente a garganta secar e desvia os olhos da câmera.

- Mãe?

- Sim. – a repórter afirma, mas Liza não está mais ouvindo.

Porque ironicamente ali, passando pela entrada da garagem da construtora vizinha, estava ela. Com os mesmos cabelos castanhos bem arrumados na altura dos ombros, roupas elegantes e de aparência caríssima, óculos de sol tapando os seus olhos frágeis e um sorriso incerto no rosto que muito se assemelhava ao de Eliza.

- Ela está bem ali. – Liza sopra indicando a mulher, cujo estava em uma conversa animada com Charlie e Fábio enquanto caminhavam tranquilamente.

Por um instante Eliza pensou ser uma miragem, mas ao ver o sorriso estampado no rosto da repórter sabia que não era uma imagem projetada de sua cabeça.

Patrícia estava ali.

Ela devia saber que aqueles dois estavam aprontando.

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