Após o constrangimento de chegar atrasada, precisei me apresentar aos alunos e ouvi algumas piadinhas sobre meu sotaque. Contudo, nada disso atrapalhou o decorrer do dia e até que tudo terminou bem.
Já estava no final da tarde quando as aulas daquele dia terminaram e para o meu primeiro dia eu diria que tudo correu muito bem.Após minha apresentação, fiz uma breve audição para uma peça e precisei dançar para o professor de bigode branco e os oito alunos. Em seguida, fomos para a sala 1 ver alguns documentários sobre a história da arte e pude conhecer um pouco mais daquilo que amo.Não conversei com ninguém, não por timidez, mas por querer prestar o mínimo de atenção nas palavras do professor. Eu não poderia tirar notas baixas, pois corria risco de perder minha bolsa, então não estava ali para fazer amizades.As portas da escola foram abertas para os alunos irem embora, mas me demorei um pouco nos corredores aproveitando para conhecer melhor o lugar. Eu também iria aproveitar para ver a cidade assim que eu já estivesse bem instalada e bom, precisava arrumar um emprego.Eu havia aceitado o duplex que meu pai insistiu em comprar e o dinheiro que ele economizou para meus gastos futuros, mas aquilo não iria durar eternamente, então eu precisava de algo de meio período para pagar minhas contas.Minha cabeça já explodia só de pensar nas tantas coisas que eu tinha para fazer e às vezes me pegava implorando para voltar aos meus 5 anos como Sofi. Só de imaginar que não teria minha mãe para resolver e me ajudar com os dias difíceis e meu pai para me proteger das brigas eu já sentia vontade de ir correndo de volta para o Brasil.Me sentia totalmente dependente deles naquele instante, mesmo tendo que ser independente.Sai da escola com a luz da lua no alto do céu e as estrelas brilhando freneticamente no preto. Não demoraria para chegar em meu duplex, pois meu pai havia vindo à cidade dias antes escolher a dedo um lugar perto da escola para que eu não corresse riscos demais. Afinal, era um lugar perigoso.Fiz o mesmo caminho que havia feito para ir ao prédio Fonte de Vida e percebi que durante à noite não havia luz naquela parte da rua. Isso me impossibilitava de ver com clareza o caminho em minha frente e não fosse o brilho do luar me guiando, estaria perdida.Durante meu caminhar ouvi os passos seguindo os meus fazendo meu coração disparar. Aquele som não estava longe e não era de uma única pessoa, o que me fez olhar por cima do ombro e ver as cinco formas vindo em minha direção. O desespero me tomou por completo, apertei os passos com o medo me percorrendo todo o corpo e ainda tentei calcular para ver se estava muito longe. Faltavam apenas dois quarteirões e eu desejei ter pés ágeis para correr em disparada até estar segura em minha casa.Os passos aumentaram junto com os meus até me alcançarem e eu percebi que já estava correndo enquanto olhava em minhas costas e ouvia as figuras rindo em meu encalço.Virei na esquina em um completo desespero sem ver o caminho, só parei quando meu corpo se chocou contra a jaqueta de couro preto fazendo-me desequilibrar. À figura alta segurou meus pulsos me impedindo de cair e minha respiração tentava voltar ao que era quando ele disse:— Calma — observei os olhos verdes do rapaz de cabelos escuros. Ele tinha um semblante preocupado. — Você está perdida?Eu nada respondi. O medo ainda me percorria o corpo e quando olhei para trás vendo as figuras que antes me seguiam, quase gritei de pavor. O rapaz de olhos verdes me soltou com certa delicadeza, se colocou em minha frente e tragou o cigarro que estava preso em seus dedos.Os rapazes ao longe se tocaram e apontaram em nossa direção.— Volta, lindinha — disse um deles me fazendo tremer. — Eu sou melhor que seu amigo.O rapaz de olhos verdes deu um sorriso largo enquanto jogava o cigarro no chão e pisava na bituca.Não soube dizer o quão rápido aquilo ocorreu, mas quando seu pé se afastou da bituca, ele envolveu minha cintura com seu braço e tocou meus lábios fervorosamente tirando toda minha lucidez. Fui pega de surpresa e não soube reagir ao beijo que recebi, mas os caras ao longe começaram a gritar em uma forma de comemoração.— Foi mal aí, amigão. — Disse um deles enquanto minha boca ainda era explorada pelo estranho. — Não sabíamos que ela estava acompanhada.— Vocês não deveriam sair por aí atrás de garotas assim. Vão arrumar encrenca. — Ameaçou o rapaz de olhos verdes e eles ergueram as mãos em forma de rendimento, já se afastando de nós. — Machucaram você?Ele sussurrou e dessa vez foi para mim.— Não... Obrigada — me senti segura naquele momento e a ele me ajudou a me manter equilibrada, pois minhas pernas ainda falhavam e eu não sabia dizer se era devido ao medo ou ao susto.— Onde você mora? Vou levá-la para casa — ele disse já começando a caminhar com seus dedos segurando meu pulso direito.— Não muito longe, moro depois de uma loja de convivência no fim da rua chamada Family.— Maravilha! Moramos perto um do outro. — Disse meu salvador e eu sorri. — você estuda na Fonte de Vida, certo?— Sim, há menos de 24hrs.— Que merda. Suponho que será minha aluna então e que eu acabei de infringir uma regra — minhas pernas já estavam melhores e nós já estávamos em frente à loja quando eu olhei com mais intensidade para meu salvador.Ele era um homem muito bonito e poderia ser confundido facilmente com um estudante que tinha pele clara, olhos verdes e bochechas rosadas. Seus cabelos eram longos, escuros e estavam amarrados no alto da cabeça em um rabo de cavalo.Aquele não era meu professor de bigode, então só poderia ser o professor Dylan. Eu apenas sorri e ele entendeu que sim.— Está entregue minha jovem — ele iniciou quando chegamos ao meu portão. — Peço que me perdoe pelo ocorrido, se eu soubesse que era uma aluna teria pensado em outro meio.— Não precisa se preocupar com isso, eu sou grata pela ajuda. Estou feliz de estar em casa e não no noticiário local. — Ele deu um sorriso singelo, percebi que a situação havia lhe incomodado de certa forma. — Vamos fingir apenas que nada ocorreu.— Essa pode ser uma péssima ideia, mas no momento parece uma ótima também. — Ele deu um sorriso mais aberto e consegui ver suas covinhas que me deixaram desconcertada. — Então até à aula senhorita…— Chaves. — Respondi a ele ao perceber que ainda não havíamos nos apresentado. — Até lá professor.Ele se foi e eu entrei em casa agradecendo todos os deuses existentes, por me levarem para casa sã e salva.— Bem vindos ao inferno. — Falou o professor de olhos verdes ao entrar pelas portas da sala.Ele usava calças jeans brancas e botas pretas que chegavam até seus joelhos, além da regata branca que esculpia seu peito. Um longo casaco verde de pano cobria seus braços e se misturavam à cor de seus olhos.Seus cabelos estavam caídos nos ombros e jogados para frente. Logo o reconheci e sorri junto com um sorriso que ele dirigiu a mim.— Estou brincando meus amores, este não é o inferno, ainda. Temos seis meses para ensinar vocês a cantar em uma peça perfeitamente entoada e sem nenhuma falha. Impossível? Sim, mas podemos tentar.— No verão passado. — O professor de bigode continuou, passou a mão nos pelos da face e escorregou-a pela blusa preta dos Scorpions. Ele usava calças marrons e largas com chinelos azuis cheios de miçangas nas alças. Achei graça da sua vestimenta, mas tentei conter o riso. — Fizemos um coral magnífico que fez toda a cidade de Miami comparecer a praia para ver de onde v
As semanas passaram rapidamente desde que eu combinei com o professor de artes musicais os melhores dias para treinar algumas músicas fortes. Foram dias corridos e agitados que ocuparam mais do meu tempo do que deveria.Eu havia começado a trabalhar na biblioteca da escola depois de fazer inscrição em um site de estágio para alunos da instituição. Devido à isso eu acabei passando mais tempo dentro da escola de música do que em minha própria casa, mesmo que eu tivesse os finais de semana e feriados para descansar.Meus dias se resumiram à levantar cedo para participar das aulas das manhã, trabalhar meio período depois dos horários dos cursos e correr para as aulas da noite duas vezes por semana, com meus professores de música.Havia dias em que ambos estavam juntos aguardando minha chegada e dias que um ou outro haviam comparecido. Outros alunos também pediram aulas particulares para se preparem para o grande evento e os dois se desdobravam para atender a todos os seus aprendizes deses
Senti algo queimar minhas entranhas cada momento que o cheiro adocicado do perfume dele se aproxima de mim. Senti também meus olhos arderem e meus ouvidos entupirem a cada segundo que escutei a voz rouca e madura do jovem enquanto os comentários dos demais alunos invadiam minha cabeça para me deixar ainda mais agitada.As palavras de Josh perfuravam minha mente tão forte que eu até conseguia sentir a ponta de uma agulha tocar meu cérebro como se alguém estivesse tentando estourá-lo.Não soube dizer exatamente quanto tempo consegui suportar da aula, não soube dizer nem se eu realmente estava presente ali naquele instante. Era como se meu corpo flutuasse no ar sendo carregado pelas palavras que tentavam me deixar terrivelmente desconfortável.Senti a mão tocar meu ombro quando tudo parecia que iria desmoronar e dei um pulo na cadeira com o susto que aquele toque me trouxe. Olhei para a pessoa de forma assustada, ainda que pedisse internamente para meu corpo suportar só mais algumas hora
O rosto pálido de Dylan estava totalmente tranquilo ainda que eu me sentisse constrangida com o rumo da nossa conversa. Enquanto nele existia um olhar estranho se misturando ao carinho e temor em mim existia dúvidas e receios. A reação dele me fazia corar ainda mais e toda à tensão ao nosso redor me deixava sem graça.Eu queria poder acertar minha cabeça em algum lugar para talvez esquecer o que havia dito, julguei que seria maravilhoso ter uma amnésia para nunca mais me lembrar desses momentos constrangedores que tinham mania de ocorrer em minha vida.Suspirei.— Desculpa, eu estou sendo inconveniente demais. — Falei por fim ao pensar em como a mente era complicada. Afinal eu não parecia estar lúcida naquele instante e muito menos racional.Mesmo assim eu pensei que devia começar a medir o que dizer para alguém. Pois meu jeito de confessar ou dizer o que pensava sem parar dois segundos, me deixavam naquela situação.Dylan pigarreou e endireitou seu corpo terminando de encher o prato
Despertei com o cheiro de waffle e mel vindo da cozinha. Um friozinho bom tentava invadir o edredom querendo me impedir de levar para seguir o cheiro do café da manhã.Eu estava repousada em minha cama no pequeno quarto do meu duplex com paredes brancas com flores coloridas espalhadas por toda parte. Esses adesivos eu havia comprado em uma loja de bugigangas no meio da cidade. Havia ficado tão fofo que eu admirava os desenhos todas as manhãs.Recordei-me do dia anterior e do ocorrido entre mim e meu professor de Artes Musicais. Meu coração palpitou ao retornar da busca em minha mente. Olhei em volta procurando vestígios de mais algo, pois eu não me recordava de muita coisa que ocorreu depois do beijo e vi o casaco de Dylan pousado sobre a cadeira do meu computador. Seus sapatos estavam alinhados próximos da porta junto dos meus tênis. Vendo aqueles objetos espalhados pelo quanto me fez questionar o que havia acontecido depois do beijo e o porquê de eu ter me perdido nas lembranças.Tu
Caminhei por um tempo até que visse o mar. À terra sob meus pés estava acabando e minha cabeça ainda estava cheia de frustrações. Sentei-me nas pedras da praia, onde à água batia docemente em meus dedos tentando amenizar minha visão magoada.Sentia a água roçar em meus pés descalços enquanto o cheiro de sal e areia molhada batiam em minhas narinas assim como a água acariciava o monte de areia próximo das pedras.Deixei as lágrimas rolarem enquanto olhava o pôr do sol na praia e me embalava nas terríveis lembranças que Nathally havia me devolvido. Eu não estava triste por Dylan, mas sim pelas garotas por quem ele magoou, pois todas haviam passado pela mesma situação que eu e isso cortou meu coração. Também havia raiva em mim, pois quase fui enganada pelo mesmo truque barato, porque fui inocente demais a ponto de quase me deixar levar outra vez e isso me fazia desejar que as ondas batessem em minha mente lavando embora os ocorridos das últimas 48 horas.Aproveitei que à praia estava vaz
— Bom, agora que estamos resolvidos, vou cozinhar para nós. — Dylan levantou-se do chão me pegando no colo e dando um sorriso largo depois de passar longos minutos explorando minha boca e mordendo a curva de meu pescoço. Ele parecia tentar atiçar algo dentro de mim, mas cortou nosso contato antes que fossemos longe demais. — Você é levinha, sabia? Parece que estou segurando uma boneca. Uma linda bonequinha.Fiz uma careta para sua observação, pois me pareceu algo incomum de se dizer. Tudo bem que eu me vestia feito um bolo de natal com lacinhos e enfeites demais, mas boneca não, né?Dylan achou graça da minha expressão e colocou-me no banquinho do balcão para se dirigir ao outro lado. Ele estava confiante em fazer algo para comermos e eu não tinha muito o que dizer para impedi-lo. Estava morta de fome e sem ânimo algum para cozinhar.— Quer ajuda? — Ofereci, pois seria algo que eu faria sentadinha naquela banqueta. — Eu posso cortar alguma coisa.— Não! — suas mãos no ar me ordenaram
A semana se passou rapidamente e pude adiantar meu trabalho para que no último dia, antes do fim de semana, eu não ficasse até tarde organizando prateleiras.Na sexta tudo estava mais do que organizado e meu expediente na biblioteca acabou cedo devido à isso. Minha folga estava para começar e eu já me sentia relaxada antes mesmo de ter saído do prédio da universidade.O senhor Herman estava fechando as janelas da biblioteca enquanto eu desligava todo o sistema do computador para podermos ir embora.Meu celular vibrou no bolso do meu short e eu o peguei em mãos desbloqueando a tela para ler o sms que havia acabado de me ser entregue.“Estou te esperando aqui fora.Dylan.”Dei um meio sorriso e enfiei o aparelho de volta no bolso para terminar minha última tarefa. O computador já estava na tela de carregamento dos arquivos do dia, quase desligando e eu comecei a arrumar minhas coisas, colocando-as de volta na minha mochila.Tirei o casaco de frio de dentro da bolsa, mesmo estando tudo t