1 - DANNA: QUANDO OS PÁSSAROS POUSAM

Condado de Tulare, Califórnia

A pobre mulher já estava cansada de tanto correr, ao menos acreditava ter corrido muito, mas o cansaço, a fome e o medo que sentia começava a pregar peças em sua mente nitidamente abalada.

Há dois dias não comia nada a não ser a metade de um pão pela manhã e outro ao entardecer, a água que lhe fora dada nesse período também era escassa, insuficiente para matar a sua sede. Ela fora avisada que estava sendo castigada, que não importava se tal castigo a levaria à morte, por isso, na primeira brecha que teve, reuniu toda a força que tinha, e fugiu.

O milharal parecia não ter fim, embora acreditasse já ter percorrido muitos quilômetros a pé, sabia não ter chegado ainda na metade. Seu corpo, que sempre fora mais cheinho, agora dava sinais de magreza.

Sua pele coçava ao contato com as folhas da plantação, isso quando as mesmas não lhe atingiam o rosto, braços e pernas como lâminas, deixando-lhe alguns ferimentos visíveis de onde escorria um pouco de sangue. Tudo que vestia era uma camisa masculina comprida, que em nada a protegia.

Mais uma vez pisou em falso e caiu, foram oito tombos desde que conseguiu sair do seu covil. Os pés descalços estavam machucados e doloridos, não tinham mais força para suportar o seu peso.

A barriga emitia ruídos grotescos e doía, doía muito. Ela sentia uma fome que nunca antes sentira. A garganta também doía, parecia ter sido arranhada por dentro, certamente, consequência da sede, que a fazia sentir a boca extremamente seca, de forma que nem sequer era capaz de salivar. E a cabeça, como doía a sua cabeça!

Apesar de tudo isso, ela queria, ela precisava se levantar, precisa encontrar ajuda, de um médico e ainda avisar a polícia sobre tudo que aconteceu. Infelizmente para Heloisa, seu corpo não obedecia, já não podia se levantar, a inconsciência estava próxima, não tinha mais como lutar.

Horas se passaram, e quando começou a recobrar a consciência, ouviu ao longe alguns latidos seguidos de gritos, mas demorou para identificar que era por ela que chamavam. Estavam-na procurando.

— Dona Heloisa! — Alguém gritava.

— Heloisa! — Outra pessoa gritou se aproximando.

Ela queria responder, queria se levantar e ir ao encontro daquelas vozes conhecidas, mas já não tinha de onde tirar qualquer força.

— Dona Heloisa! — outro grito ainda mais próximo.

Os latidos também se intensificaram, estavam chegando perto dela. Finalmente a esperança retornara, ainda poderia ser salva.

— Ali! Os cães estão farejando ali, andem logo! — gritou um homem, animado com a possibilidade de tê-la encontrado.

— Ela está aqui, Charles! — gritou um rapaz ao se deparar com a pobre mulher caída no chão, rodeada por três cães que ele tentava impedir que a lambessem. — Ela está desacordada!

O homem chamado Charles, um negro alto e de aproximadamente uns trinta anos, correu na direção indicada para socorrer a mulher que tanto procuravam.

— Meu Deus! Dona Heloisa! O que fizeram com a senhora? — falou se abaixando e pegando-a no colo e a erguendo sem dificuldade.

— Á-água... — pediu ela já no colo do seu salvador.

— Frank, me dê seu cantil! — pediu, ao que o rapaz obedeceu imediatamente.

Charles ajudou Heloisa a segurar o cantil enquanto ela ingeria apressada, tomando goladas a ponto de se afogar, não fosse aquele homem a lhe controlar as mãos.

— Vai ficar tudo bem, dona Heloisa! — Charles falou, mas ela não lhe respondeu, o cansaço extremo não permitia que permanecesse mais tempo acordada.

Heloisa sentiu que ia desmaiar, mas agora estava segura.

Horas se passaram sem que Heloisa recobrasse a consciência, o cansaço lhe garantiu um repouso longo. O sol já havia sumido quando ela finalmente começou a abrir os olhos devagar. Ainda sentia dores, mas sabia que estas iriam passar.

Estava confortavelmente deitada sobre uma cama, não pôde deixar de lembrar do chão duro, frio e sujo em que fora mantida nos últimos dias, o que lhe causou um leve arrepio na espinha. Não conseguia ver quase nada, estava escuro, seus olhos ainda estavam se acostumando com a pouca luz do ambiente.

Logo seus ouvidos perceberam leves ruídos, sentiu um frio na barriga ao identificar aqueles ruídos... Era palha, palha de milho, ela tinha certeza!

Por instinto, tentou se mover, mas não conseguiu, deduziu logo que teve braços e pernas amarrados, sentiu um ímpeto de gritar, mas não tinha voz para tanto, e mesmo que tivesse, ninguém iria ouvi-la.

Heloisa soube logo que era seu fim.

Aquela fuga fora sua única chance, agora não lhe restara mais nada, pois o homem que ela acreditou salvá-la, a traiu.

Charles a levou de volta para seu covil.

Ouviu passos, em seguida, a porta do quarto se abriu se abriu, não foi preciso acender a luz para que ela reconhecesse aquele rosto, para que visse o que ele trazia numa das mãos, um saco de estopa vazio e uma estaca, e na outra, um amontoado de palha.

— O-o-q-que vai fazer? — indagou ela, sem entender o porquê daquele material.

Heloisa sentiu o ar faltar ao ver o sorriso débil do homem, ao mesmo tempo em que ele rapidamente tirou da bainha o seu velho canivete.

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