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  Enquanto dirigia pela cidade, em um silêncio mútuo a procura do hospital mais próximo, tudo o que eu mais queria saber era no que você pensava. Talvez tivesse se arrependido por ter me ajudado, uma estranha que praticamente se jogou na frente do seu carro, o que foi exatamente o que tinha feito, em momento algum você disse uma palavra, apenas dirigia. Não vou mentir que eu não estava surpresa por estar em um carro com você ao lado, tive dificuldade em não olhar para você durante todo o trajeto, mas me contive, eu precisava que você me mantivesse segura e que não pensasse que eu era uma completa maluca perseguidora. Em meio a todos meus pensamentos me dou conta que estávamos atravessando a ponte que liga o Brooklyn aos distritos de Manhattan, era a primeira vez que eu ia para outro lado da cidade. Só então percebi que eu estava de certa forma deixando meu passado para trás.

 Você me ajudou a sair do carro quando chegamos ao hospital, como eu não conseguia firmar o pé no chão,                                                                                          você  todo paciente me pegou no colo, confesso que me segurei para não sentir a maciez do seu cabelo ao enlaçar seu pescoço enquanto atravessávamos o estacionamento, sempre muito gentil a todo o momento.

 Ninguém jamais se importou tanto comigo como você naquela noite, me refiro ao sexo masculino, eu estava em êxtase só com o simples fato de ser a pessoa a qual recebia um pouco de atenção, mesmo que tenha sido de um estranho que eu não veria novamente.  

 Meu tornozelo fisgava com muita dor e o fato de estar de salto só piorava, não preciso dizer que levei um sermão do médico por isso, tive que explicar que fui carregada no colo, que a após a lesão não firmei completamente o pé no chão. Não sei se o médico acreditou muito em mim, muito menos na explicação de como machuquei o tornozelo, tive a leve sensação de estar sendo julgada pela minha vestimenta, ou pela falta dela. Nenhuma mulher passa credibilidade por estar apenas de sobretudo, salto alto e batom vermelho berrante, em minha defesa eu não tinha muitas escolhas, ou eu arranjava um traje decente, ou fugia antes de ser vendida, acho que você sabe qual foi minha decisão.

  Enquanto eu esperava pelo diagnóstico do ortopedista, tudo o que se passava em minha mente mais uma vez era você, se ainda estaria me esperando, eu confesso que toda minha aflição naquele momento era gerada pelo medo de você não estar do outro lado da porta me esperando. O que não fazia sentido nenhum na situação em que me encontrava, sendo perseguida, sem um lugar para ir e ainda por cima com o tornozelo machucado... Eu estava na merda, literalmente.

 Que bobo da minha parte, implorando por migalhas. Em minha defesa, a única pessoa que realmente me amou morreu quando eu tinha 10 anos. De lá prá cá, Miriam tem sido a única a se importar com meu bem estar, então pode entender minha necessidade de acreditar que você também se importava, mesmo tendo me conhecido há poucas horas. Talvez eu estivesse um pouco carente, solitária na verdade, e me apaguei a você como um bote salva vidas, lutando para me manter na superfície, mesmo que tudo fosse contra mim e me puxasse constantemente para o fundo.  

  O Dr. Miles entrou no consultório segurando minha radiografia, explicou a extensão da minha lesão, nada muito sério desde que seguisse toda sua orientação. Pelo que eu havia entendido, a lesão era de primeiro grau com um

estiramento de um dos ligamentos, mas não houve ruptura do mesmo, o que poderia causar inchaço e dor. Ótimo, era tudo o que precisava no momento, como eu iria fugir sem poder andar direito? Já que o Dr. Miles prescreveu repouso, compressas de gelo e mantivesse pé elevado, para que o inchaço minimizasse e para que, também, as dores diminuíssem. Além é claro de analgésico, já que a dor se manifestava por todo o meu pé e tornozelo, uma careta surgia em minha face sempre que as pontadas vinham com tudo, e como brinde saí do consultório com uma linda bota ortopédica. Lembro como você olhou de mim para a bota, a preocupação estampada em sua face, enquanto eu ia em sua direção.

 Fizemos todo o processo anterior até o carro, por sorte com a bota eu conseguia ter mais apoio, e não precisava ser carregada, pois é, você não tinha noção da minha alegria por ver você me esperando no corredor do lado de fora do consultório, em algum momento passou por sua cabeça o motivo de eu estar sorrindo ao invés de estar sentido dor? O motivo era você, eu podia ver sua expressão cansada, mas ali estava você, todo atencioso com uma estranha da qual você não tinha idéia do quanto ela estava encrencada e te arrastaria para os problemas dela.

- Qual parte da cidade fica sua casa?

 Sua pergunta me fez despertar dos meus pensamentos e um pânico se instalou pelo meu ser, pela segunda vez naquela noite, eu não tinha idéia se era seguro ir para meu apartamento. O Jacob poderia estar me esperando junto com seus brutamontes, levei uns cinco minutos pensando no quê dizer a você, a procura de uma saída.

- Humm... Hã... Pode me deixar no motel mais próximo. - Talvez ir para um motel não era a melhor escolha, mas não tinha outra opção, não quando ir para casa não era seguro e tinha o problema do meu pé machucado.

- Você não mora na cidade? - seus olhos desviaram do trânsito e se voltaram para mim.

- Ah... Sim... – respondi nervosa.

- E por que você não pode ir para sua casa? Tem a ver com o cara do outro lado da rua que te observava?

 Movi a cabeça tão rápida ao ouvir sua pergunta que eu pude sentir meu pescoço estalar. Jamais passou pela minha cabeça que você tivesse notado algo, que o carro parado do outro lado de onde estávamos havia chamado sua atenção.

- Como assim? Que cara? – mantive minha voz firme, escondendo meu medo.

- Enquanto eu te ajudava a se levantar, vi um cara parado no outro lado da rua nos observando. – seus olhos azuis me encararam, e desviei o olhar para minhas mãos trêmulas, juntei sobre o colo para que você não percebesse. - Quando passamos pelo carro dele você ficou tensa, suas mãos tremeram ao longo de todo o caminho para o hospital.

 Não vou dizer que não fiquei surpresa por sua observação em relação a mim, você notara muito mais do que pensei, notou também meus olhares de admiração? Ou consegui disfarçar... Acho que sim, você jamais comentou sobre. Sua observação me deixou nervosa, como eu explicaria o motivo de não poder ir para minha casa e quem era o meu perseguidor? Eu precisava de uma resposta direta, sem rodeio, ou você não pararia com as perguntas, das quais eu não queria responder.

- O cara... Ele é o meu ex. Nosso relacionamento era meio conturbado e ele não aceitou muito bem o término. Tivemos uma discussão, eu saí correndo, não prestei atenção ao sinal aberto, e o resto você sabe.

 Eu pareci convincente, não foi? Acho que sim. No meu nervosismo falei a primeira coisa que passou pela minha mente. Todo mundo tinha problema no relacionamento, então foi fácil você acreditar. Mas foi minha primeira mentira, a primeira de muitas, e eu me senti mal por mentir para você. Desculpa-me, não tive escolha, era arriscado demais você saber, o colocaria em perigo, já que eu não tinha idéia do que você faria se soubesse a verdade. Insistiria para que eu denunciasse, que fosse a polícia, e sim, era o que eu devia ter feito. Mas o medo do que Jacob faria com Miriam e Mia prevaleceu, enquanto eu me mantivesse calada, tudo o que ele faria era vir atrás de mim, eu poderia lidar com isso, não me importava ter que fugir a vida inteira se isso as mantivesse vivas, até que um dia eu pudesse resgatá-las.

- Você tem medo que ele esteja te esperando em casa? - Sem querer mentir mais, eu apenas assenti, desviando o olhar para fora da janela.

- Tudo bem. - Foi tudo o que você disse, o silêncio voltou a reinar entre nós. Fiquei satisfeita, assim não teria que inventar mais nenhuma mentira pra única pessoa que estava me ajudando sem me conhecer, apenas movido pela bondade.

 Você me ajudaria naquela noite se soubesse quem eu era? Que, na verdade, eu estava fugindo do meu chefe por ele querer me vender com uma mercadoria. Ajudaria-me se soubesse que eu era, na verdade, uma strip e não uma simples pessoa com problema com o ex obsessivo? Vendo a situação em que me encontro, percebo que a resposta às minhas perguntas é não. E essa constatação me tira o fôlego, porque você não imagina o quanto eu estava agradecida pela sua ajuda, e o quanto estou me sentindo perdida sem a possibilidade de nunca te ver mais.

 Voltando...

 Despertei sem saber onde eu estava durante os minutos que sucederam depois de nossa breve conversa, peguei no sono, estava cansada e sentindo muita dor. Olhei ao redor tentado me localizar, mas a propriedade a minha frente me deixou de queixo caído, por sua beleza e dimensão. Desviei minha atenção da bela casa e encarei seus lindos olhos azuis sem entender direito o porquê de você ter me levado para sua casa, mas preferi não fazer qualquer objeção, precisava de qualquer ajuda que fosse oferecida no momento.

 Novamente apoiada em você, caminhamos para a entrada da casa, por dentro era ainda mais linda, como aquelas casas de filme. Seguimos pelo hall de entrada, admirei o teto com pé direito, acima de nós um lustre pendente de cristal, continuei observando tudo com extrema curiosidade, o espelho de designer antigo sobre uma mesinha com algumas plantas, cada detalhe chamava minha atenção por ser alguém que jamais entrou em um lugar luxuoso, imaginei que o resto dos cômodos deveria ser de tirar o fôlego. Subimos a escada ao fim do hall com certa dificuldade, por causa do meu pé machucado. Atravessamos um extenso corredor com várias portas, você abriu uma delas e indicou que eu entrasse. De novo, admirei cada detalhe, a cama grande com quadros decorando sobre a cabeceira, luminária sobre o criado mudo, a TV na parede em frente a cama, lindas persianas claras, eu nunca estive em um quarto como aquele, não tinha nem idéia do que fazer com medo de estragar alguma coisa cara.

- Pensei que você ficaria mais confortável aqui do que em um quarto de motel qualquer. Descanse, amanhã resolvemos o que fazer. – sua voz gentil capturou minha atenção, eu não acreditava na sorte que estava tendo desde que colidi com o seu carro no cruzamento.

  Sem saber o que fazer com toda sua gentileza, permaneci no meio do quarto em silêncio. Como não respondi nada, em choque com tudo o que estava acontecendo, meio sem jeito você virou-se para sair do quarto, mas parou e voltou o olhar em minha direção.

- À propósito, qual o seu nome? – devo dizer que cogitei a possibilidade de mentir, dizer um nome falso, mas olhando ao redor, saber que você havia me levado para sua casa, me impediu de mentir novamente, você tinha o direito de saber ao menos meu nome verdadeiro.

- Meu nome é Ayla. – falei, eu devia a você isso, dizer ao menos uma verdade.

- Prazer, Ayla, sou Chris. - Nossos dedos se tocam em um cumprimento corriqueiro, encaro seus olhos sem conseguir desviar durante alguns segundos, imagino que todas jamais conseguiram não admirá-los.

Hoje sinto falta de poder admirar seus olhos azuis que me fascinam, sou capaz de olhá-los pelo resto de minha vida, e nunca será o suficiente.

- Melhor irmos dormir, foi uma noite agitada, e você não pode permanecer em pé por muito tempo. Tenha uma boa noite, Ayla. – você deu um sorriso simples, o admirei, confesso, seus lábios rosados meio escondido pela barba cheia.

- Pra você também.

  Sozinha, naquele imenso quarto, fiquei olhando para a porta  sem saber o que fazer. Porque quando o dia amanhecesse, o que não demoraria, eu teria que decidir o que fazer da minha vida. Para onde ir era minha maior preocupação naquele momento, além disso, precisava saber como Miriam estava, se Jacob desconfiou de sua ajuda em minha fuga, era uma resposta que não teria no momento. Sem muito o que fazer resolvi deitar, meu pé incomodava muito, após retirar a bota, apoiei meu pobre tornozelo em uma almofada para deixá-lo elevado, o que ajudou a aliviar a dor. Não demorei a pegar no sono com o cansaço, depois da minha aventura épica que se iniciou fugindo e terminando em um quarto de luxo na casa de uma cara desconhecido, que provavelmente sentiu pena de mim.

 Sabe, que era estranho naquela situação toda? Era que, mesmo eu sabendo que ainda corria perigo, que Jacob poderia me encontrar e me arrastar de volta para o seu covil, e me torturar até a morte. Eu não sentia medo, deitada naquele quarto eu me sentia segura, era uma sensação estranha, já que eu mal te conhecia, não me pergunte o porquê, eu também não sabia.

 Descobri semanas depois e a resposta estava nas batidas do meu coração, ansioso em te ver quando o dia amanhecesse, mesmo que talvez fosse pela última vez.

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