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   Com um último adeus, corri, saindo do salão, indo pelo corredor que dava para os camarins. Meu coração explodindo em meu peito pelo o que eu estava prestes a fazer, pois, fugir não era o problema, ser pega e trazida de volta faria eu desejar ter sido vendida. Porque as poucas que sobreviveram jamais tentaram cometer o mesmo erro, e nunca comentaram o que Jacob fez com elas.

 E olha só, lá estava eu, prestes a cometer a mesma burrice, e mais uma vez eu não tinha escolha, se aqui as coisas já eram difíceis, eu não queria imaginar sendo feita de objeto sensual todas as noites, enquanto houvesse vida em mim. Na boate você poderia escolher se iria dormir com algum cara, não era obrigatório, desde que você fizesse um bom show de striptease, entretece o público. Se os clientes gostassem e voltassem para te ver, estava tudo bem, pois, de certa forma a casa recebia seu lucro.

   Em silêncio entrei em um dos camarins compartilhados, respirei aliviada por estar vazio, encostei na parede refletindo minha decisão. O primeiro soluço escapou da minha garganta, o pranto rompeu meu peito, pois eu estava com medo, apavorada, na verdade, pelo que poderia acontecer comigo, então me dei esse tempo para extravasar meus medos, antes de ir a procura de uma nova direção, um novo rumo para minha vida.

  Como eu era a última a dançar naquela noite, não havia mais a correria de troca de figurino como ocorria sempre. Procurei minha bolsa em meio a bagunça de roupas espalhadas por todo lado, a encontrei em baixo de um sobretudo preto, rapidamente retirei do sutiã todo o dinheiro que consegui naquela noite, o colocando dentro da bolsa. Próxima missão foi achar a roupa que vim vestida de casa, uma coisa que essas garotas não eram, é ser organizadas. Tinha certeza que deixei minhas coisas tudo juntas, mas não encontrei nada naquele imenso lixão que era o camarim.

 Concentrada na tarefa de achar minha roupa, não ouvi que alguém se aproximava, quase tive um infarto quando ouvi a voz grave do Nathan, um dos piores seguranças do Jacob, não preciso dizer que  todas nós tínhamos medo dele.

- O chefe mandou você se apressar, seu show começará em cinco minutos. – Em sua expressão não havia nenhum requício de humor, mas em seus lábios havia uma sombra de um sorriso. – Ah, o Sr. Levis mandou você caprichar, hoje tem um convidado que veio somente para te ver. – seu sorriso se alargou, mostrando seus dentes amarelados pelo cigarro, permaneci petrificada o encarando, com receio que de alguma forma Nathan descobrisse que eu estava indo embora, e me impedisse, me arrastando pelo cabelo até Jacob

- Não se preocupe, farei o meu melhor para o convidado do chefe. – consegui falar sem desviar o olhar, por mais que eu tivesse medo dele, não queria demonstrar, só atiçaria seu lado masoquista.

  Sem dizer nada, Satã, como muitas de nós o chamava, saiu me deixando sozinha e apavorada. Se eu não saísse antes dos cinco minutos, ele voltaria para me buscar pelos cabelos, não antes de marcar meu rosto como punição pela minha insubordinação. Desistindo das roupas, vesti o sobretudo por cima da minha minúscula lingerie com cinta liga e meia calça, peguei minha bolsa, saindo pelo mesmo corredor, seguindo para o lado oposto em direção ao depósito.

 Logo depois havia saída dos fundos, usada para descarregamento das bebidas, apressei os passos antes que sentissem falta da minha pessoa e todo o exército de brutamontes estejam atrás de mim. Passei pelo depósito, continuo o meu caminho para a porta no final do corredor, minha última barreira para o mundo exterior. Toquei o trinco frio e torci para que estivesse destrancada, ou eu estaria em sérios apuros, meu coração para até o momento que sinto a brisa fria tocando meu rosto, aliviando minha aflição, uma parte dela, pelo menos.

  Respirei aliviada, a primeira parte foi fácil, só tenho que chegar até um ponto de ônibus viva, não parece uma tarefa difícil para qualquer outra pessoa, já no meu caso era complicado, quando eu poderia ser alvejada a qualquer momento. Saí o mais rápido que eu podia do beco lateral da boate onde os carros estacionam para fazerem entregas. Não iria demorar muito para perceberem meu sumiço, segui pela rua deserta o mais longe que eu podia andando de salto tamanho 15. Para meu azar, não consegui encontrar nenhum táxi desde que deixei a boate, e o ponto de ônibus ainda estava longe. Andei apressada, sem rumo, com medo que me encontrassem, pois seria o meu fim.

 Senti-me cansada e com os pés doendo por te andando por quase uma hora a pé, por algum milagre não fui descoberta. Eu estava à uma distância considerada longe da boate, talvez eu conseguisse chegar ao apartamento e pegar minhas coisas, ir embora, o mais longe que eu pudesse ir. Olhei as horas em meu velho celular, já passa de uma da manhã, na velocidade em que eu conseguia ir a pé iria chegar onde eu morava ao amanhecer. Enquanto andava pensei, não havia possibilidade de ir para casa, qual a chance do Jacob estar lá me esperando? Com toda certeza seria o primeiro lugar que ele iria me procurar.

 Parei, pensando para aonde eu iria até ser seguro voltar para casa? As possibilidades eram nulas, eu não tinha para aonde ir, a única pessoa que eu conhecia era a Miriam, e ela não poderia me ajudar sem entregar sua participação na minha fuga.

 Enquanto pensava, ouvi barulho de carro se aproximando, no primeiro instante segui tranquilamente, imaginando que poderia ser qualquer outra pessoa indo para casa depois de uma noite badalada pela cidade, até que ouço o carro parar bruscamente e barulho de portas batendo. Levei um tempo para me dar conta que eu estava em apuros, os capangas do Jacob haviam me achado, não tinha muito que pensar, tudo o que poderia fazer naquele momento era correr o mais rápido que podia.

 O desespero tomou conta de mim, a cada batida do meu coração eu sabia que seria o meu fim se eu não conseguisse ser mais rápida que eles. Não queira  imaginar o que Jacob faria comigo quando eu fosse jogada aos seus pés, e ser obrigada a encarar minha derrota. Já sem fôlego e sem conseguir correr o suficiente, parei olhando para os lados, tentando decidir para onde ir. Não demoraria para que  me alcançassem, droga, não era possível que ninguém visse uma mulher sendo perseguida, um pouco difícil, considerando que a Avenida parecia deserta. Houve um puxão brusco em meus braços, fui puxada para trás, virei-me dando de cara para o Edu que me olhou com fúria, enquanto abria um sorriso por sua vitória. Tentei me soltar, mas seu aperto se tornou mais forte em um abraço de urso, eu sabia que ele me manteria presa até que os outros nos alcançassem, eu só tinha esse pouco tempo para me soltar.

 Busquei em volta algo que me ajudasse, mas sem muito sucesso. Por algum milagre, haviam dois carros esperando o sinal abrir no cruzamento, se eu pudesse  me soltar e correr o suficiente para pedir ajuda, talvez alguém em um dos carros parasse para me socorrer. Olhei de volta para Edu a procura de um ponto franco, mas avistei Nathan se aproximando com um sorriso presunçoso no rosto, imaginando o que faria comigo quando me levasse de volta e o chefe decidisse meu castigo. Sem muito que fazer, usei o golpe mais velho do mundo, mas que sempre funcionava, levei meus joelhos com toda força em direção às suas partes íntimas, em sua face surgiu uma careta de dor e seus braços me soltaram.

 Aproveitando de seu descuido, saí correndo pela calçada em direção ao cruzamento, no exato momento que Nathan o alcança, furioso, pelo canto do olho o vi puxar a arma da cintura, apontando na minha direção, perfeito, ele iria me matar ali no meio da rua, sem se importar com testemunhas. Por puro instinto parei minha corrida no momento que o sinal abriu, faróis iluminaram meu rosto, com o susto perdi o equilíbrio caí de mau jeito no meio do cruzamento. A minha morte era certa, ou eu morreria pela bala da arma do Nathan ou sendo atropelada pelo carro, fechei os olhos esperando pelo inevitável. Por sorte, o motorista conseguiu frear o carro a tempo e por um milésimo não fui atingida.

 Abri os olhos lentamente, as batidas frenéticas em meu peito eram a única prova que eu ainda estava viva, só não sabia por quanto tempo. Eu tinha que levantar e sair antes que ele resolvesse me buscar ainda ali no chão, sentei bruscamente no momento que o dono do carro abriu a porta, dando a volta no mesmo, vindo até onde estava caída.

- Você está bem? - sua voz grave chamou minha atenção, ainda assim, continuei de cabeça baixa avaliando a minha situação.

- Sim. – respondi.

 Qual é a chance que eu tinha para Nathan desistir de mim? Qual a chance dele não matar o pobre moço que resolveu ajudar uma pobre alma, sem saber o risco que corria? Eu sabia que não havia possibilidade do Nathan desistir de me levar de volta, não sabe o quanto eu estava com medo, não só por mim, mas por você. Seria culpa minha, caso acontecesse algo a você naquele momento, um ser que estava apenas tentando ajudar alguém tarde da madrugada.

- Desculpa, a culpa foi minha, tava respondendo a uma mensagem no celular e você surgiu do nada. - você continuava a se explicar, eu não queria dizer que na verdade eu corri na sua direção, feito uma louca desesperada.

- Não precisa se desculpar, eu que entrei na frente do seu carro feito uma maluca. - Quanto tempo eu tinha até que Nathan perdesse a paciência e matasse você por minha causa? Mesmo que meus instintos me mandassem eu olhar para trás, os ignorei.

- Vem, deixe-me te ajudar a se levantar. - você estendeu a mão para mim, ainda sem olhá-lo diretamente, segurei, sentido um fio de eletricidade percorrer meu corpo, não entendi o porque, na verdade, na situação que eu me encontrava não dei importância a algo tão banal, provável que fosse devido a adrenalina pela fuga. Mas agora sei que era minha alma reconhecendo a sua, como uma forma de me avisar que você era o amor da minha vida, e que eu enfim havia o encontrado em um dos piores momentos da minha vida, o universo deveria ter avisado a você também que me ajudar seria sua destruição. Enfim... Assim que firmei o pé no chão senti uma fisgada em meu tornozelo esquerdo e quase caí novamente, por sorte você passou seu braço por minha cintura, me mantendo em pé junto a ti, e pude inspirar seu perfume, se eu fechar os olhos posso senti-lo, seu cheiro tem estado em mim desde então, se negando a me deixar.

- Droga. Espero que não seja nada sério... - parei de ouvir seja lá o que você dizia. Pela a primeira vez desde que esse estranho veio falar comigo, reparei nele com mais atenção. Naquele exato momento me senti vivenciando um clichê literário onde o mocinho havia vindo me resgatar, sua beleza me tirou fôlego.

- Moça, está me ouvido? Você precisa ir ao hospital para ser examinada e ter certeza se o machucado no tornozelo não é nada sério. - saí do meu estupor com suas palavras atenciosas.

 Dei-me conta que ainda estávamos parados no meio do cruzamento, me afasto do estranho que passou a ser o meu herói o suficiente para não cair e para que eu pudesse ver se Nathan ainda está por perto, enfim tomei coragem. Não vejo sinal dele e nem do Edu, mas antes que eu pudesse respirar com tranqüilidade, vejo o carro escuro do outro o lado do cruzamento e sei que estão nos observando. Eu não queria ficar ali e descobrir o que estavam planejando, era minha chance de escapar dos dois, escapar da vida miserável que eu levava, e deixei que as coisas seguissem seu rumo.

- Não consigo andar, meu pé esquerdo dói muito quando piso no chão. - falei para meu herói, que no caso era você.

 Sem dizer nada, você me ajudou a levantar sem que eu precisasse tocar o pé no chão. Ajudou-me a entrar no carro, logo sentando ao meu lado. Com as mãos trêmulas e o coração agitado, coloquei o cinto sem tirar os olhos do veículo ainda parado do outro lado da rua, a espreita. Você deu a partida no carro, ao passarmos pelo Audi preto um medo me atingiu, tudo que Natham tinha que fazer era abaixar o vidro e atirar em nossa direção, teria sido nosso fim. Para o meu alivio tudo permaneceu calmo e de certa forma não conseguia  me sentir aliviada por ter conseguido escapar com tamanha facilidade.

 E hoje, entendo, acabei me tornando parte de algo que naquele momento não tinha idéia que mudaria minha vida, e a de pessoa à minha volta, e sabendo de tudo agora, penso que talvez ter morrido naquele momento teria evitado toda a dor que causei a você.

 O que eu não sabia naquela noite era que, no momento que eu conheci você, naquele cruzamento, um plano inescrupuloso se formou na cabeça do Jacob. Quando Nathan ligou para saber o que deveria fazer naquela situação, a instrução era clara até o momento em que Jacob ficou sabendo por seu fiel segurança quem era meu salvador, nada mais que o ator famoso Chris Reed, eu podia ser uma strip, mas gosto de ver filme imaginando que faço parte daquele universo que tudo é possível. Quando Miriam estava grávida passávamos as tardes livres vendo filme, minha amiga suspirava sempre que via Reed na TV, com seu corpo de tirar o fôlego e olhos azuis, confesso que gostava de admirar seu sorriso marcante que nos faz querer rir junto, e ao te conhecer pessoalmente, percebi que você era tudo o que eu imaginava sentada no sofá da minha sala.

Qualquer ser humano conhecia você, seu trabalho, seus prêmios em reconhecimento ao seu talento como ator. E é aí que tudo começa... Meu pesadelo real, achei que minha vida não poderia se tornar mais miserável, achei que o amor nunca chegaria para mim, eu estava errada quanto as duas coisas. Chegou, devastando todo o meu ser, me dando uma amostra do que é ser feliz, apenas para me machucar e por consequência destruir a vida de alguém que merecia muito mais do que eu poderia dar... Obrigada destino filho da p**a, você estava rindo da minha cara mais uma vez quando me fez ter esperança de ser feliz, até o momento que você foi lá e puxou o meu já estragado e conhecido tapete, me jogou de cara no chão de novo, e não há qualquer esperança para mim agora, nunca houve, não é mesmo?

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