Deitado na grama eu via o céu mudar do azul para o roxo. As estrelas usavam véus de auroras boreais dando vida à noite. Como era bonito e triste. Meu corpo se arrepiava e a minha alma muda se contorcia dentro da minha mente gritando sem som; só dor e angustia.
Sabia que meus pais estavam no velório, e não se importariam em me ter por perto; eu apenas os envergonhava. Um grande fardo inútil e chorão. Eu manchava a reputação tão imaculada da minha nobre família.
Eu encarava o carvalho velho, o cipó em forma de forca ainda lá, esperando que alguma mágica miraculosa se revelasse e quem sabe, saltasse em cima mim; quem sabe trazendo os risos dEla e os beijos dEla... O calor e o brilho dEla. Ela.
Por uma eternidade de tempo choveu debaixo dos meus olhos e o ar era mais sufocante quanto enxofre podre. Ainda me sentia preso nas paredes invisíveis do feitiço, vendo uma última vez o sorriso meigo dEla e o terror do corpo dEla tremendo em espasmos no ar, e eu totalmente rendido e impotente.
Senti a terra debaixo dos meus pés tremer fazendo meu coração pular no peito, por alguns segundos acreditei que os Doze tinham ouvido meu pedido. Era uma vã esperança.
Uma voz chorosa borbotava debaixo da terra. Um eco espectralmente melancólico. Garras finas abriram um pequeno buraco revelando miúdos olhos verdes. A criatura rasgou o chão, parou na minha frente cabisbaixa e ficou me encarando triste.
Todo o medo passou, e foi nesse momento que eu soube que tinha o meu totem e que ele me trazia algo mais.
Algo que eu desejava mais que a minha efêmera vida.
Oar estava fresco quando o Mister Pontudo lambeu os meus dedos repletos de creme de banana. Levantei-me sonolento, tropeçando e derrubando as coisas ao meu redor. Uma fina camada de poeira e serragem levantou me fazendo tossir e espirrar. Minha cabana sempre foi uma bagunça, e isso porque era apenas um grande cômodo com um banheiro externo. O fogo da lareira estava baixo e o ar com cheiro de banana e lenha. Na porta de entrada havia um aviso na soleira, o papel pardo tinha sido rasgado às pressas de algum bloco de notas e escrito com força. "Cadê, meus bonecos de madeira!? Eu os quero para amanhã, se não, não quero mais. - S.M" —Vê isso Mister Pontudo?— Balancei o recado na frente do meu totem que me olhava com curiosidade com seus olhões brilhosos.— Coma essa merda. O unicórnio mastigou o papel com vontade derrubando baba no chão e balindo de satisfação. Lavei os meus dedos e o rosto na pia c
Acordei em um pulo. O coração batendo tão forte contra minha caixa torácica que pensei que estava tendo um infarto no miocárdio. Assim que não percebi outros sintomas, me livrei dos lençóis de pelos de unicórnio-ovelha que estava grudado ao corpo, e concluí precipitadamente que havia sido apenas uma forma do meu cérebro me acordar, ativando hormônios de adrenalina e não um sonho profético. No meu sonho uma sombra tomava toda Teran e perfurava as pessoas, não se importando entre culpados e inocentes, e eu só olhava inútil e sem valor. Da mesma forma que me senti quando os meus seis irmãos me amarraram e me jogaram na floresta para morrer; eu era só um pueril de 12 anos. Sacudi a cabeça e ignorei o pesadelo junto com as lembranças, da mesma forma que ignorava todos abaixo de mim. A minha bola de cristal tocava em algum lugar do meu suntuoso e circular quarto. As paredes eram feitas em quartzo e o telhado abobado banhado em ouro. Um capricho que rece
Eu estava limpa, eu juro pelos Doze, não havia usado nenhuma erva de amplificação de clarividência ou aplicado algum espinho de expansão de consciência em minhas veias, não me tomem por louca, eu sabia o que tinha visto. Eu não era louca, pelo menos não antes de tudo isso. Hoje nem sei mais. Eu estava no bosque buscando raízes amargas junto com minha caipora, Kiki. Queríamos fazer um chá para minha avó que tinha veias grossas e não podia andar. Isso não importa, eu sei, mas quero explicar o que eu estava fazendo lá, a galera entortava o nariz para gente como eu. Não tenho culpa não ter as Coisa bem ajustadas na cachola, demorou muito mais anos, mas eu tinha Kiki e juntas eramos incríveis.Ela era a minha melhor amiga. Caminhamos por horas sentindo o ar fresco do bosque e admirando as árvores multicoloridas de Teran, até que vimos quatro jovens e seus totens. Eram encrenqueiros que viviam judiando dos novatos no colégio e batendo nos mais fracos. Uma vez eles ten
A pessoa mais psicologicamente vulnerável se torna o alvo específico de uma força externa.Essa opressão debilita e destrói aos poucos a vontade dessa pessoa, fazendo-a se questionar se ela está bem.Com o passar do tempo a pessoa exibe sintomas anormais; como repulsa a itens sagrados, mudança de humor, conhecimentos desconhecidos, força sobre-humana, ataques constantes a si mesmo ou a outras pessoas e medo de si próprio. Tendo oscilações entre os sonhos e a realidade.Nessa fase a pessoa ainda tem controle de si, tem sua própria consciência e pode subjugar a força externa com a ajuda de alguém
As xícaras de chá estavam tão sujas que me davam repulsa. É até engraçado lembrar disso. Eram peças de cristais raros com detalhes em diamantes e florins de ouro, mas olhar para elas só me causavam tristeza e raiva. Lembravam-me de tempos mais gloriosos e que tudo estava em seu devido lugar. Esses tempos ruíram quando Avill surgiu tão especial com seu dragão cobra de mil cabeças. Dores insuportáveis se alojaram em minhas pernas, meu decote antes robusto e atrevido, se tornou flácido e propenso a se dobrar sobre minhas roupas, sem se falar dos olhares que não pousavam mais em mim, só naquela criatura que me chamava de mãe. Aquela criaturazinha que de dentro de mim sugou toda a minha beleza e jovialidade, e até minha magia. Como eu a odiava com todas as minhas forças. Só me forcei a fazê-la, pois os malditos pais do Cristóvão iriam desfazer nosso casamento se eu não gerasse descendência, e eu não podia perder a glória que tinha de ser uma Noar.
Já fazia algum tempo que não via Shenraj, por isso combinamos de nos encontrar no parque dos Cogumelos Brilhantes, o lugar que pegamos pela primeira vez nas mãos. Tinha sido um dia lindo e ensolarado, Avill falava por nós dois, enquanto dávamos várias voltas de mãos dadas rindo e aproveitando o tempo juntos. Que lembrança feliz e triste. Ver o Shen de agora me dava tristeza, o garoto estava mais magro e com os olhos profundos. Seu totem seguia-o poucos centímetros atrás fungando o nariz e coçando com frequência as orelhas pontudas. — Você está bem Shen?— Perguntei, sabendo que não, mas ele não era de falar se não fosse perguntado.— Já faz algumas semanas que não nos vemos. — Estou. — Disse rispidamente soltando meus dedos. —E como está a vida de estagiária do grande detetive Conrado.— Sua voz estava mais fina e mais áspera. — Ele é um investigador na verdade.— Corrigi, ba
Eu trabalhava na Espiral desde meus cinco anos. Meu pai era faxineiro, e eu herdei a mesma profissão. Era um serviço digno e invisível, as pessoas não me viam ou fingiam não ver, principalmente na Espiral aonde se encontravam as pessoas mais importantes de Ligencia. Eu gostava muito disso, já que sempre fui muito vergonhoso. Eu estava no penúltimo andar, limpando o banheiro do Alto Magistrado, quando ouvi a risada alta e alegre do Alto Policial seguido do próprio Alto Magistrado. — Eu pensava que esse dia nunca chegaria.— Gritou o Alto Magistrado chutando seu kappa que caiu de cara no chão de pedra, eu me encolhi de medo, já senti a bota dele nas minhas costas.— Conseguimos prender aquele merda do Cristóvão e de quebra resolvemos o mistério sem aquele arrogante do Conrado. Eu olhei pela fresta da porta do banheiro para se havia alguma saída. Mas o Alto Policial bloqueava a porta. Lesmir estava tão pomposo que não fez esforço em f
Quando a pessoa oprima perde todo o senso de realidade, ela é possuída por uma força externa. Ela perde o controle de seu corpo ficando inerte em alguma parte de sua mente vendo, ouvindo e sentindo tudo, mas sem poder interagir com os outros, enquanto a entidade humana ou não-humana se apossa totalmente de suas funções fazendo o que quiser e matando aos poucos o possesso.Nos estágios iniciais as pessoas ao redor podem tentar forçar o animo e a vontade do possesso, tenta-lo fazer lutar contra a força externa, pois esse é o único meio de isso acabar. Se o possesso desistir de lutar, a entidade humana ou não humana toma sua existência.