Eu trabalhava na Espiral desde meus cinco anos. Meu pai era faxineiro, e eu herdei a mesma profissão. Era um serviço digno e invisível, as pessoas não me viam ou fingiam não ver, principalmente na Espiral aonde se encontravam as pessoas mais importantes de Ligencia. Eu gostava muito disso, já que sempre fui muito vergonhoso.
Eu estava no penúltimo andar, limpando o banheiro do Alto Magistrado, quando ouvi a risada alta e alegre do Alto Policial seguido do próprio Alto Magistrado.
— Eu pensava que esse dia nunca chegaria. — Gritou o Alto Magistrado chutando seu kappa que caiu de cara no chão de pedra, eu me encolhi de medo, já senti a bota dele nas minhas costas. — Conseguimos prender aquele merda do Cristóvão e de quebra resolvemos o mistério sem aquele arrogante do Conrado.
Eu olhei pela fresta da porta do banheiro para se havia alguma saída. Mas o Alto Policial bloqueava a porta. Lesmir estava tão pomposo que não fez esforço em f
Quando a pessoa oprima perde todo o senso de realidade, ela é possuída por uma força externa. Ela perde o controle de seu corpo ficando inerte em alguma parte de sua mente vendo, ouvindo e sentindo tudo, mas sem poder interagir com os outros, enquanto a entidade humana ou não-humana se apossa totalmente de suas funções fazendo o que quiser e matando aos poucos o possesso.Nos estágios iniciais as pessoas ao redor podem tentar forçar o animo e a vontade do possesso, tenta-lo fazer lutar contra a força externa, pois esse é o único meio de isso acabar. Se o possesso desistir de lutar, a entidade humana ou não humana toma sua existência.
Eu não podia suportar toda aquela violação e dor, mas as palavras de Madame Noar estavam talhadas em minha cabeça. — Espero que não envergonhe o nome dos Noar. — Ela era tão linda, eu desejava um dia ter a metade da beleza e graça que ela possuía. — Escute bem, você fará TUDO que eles pedirem. Entendeu? Essa foi a última vez que vi minha ma... Quer dizer... Foi à última vez que vi madame Noar. O treino com os Doze era incrível, mas doloroso. Eu passava horas recitando conjurações e esconjurações. Invocava tulpas de sonhos esquecidos e dava animações a esculturas. Dobrava e manipulava a entropia, e fazia e refazia o tempo. Não havia ninguém da minha idade no monastério dos Doze, mas fiz amizade com uma serviçal cega que me ajudava com os afazeres diários. Muitos deles temiam que eu fosse a profecia e por isso criaram feitiços que reduziam meus poderes e pactos que me permitiam usar no máximo trinta por cento do meu poder, antes
Era uma manhã calma quando abri as portas da escola infantil para crianças da elite de Teran. Mas algo estava deixando meus pelos da nuca arrepiados. Era um pressagio, eu sabia. Abri todas as janelas como fazia nos últimos cento e cinquenta anos. Aguei às plantas, algumas extintas atualmente, e recitei alguns feitiços para ampliar a aprendizagem e o bom comportamento. Tudo feito soou o sino e as crianças chegaram. Elas se sentaram em seus lugares colocando seus canalizadores mágicos sobre as mesas e me esperaram. Encarei-os por um longo tempo recitando agouros de boa fortuna e de sucesso, era um desejo real e verdadeiro. Seus rostos estavam cheios de medos e apreensão sobre o futuro. Isso era bom, enquanto se questionassem eu podia invisivelmente manipular suas mentes e fazê-los perderem o sono e a fome, pois todo o futuro deles dependia das minhas avaliações. —Bem, — Comecei. —Futuros membros da elite de Ter
Eu me lembro de que estava dormindo, havia passado horas na Espiral tentando entender como o lugar mais seguro do mundo ardia em chamas, quando do nada fui lançada da minha cama para o chão. Levantei correndo, mesmo que desnorteada pela pancada, e abri a janela, o que vi nunca, nunca mesmo saiu da minha memória. Ligência estava pegando fogo, não era um fogo normal, era um fogo multicolorido. Cada labareda trazia uma tragédia e uma peste. O fogo verde fazia vermes saírem das pessoas, o fogo azul congelava, o fogo negro queimava a alma das pessoas deixando seus totens, o fogo rosa explodia os corpos membro a membro, e fora as cores que não eu conseguia distinguir. Além do fogo havia monstros horríveis e totens espectrais voando e correndo pela vila. Era uma visão que não poderia existir em Teran. Vesti rapidamente um vestido azul, o último presente que Shen me deu. Glacy apareceu voando sobre minha cabeça lançando penas de gelo em um monstro que surgiu em
Um beep me desperta. É hora do café da manhã. Ainda estou sonolenta e exausta dos treinamentos mentais da noite anterior. Mas já consigo viajar astralmente nessa dimensão. Levanto alisando minha camisola e tentando ajeitar meus cabelos pretos da melhor forma possível. Por algum motivo essa realidade não permite fluidez de cor e textura, ela é meio barbara. —Eu vou te encontrar Shen. — Falo determinada para o meu reflexo percebendo que minhas olheiras estão piores. —Eu sei. — Ele responde no fundo da minha mente. A porta se abre revelando a enfermeira Joyce com a bandeja de poções, que ela chama de remédios. Ela é simpática e não aperta meu traseiro como fazem alguns enfermeiros. —Bom dia. — Diz sorrindo, seus dreads cheios de elásticos coloridos a fazem parecer uma Medusa alegre. —Hoje quem está na luz? —Quem mais estaria? Apenas eu, Sol. — Respondo sentando na ca
A infestação começa com um contato. Alguma comida, algum item ou alguma perda. Algo de fora e sem controle. Uma mudança forte e substancial que altera toda a proteção e percepção de mundo ao seu redor. Tudo que tinha valor se perde em um mar de questionamentos e sentimentos escuros. Assim surgem os sussurros desconexos, os barulhos de passos, os pesadelos que se mesclam com a realidade e as coisas mudando de lugares. Uma sensação presente de ter alguém com você e te observando. Uma presença de fora que a cada dia que passa se aproxima e se torna mais você do que v
Deitado na grama eu via o céu mudar do azul para o roxo. As estrelas usavam véus de auroras boreais dando vida à noite. Como era bonito e triste. Meu corpo se arrepiava e a minha alma muda se contorcia dentro da minha mente gritando sem som; só dor e angustia. Sabia que meus pais estavam no velório, e não se importariam em me ter por perto; eu apenas os envergonhava. Um grande fardo inútil e chorão. Eu manchava a reputação tão imaculada da minha nobre família. Eu encarava o carvalho velho, o cipó em forma de forca ainda lá, esperando que alguma mágica miraculosa se revelasse e quem sabe, saltasse em cima mim; quem sabe trazendo os risos dEla e os beijos dEla... O calor e o brilho dEla. Ela. Por uma eternidade de tempo choveu debaixo dos meus olhos e o ar era mais sufocante quanto enxofre podre. Ainda me sentia preso nas paredes invisíveis do feitiço, vendo uma última vez o sorriso meigo dEla e o terror do corpo dEla tremendo em espasmos no ar, e eu totalmente
Oar estava fresco quando o Mister Pontudo lambeu os meus dedos repletos de creme de banana. Levantei-me sonolento, tropeçando e derrubando as coisas ao meu redor. Uma fina camada de poeira e serragem levantou me fazendo tossir e espirrar. Minha cabana sempre foi uma bagunça, e isso porque era apenas um grande cômodo com um banheiro externo. O fogo da lareira estava baixo e o ar com cheiro de banana e lenha. Na porta de entrada havia um aviso na soleira, o papel pardo tinha sido rasgado às pressas de algum bloco de notas e escrito com força. "Cadê, meus bonecos de madeira!? Eu os quero para amanhã, se não, não quero mais. - S.M" —Vê isso Mister Pontudo?— Balancei o recado na frente do meu totem que me olhava com curiosidade com seus olhões brilhosos.— Coma essa merda. O unicórnio mastigou o papel com vontade derrubando baba no chão e balindo de satisfação. Lavei os meus dedos e o rosto na pia c