Theo
Tem várias semanas que estou em Paris e tudo o que consigo fazer é vagar pela cidade, meio sem rumo. A saudade de Catarina só aumenta, assim como o temor de que ela esteja sofrendo nas mãos de Heitor. Todos os dias, quando acordo, corro para a Internet e pesquiso as notícias dos jornais do Rio de Janeiro, Mendes, Vassouras, Barra Mansa e adjacências. Quero ter certeza de que não tem escândalo nem tragédia envolvendo um juiz e, principalmente, uma mulher chamada Catarina Leal.
Sonho com Cat quase todas as noites: às vezes, sonhos românticos; outras, pesadelos terríveis. Acordo suado, gritando, me debatendo na cama. Sinto que emagreci desde que cheguei aqui porque a tristeza não me deixa sentir fome. Meu pensamento voa longe e quero saber como ela está. Será que ainda me odeia? Será que sobrou alguma coisa do seu amor?
***
Acordo decidido a erguer a cabeça e parar de me lamentar
Catarina Ao chegar à casa dos meus pais e deixo o carro no lugar de sempre, pela segunda vez no dia de hoje. Entro primeiro e recebo um olhar de espanto do meu pai. – Catarina? O que você está fazendo aqui? Espero que não tenha vindo voltar com aquela conversa – ele fala, sem ver Heitor atrás de mim. Quando meu marido entra no seu campo de visão, sinto que fica aliviado. – Fui eu que trouxe a Catarina – sentencia Heitor, devagar, enquanto fecha a porta. Em seguida, tudo acontece muito rápido. Ele segura os meus braços, com força, me levando até uma cadeira no canto da sala. Depois, me amarra com uma corda que tira de dentro da bolsa que está em sua mão. Eu começo a gritar, espernear, mas ele é mais forte do que eu. Meu pai fica olhando, completamente inerte, enquanto sou presa – como um bicho – bem na sua frente. A gritaria desperta a atenção da minha mãe, que vem lá de dentro assustada. – Que
Theo Sou acordado pelo meu telefone e fico ainda mais sobressaltado quando vejo o nome de Arthur. Para o meu padrinho estar me ligando agora, sabendo a diferença de fuso-horário, é porque alguma coisa grave aconteceu. Catarina me vem imediatamente à cabeça e fico gelado. – Alô, tio? Tá tudo bem? – Oi, Theo. Peço desculpas por te ligar a essa hora. Sei que é madrugada aí. – Fala, tio! O que aconteceu? – Foi a Catarina. A casa dos pais dela foi assaltada... e ela estava lá na hora. – Pelo amor de Deus! Me diz que ela está bem! – Ela está no hospital, estável. Mas os pais morreram na hora. – Que coisa horrível! Como foi acontecer algo assim em uma cidade tão pacata? Como? – Não sei, Theo, realmente não tenho detalhes. Eu só queria te avisar porque sei que seus pais não vão fazer isso e tenho consciência de quanto essa mulher é importante para você, meu filho. <
CatarinaEstou conversando com a enfermeira quando Heitor chega. Fico gelada na hora, temendo o que me espera. É a primeira vez que ele me encontra acordada. Conforme ele se aproxima da minha cama, aumenta a minha vontade de voar em seu pescoço e asfixiá-lo até a morte. Ele aterrorizou a minha vida por dez anos e, agora, assassinou friamente os meus pais. E eu só estou aqui, viva, por pura sorte. Quero poder gritar para o mundo que ele é um monstro, mas simplesmente não posso. Não tenho nenhuma prova que possa incriminá-lo e, na visão de toda a cidade, ele é o honrado, todo-poderoso e inquestionável juiz.Ele lança um olhar debochado na minha direção e pega a minha mão para beijar. A minha reação espontânea é tomá-la de volta, pois o seu toque me causa asco. E, para piorar a mi
Theo Chego ao aeroporto Charles de Gaulle muitas horas antes do meu voo, mas não consigo segurar a ansiedade. Preciso chegar ao Brasil, ficar perto de Catarina e ver, com os meus próprios olhos, que ela está bem. Também tenho de protegê-la daquele monstro: tenho certeza de que ele está apenas esperando a oportunidade perfeita para se livrar da mulher que eu amo. Como o check-in ainda não está aberto, sento em um restaurante e continuo idealizando o meu reencontro com Cat: como pretendo justificar as minhas atitudes e, principalmente, como estou disposto a pedir perdão repetidas vezes, até o fim dos meus dias, se preciso for. Quando chega o horário de fazer o check-in e despachar as malas, recebo a informação de que, por conta de uma forte tempestade, os voos estão temporariamente suspensos. Isso significa que posso não viajar hoje ou, na melhor das hipóteses, embarcar muito depois do horário marcado. Fico desesperado porque ca
Catarina Espero o início da tarde, quando o quarto costuma ficar vazio, sem médicos nem enfermeiras perambulando por ele. Tiro os acessos do meu braço, com cuidado, pego a roupa que o canalha deixou aqui e sigo, confiante, fingindo ser uma simples visitante do hospital. Não encaro ninguém nos olhos e não vacilo, em nenhum momento, para não dar chance de ser interpelada. Quando dou o primeiro passo para fora do hospital, volto a respirar, sentindo um alívio me inundar. Pego um táxi e peço que ele me espere na esquina daquele antro que, até hoje, foi a minha casa. Depois de ter certeza de que o lugar está vazio, pego a chave sobressalente, escondida embaixo do capacho, e entro para procurar a minha bolsa. Reúno os meus documentos, faço uma mala com as roupas essenciais e resgato as minhas economias escondidas no pote de farinha. Volto apressada para o carro e sigo direto para a rodoviária. Não encontro uma passagem direta para B
TheoMeu voo chega ao aeroporto do Galeão e, assim que passo pela imigração e recupero as minhas malas, pego um táxi para Mendes. São cerca de duas horas de viagem, sem trânsito. Graças a Deus, o tráfego está livre e chego no tempo previsto. Tento ligar para Arthur, mas não consigo falar com meu padrinho. Então, sigo direto para o hospital, com malas e tudo.Chegando lá, corro para o balcão de informações e pergunto notícias da paciente “Catarina Leal”. A recepcionista faz um olhar esquisito, cochicha algo com a colega que está ao lado e quer saber o que sou de Cat. Na hora, mil possibilidades passam pela minha cabeça, mas, infelizmente, nenhuma que eu possa usar aqui. Então, digo que sou primo em primeiro grau. A mulher chega mais perto de mim e, quase sussurrando, informa que C
Catarina Estou há uma semana em Belo Horizonte e já fiz duas entrevistas de emprego. Tenho me alimentado bem e até já marquei uma consulta com uma ginecologista/obstetra. Sinto que tudo está entrando nos eixos. Agora, só falta conseguir um emprego e, pela primeira vez em toda a minha vida, ser inteiramente responsável por cada um dos meus passos. A única coisa que ainda me atrapalha é a tristeza que sinto pelo que aconteceu com os meus pais. Apesar de estar dormindo bem melhor do que de costume, ainda acordo sobressaltada em algumas noites, revivendo o horror da morte deles. É como se ficasse presa em um pesadelo repetitivo, que gira em looping pelo meu subconsciente traumatizado. Sei que vai ser difícil me livrar dessas imagens e que, muito provavelmente, nunca vou superar totalmente essa perda. Mas preciso seguir em frente. Estou fazendo o almoço quando o meu telefone toca. Sinto um arrepio inevitável de me
Theo Depois de dois meses de muito trabalho, eu e Arthur conseguimos reunir provas concretas contra Heitor: o suficiente para mostrar para a cidade e para o resto do mundo o canalha corrupto que ele é. Ligo para Cibelle, a jornalista que investiga o caso dele há anos e que já foi responsável por tornar públicos muitos podres do sistema judiciário. Conto as últimas novidades e envio, por e-mail, cópias de tudo aquilo que meu padrinho conseguiu apurar. É o bastante para que ela dê um furo de reportagem e desbanque o todo-poderoso Heitor na sociedade, desmistificando a sua imagem de homem honrado. Desde a briga que tivemos na casa dele, tenho evitado circular pelas ruas. Ainda estou surpreso por não ter havido nenhum tipo de retaliação, principalmente considerando o poder que ele tem. Mas a sua vaidade é maior do que qualquer outra coisa e, com certeza, a sua ânsia por evitar escândalo falou mais alto. Basta ter como parâmetro a