3. O DESPERTAR DO ISIS

A escuridão que envolvia Isis começou a dissipar-se lentamente. À medida que a sua consciência emergia do abismo do inconsciente, as memórias da noite anterior entrelaçavam-se com sonhos febris. Imagens de lobos surgindo da escuridão para a atacar e sussurros numa língua esquecida dançavam na sua mente, misturando-se com a realidade do quarto em que agora despertava.  

Isis não compreendia o que tinha acontecido. Após o impacto na cabeça, a escuridão apoderou-se de tudo. Percebeu que estava deitada numa cama de uma suavidade excepcional. Vozes indistintas flutuavam ao seu redor, irreconhecíveis e distantes. Tentou abrir os olhos; no entanto, um peso esmagador impediu-a, fazendo-a voltar a adormecer.  

Quando recuperou a consciência novamente, estava sozinha. Com cautela, tentou sentar-se, lentamente, para evitar a tontura. A sensação de vertigem persistia, mas conseguiu ficar erguida. Ao seu redor, o silêncio era tão profundo que podia ouvir o bater do próprio coração.  

Como era possível encontrar-se numa situação assim, quando apenas uma semana atrás a sua vida decorria pacificamente?  

Alguns dias antes, tinha tomado a decisão mais impulsiva e emocionante da sua vida: deixar tudo para trás e viajar em busca de aventuras, de desafios que a fizessem sentir-se viva. Mas nada a tinha preparado para a viragem que os acontecimentos tomaram.  

A memória chegava-lhe aos poucos; lembrava-se de ir às compras, do autocarro que partiu sem ela e depois... do estranho chamado Jacking. O homem que se ofereceu para a levar de volta ao hotel, alguém cuja presença era avassaladora. Lembrava-se de ter acedido ao seu pedido para resolver um assunto urgente e depois… a escuridão, a floresta, os lobos, o ataque e nada mais. Existia um vazio onde deveriam estar as recordações. Como tinham escapado da matilha de lobos?  

Por mais que tentasse recordar, apenas conseguia chegar até ao momento em que se atirou para Jacking, a travagem... e depois nada. Agora, estava num local que não reconhecia, um quarto que cheirava a madeira fresca e a algo selvagem e indomável. A cabeça doía-lhe terrivelmente, um lembrete palpável do golpe que tinha sofrido.  

Passou as mãos pela testa, sentindo o contorno de uma ligadura. Quão forte foi o golpe?, perguntou-se, mas não havia ninguém para responder.  

Inspirando profundamente, decidiu explorar. Se tinha aprendido algo nos seus vinte e três anos, era que, às vezes, a aventura encontra-nos, e quando isso acontece, não há outra opção senão seguir em frente.  

—Está bem, Isis— disse a si própria. —Talvez isto não seja o que esperavas, mas esta é a aventura que tens. Porquê decidi vir para esta ilha estranha sem saber que existiam lobos? Precisamente o único animal de que tenho medo.  

Tentou levantar-se, mas uma nova tontura fez com que voltasse a deitar-se na cama, fechando os olhos. Queria estar agora mesmo no seu quarto, no seu luxuoso e confortável apartamento em Paris. Queria os cuidados amorosos dos pais e da sua melhor amiga Antonieta.  

Apenas tinham passado alguns dias desde que começou a sentir a urgência de desaparecer. De procurar aquilo que a fazia sentir-se incompleta.  

—O que vou fazer agora? Será que fui raptada?— perguntou-se enquanto voltava a deitar-se, sentindo que o seu mundo se tinha virado do avesso de forma inimaginável. Fechou os olhos como se, com isso, pudesse evitar afundar-se na profundidade da inconsciência.  

Viu-se novamente na sua cama confortável, no seu apartamento central e luxuoso, um presente dos seus pais no coração de Paris. Naquele dia em que tomou a decisão de escapar de tudo, acordou ao som familiar do despertador, uma melodia escolhida pela sua capacidade de ser suficientemente irritante para a tirar dos braços do sono todas as manhãs.  

Enquanto se espreguiçava, a sua mente vagueava até ao dia anterior, recordando as risadas com os amigos e as discussões sobre mitologia que sempre pareciam seguir os seus pais arqueólogos como uma sombra. Mas algo naquele dia sentia-se diferente; uma intuição dizia-lhe que esse dia não seria como os outros.  

Mas nada a tinha preparado para isto. Lembra-se que nesse dia, não fazia ideia de que, muito em breve, as suas conversas sobre deuses antigos e criaturas míticas deixariam de ser meras especulações para se tornarem a sua realidade viva. Suspirou ao revisitar toda a sua vida na sua mente. Quem era ela realmente? Com certeza devem estar a perguntar-se isso neste momento.  

O seu nome é Isis Mujtar, uma jovem de vinte e três anos recém-completados. Segundo a sua mãe, era a reencarnação da deusa egípcia Ísis, assim como ouviram, essa era a forma como a sua mãe a via. A sua mãe é arqueóloga e passa o tempo a viajar pelo mundo a abrir buracos por toda a parte, como lhe costuma dizer carinhosamente.  

Amanda é o nome verdadeiro da sua mãe, embora o seu esposo lhe chame Amonet. É uma mulher morena do Caribe que viajou até ao Egito numa expedição quando tinha dezoito anos pela sua universidade e… ¡plaft! Apaixonou-se por Dakarai Mujtar, o pai de Isis, também arqueólogo!  

Segundo Amanda, desde o primeiro olhar, soube que aquele homem tinha de ser seu. Dakarai é alto e bem constituído, com olhos negros como o ônix que a olharam e ficaram encantados com ela. Apenas precisaram de uma semana para se apaixonarem perdidamente e, no mês seguinte, já estavam casados.  

Talvez possam pensar que Isis exagera na forma como descreve os seus queridos pais. Mas não exagera, o amor entre eles foi e é tão apaixonado que, mesmo agora, passados vinte e três anos, olham-se como se fosse a primeira vez. E isso sem contar que parece que não querem sair da cama nunca.  

Com esses pais, já está claro que Isis é uma morena de 1,75 metros de altura, com curvas de tirar o fôlego, segundo os amigos. Os seus olhos são negros como o azabache, tal como os do pai, e os seus lábios são vermelhos e carnudos, como os da mãe. É uma mistura algo peculiar, mas com um resultado harmonioso. Costuma usar o cabelo comprido e solto, o que lhe dá um aspeto único, com ondas negras.  

Devido ao trabalho dos pais, Isis viajou praticamente por todo o mundo e viveu nos lugares mais incríveis. Sabe falar e escrever perfeitamente sete idiomas, além de inúmeros dialetos. Tem amigos e conhecidos em todo o lado. A sua paixão é a leitura, a dança e a música.  

Embora seja muito feliz por ter esses pais, às vezes sente-se sufocada com tantos cuidados. Embora, neste momento, não lhe incomodaria nem um pouco ver aparecer os guardas que a seguem sempre por ordem do seu pai. Porquê teve de fugir da forma como fez deles?  

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