- Você ainda não entendeu que estamos devolvendo um maluco para um hospício Morty? Ele não vai falar nada. Se falar, as chances de ser alguma coisa inteligível são mínimas. Agora deixe ele em paz! - um som constante de motor e alguns solavancos que me jogavam de um lado para o outro naquele banco me diziam que eu estava na estrada. Porém eu ficava indo e vindo de um estado semi consciente para um sono artificial. Como se estivesse dopado. Em uma dessas idas e vindas, avistei o rosto curioso do policial Morty, inclinado para trás por sobre o encosto de seu assento, a observar o passageiro nada comunicativo que ia naquele carro.
- Não há indício algum de que ele tenha participado ativamente da morte daqueles dois. Mas é justamente isso que é estranho. A velha que aparentemente, mal conseguia se manter em pé quando viva foi quem lutou com o cidadão pela arma. Os dois acabam mortos e é o companheiro de fuga mais jovem é q
Quando o primeiro degrau da escadaria de aço rangeu sob os meus pés foi que retornei ao controle total do meu ser. Com uma mão firme sobre o meu ombro direito estava um corpulento enfermeiro o qual eu nunca tinha visto antes. Cabeça raspada, testa quadrada que terminava em sobrancelhas retas e volumosas - estas quase se uniam devido a uma penugem mais rala no meio das duas - o restante de seu rosto era um polígono recém barbeado e de expressão impenetrável.Poderia jurar que era alemão ou russo.- O que aconteceu? Onde está o doutor Bennet?Com um gesto silencioso o homem apenas negou e apertando meu ombro ligeiramente me indicou que devia prosseguir a descida.Droga, estive no 'piloto automático' outra vez?!Por quan
Se estivesse escrevendo um diário ou algum tipo de documento sobre a minha experiência em todo esse tempo, desde que vim parar em um manicômio, eu não saberia mais como iniciar uma simples página. Não sei em que dia estou, acho que nem mesmo o ano. Não sei as horas, e nem mesmo se é dia ou noite até que me venham buscar no meu quarto. Muitas ações do meu dia, da rotina diária, me surgem na memória apenas como inícios ou finais. Eu estou chegando no refeitório ou estou saindo do pátio. O rangido da escada ou o bater da porta. Apenas fragmentos.Minha mente está se quebrando.Os poucos momentos em que me vejo menos apático e um pouco mais seguro e ativo é quando na consulta com o doutor Bennet, ele resolve me soltar da coleira. Abre e fecha a maldita caixa de madeira e me deixa ir embora do consultório inteiro por um tempo.Ele está me tratando como um brinquedo ao qual se da corda para
Eu não tive escolha.Na primeira oportunidade aquela mulher contaria o que aconteceu para alguém e eu seria logo caçado pelo prédio inteiro. Seria muita ingenuidade achar que ela voltaria a limpar o consultório como se nada tivesse acontecido. Ainda seria culpada pelos objetos que desapareceram.Passei boa parte do caminho até o pátio justificando para mim mesmo o que havia acabado de fazer. A adrenalina ainda corria pelas minhas veias. Agora precisava focar-me na segunda parte daquele plano.Era engraçado pensar como na verdade eu não tinha praticamente plano nenhum. Muita coisa tinha acontecido no puro improviso e eu estava bastante agradecido por aquilo. Dependeria muito mais da sorte a partir de agora e isso também me
Desperto lentamente e meu cérebro tem certa dificuldade em interpretar o que meus olhos enxergam. O que parecia ser uma parede marrom, já meio estragada pelo tempo, mostrou-se ser na verdade a mesa de refeitório antiga, na qual eu tinha o rosto apoiado e onde um pouco de saliva havia molhado a madeira.- Merda - a lateral do meu rosto estava dormente quando levantei a cabeça e meu pescoço estalou quando endireitei a postura e olhei para frente. Outro período em piloto automático provavelmente, e ainda algumas horas completamente apagado naquela mesa.Podia jurar que minha mente fazia um barulho mecânico enquanto reorganizava as percepções e as poucas e vagas memórias que eu tinha, em um contexto de tempo presente. Foi quando algo ainda mais estranho chamou a minha atenção. - Nós temos um plano? - questionei impaciente olhando através da fechadura para um corredor deserto e misterioso.- E alguma vez já tivemos? - rebateu Amanda enquanto parecia remexer aleatoriamente nas tralhas encostadas no canto da sala.E mais uma vez ela tinha razão.Todo aquele tempo ali, entre idas e vindas até, e tudo que parecia ter sido um plano, havia desmoronado como um castelo de cartas, que era erguido repetidamente por alguém com uma crise de resfriado.Não chegamos a lugar nenhum, literalmente. Mas nos agarrávamos à única coisa que ainda tínhamos connosco. A vida.Olhando para trás me recordei da maravilhosa demonstração daquilo, que havíamos feito minutos antes. Eu compreendo que seja normal uma pessoa não dizer absolutamente tudo o que pensa. Só que existem limites, de uma maneira que não consigo nem começar a explicar, mas todos nós percebemos quando alguém está falando tão secamente que sua própria fala parece uma roupa torcida até não restar mais água, mas também danificar sua elasticidade de forma permanente.Para tudo aquilo que expressamos verbalmente - ainda que antes, lavamos em nosso inconsciente, torcemos em nossa consciência, para então expor no varal de nosso quintal, à vista dos vizinhos quando, por fim, falamos - existe o sol e o vento para terminar a secagem de maneira natural. Ou seja, faz parte do processo que aquele que está do lado de fora, ouça e absorva tanto o inteligível quanto parte do seu abstrato, da identidade do seu ser naquilo que você quis expressar.- Você ainda está me contando Crisálida
Canções adolescentes
- Acho que o senhor tem ultrapassado um pouco dos limites aqui doutor Bennet - como em uma gravação antiga, cuja voz captada era muito pobre e parecia esmaecer ainda mais ao ser reproduzida, aquelas palavras chegavam até mim por baixo da fina fresta da porta de aço, disputando espaço com a única fonte de luz.- Não me recordo de termos estipulado algum no início do projeto meu caro amigo. Vocês querem vencer mais essa corrida e saber mais sobre a mente humana do que eles sabem, então, não podem ter medo de quebrar alguns ovos.- É que não está me cheirando a omelete doutor. Só me cheira a queimado - passos secos ecoaram brevemente e o silêncio tornou a reinar; do lado de fora.[...]Aquele lugar tinha se transformado da noite para o dia. E o doutor estava sempre em reunião. Homens engravatados, pastas cheias
Ela sempre foi uma boa amiga. A Esther. E parecia gostar mesmo de mim.Eu sentia algo como que se eu arriscasse misturar as coisas, ela poderia se afastar e eu perderia tudo. Toda aquela amizade, a proximidade. Isso para um garoto franzino e tímido como eu era; cheio de amigos; porém sempre tratado como o amigo suplente, seria como perder uma perna.Então eu ficava sempre a um passo de dizer algo, de fazer algo. Mas nunca fiz. O momento mais marcante de tudo isso foi talvez o nosso último encontro antes que ela se tornasse outra pessoa.Morávamos numa cidade minúscula com algumas estradas de terra e outras de pedra, umas tantas casas com telhas de barro feitas à mão décadas antes, uma praça com um chafariz desativado e pronto. O resto era a natureza. Pastagens ou florestas. Me lembro que ela retornava de u