Por Enquanto
Por Enquanto
Por: LF Freitas
Prólogo

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“Quero que saibas que me lembro

Queria até que pudesses me ver

És parte ainda do que me faz forte

E, pra ser honesto, só um pouquinho infeliz”

Giz – Legião Urbana

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Prólogo

            Nossa árvore de Natal não era lá das maiores. Porém, nada que fosse além dos um metro e vinte de altura ficaria devidamente acomodada na sala tão pequena do nosso apartamento. Precisamos tirar a mesinha de centro para que ela coubesse ali, aliás, ocupando a maior parte do espaço. Mas eu não tinha dúvidas de que ela era a mais decorada, a mais iluminada... e a mais linda de todo o mundo.

            Olhando-a ali, naquela véspera de Natal, aos doze anos de idade, eu sabia muito bem disso. E aquela era uma certeza que eu levaria na memória pelo resto da minha vida.

            Sentada ao meu lado no sofá de dois lugares, minha mãe me abraçava, enquanto olhávamos em silêncio para o trabalho de decoração que tínhamos acabado de concluir. Sempre montávamos nossa árvore com no mínimo um mês de antecedência. Neste ano, no entanto, minha mãe passara meses internada em um hospital, e teve alta apenas quatro dias antes do Natal. Tivemos que correr com tudo, porque não importava o quanto as coisas estivessem difíceis, o quanto ela sentia dores ou o quanto estávamos assustadas. Aquela era a nossa época mágica. Não abriríamos mão disso.

            Alguém mexeu na maçaneta da porta e a abriu. Minha mãe e eu olhamos para lá, vendo minha animada tia Fernanda chegando com um gorro de Papai Noel na cabeça, carregada de tigelas e sacolas de compras. Levantei-me rápido para ajudá-la, levando as coisas para a cozinha que era separada da sala por uma bancada.

            — Que calor está fazendo hoje! — ela já chegou reclamando. E com razão, devia estar uns quase quarenta graus nesse dia. — Ni, coloque o refrigerante no freezer para gelar mais rápido.

            Largando tudo ali comigo, ela voltou para a sala, onde deu um beijo na testa da minha mãe, seguido por um abraço. Não consegui evitar sorrir para a cena. Ver o amor que minha mãe e tia Fernanda tinham uma pela outra sempre me deixavam com vontade de ter uma irmã ou um irmão também, mas eu sabia que isso era muito pouco provável de acontecer. Minha mãe ainda era bem jovem, tinha apenas trinta anos, mas seu corpo estava a cada dia mais frágil e mais castigado pela doença. O retorno dela para casa não tinha se dado por conta de uma cura, mas simplesmente pelo esgotamento de qualquer tratamento possível que pudesse curá-la.

            Eu ainda lembrava com clareza das palavras do médico, dizendo que a liberaria para ir para casa passar as festas de fim de ano e seus últimos meses de vida com a família. Sei que não tinha sido a intenção dele soar frio ou cruel, mas uma sentença dessas jamais soaria como algo bom, não importava que tom utilizasse em sua voz.

            Balancei a cabeça. Não iria pensar nisso. Tia Fernanda e eu havíamos prometido que seríamos fortes e positivas, ao máximo possível. Ao menos na frente da minha mãe.

            Minha tia e eu arrumamos a mesa com as coisas que ela tinha preparado ou comprado prontas no mercado. Esse ano, a ceia seria mais simples do que nos anteriores. Tudo tinha sido feito às pressas.

            — Comprei a maioria das coisas, mas não deixei de fazer o pavê que vocês gostam — tia Nanda informou.

            — Não precisava ter esse trabalho, Nanda — minha mãe rebateu, com a voz baixa que já lhe tornara peculiar.

            Diziam que ela era bem animada e expansiva quando mais jovem, mas eu apenas conhecia aquela versão dela, de fala baixa e gestos contidos. Não tinha lembranças da minha mãe sem estar doente. Ela travava aquela batalha já há muitos anos, desde que eu era bem pequena.

            — Como não, Fabi? Natal sem o meu pavê especial não é Natal.

            — A coisa que mais me importa é ter a minha família comigo.

            Apesar da fala da minha mãe vir acompanhada por um sorriso, eu sabia que, na cabeça dela, a família não estava completa. Ela sentia falta dos pais, com quem não falava desde antes de eu nascer. Sempre que o assunto surgia, eu me irritava e acabava falando demais sobre a minha opinião a respeito deles, e isso sempre chateada a minha mãe. Por isso, preferi não estragar nossa noite de Natal e fiquei quieta.

            Quando terminamos, tia Nanda saiu, indo para o seu apartamento – que ficava no mesmo prédio do nosso, no andar de cima – para pegar os presentes que havia esquecido lá, e eu me sentei no sofá ao lado da minha mãe, que contornou um dos braços pelos meus ombros. Ficamos em silêncio por algum tempo, olhando as luzes da árvore que piscavam diante de nós. Eu tinha prometido me manter forte, mas nesse momento não aguentei e comecei a chorar baixinho, com a cabeça apoiada ao ombro da minha mãe.

            Ela não disse nada. E eu também não. Pelos aproximados dez minutos – em torno de 600 segundos – que levaram até a minha tia retornar, nós duas ficamos apenas em silêncio. Eu sentindo o calor do abraço dela, o aconchego de seu ombro, ouvindo as batidas tranquilas de seu coração, ambas iluminadas pelas luzes coloridas que piscavam à nossa frente. Aquele foi o momento mais intenso que vivemos juntas. Por mais estranho que pudesse parecer, a lembrança mais forte que eu carregaria da companhia da minha mãe era a de um lapso temporal tão curto em que nem uma mísera palavra fora dita.

            Ela se foi exatos três meses depois.

            Se eu fechasse os olhos, ainda seria capaz de sentir todas as emoções daquele momento tão simples e tão intenso.

            A partir daí, todos os Natais faziam com que a ausência dela doesse mais em mim.

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