Agora, mais do que nunca, entendia a mente perturbada daquela menina. Foram vinte e cinco anos sob o peso de ser o que não queria, servindo de alicerce para a família e tampando os buracos deixados pelos outros membros daquela instituição familiar. Sabia que a perfeição estava longe de Ariela, mas sua força para suprir as necessidades de todos ao seu redor era admirável. A troca de farpas entre eles deixou isso incontestável.
Ariela me levou para o que antes chamava de quarto e a imagem real, estando fisicamente no cômodo, era ainda pior. As caixas empoleiradas em duas paredes oprimiam o espaço já limitado do ambiente. Sentamos na cama que mal comportava um corpo adulto – passaríamos a noite em um hotel, já estava decidido.
— Ainda não acredito que está aqui. — Escutei minha menina fungar entre as palavras, chorava novamente. O fervor em prot
E lá estava eu, dentro de um avião, voltando para o lugar que enfim reconhecia como lar, com a batedeira planetária da minha mãe no meu colo e Alin ao meu lado, segurando minha mão.As brigas do meu feriado fracassado não pesaram tanto quanto o meu surto no restaurante. Estava me acostumando com os pesadelos. Não gostava, me apavoravam, mas eram sonhos, presos em um mundo que desconhecia. Mas ver a imagem dela ao meu lado, sussurrando em meu ouvido suas desaprovações, ditando o que deveria e como deveria falar. Bem, isso sem dúvida alguma estava muito além do que poderia entender.Alin permaneceu, mesmo com toda a loucura que presenciou, continuava ao meu lado, acariciando os nós dos meus dedos, passando a segurança que eu precisava, mas seus pensamentos não estavam ali. Passou minutos quieto, olhos focados no nada, nitidamente viajando dentro de si.— Fico me
— Traga-me agora o imprestável que ousou a chegar perto dela! — Meu reino reagia ao meu estado de espírito. As paredes tremeram ao som da minha voz, que ecoava por todos os cantos, apavorando os seres que existiam somente para me servir.Em segundos a minha ordem foi atendida. Ajoelhado em minha frente estava a criatura desprezível que levou minha menina àquele mundo.— Mestre, misericórdia — implorou sem me olhar nos olhos. — Escorreu pelas paredes a angústia que o mestre projetou sobre ela. Impossível conter o desejo de conhecê-la e experimentar seu desespero.— Impossível? — Quase não consegui sentir meu corpo, como se estivesse reagindo ao ódio que me dominava, imaginar Ariela em meu reino, sem minha proteção.Segurei a criatura pelo pescoço, sentindo as garras penetrando sua pele putrificada, vendo-o engasgar-se e
— Dona das minhas emoções! — Senti a falta de controle dominando o tom da minha voz. — Dani, o cara me chamou de descontrolada — gritei, ouvindo a risada dela como resposta.— Não consigo nem imaginar porque ele pensou isso sobre você, tão calma, tão contida. — Minha amiga ironizava do outro lado da linha.Precisava falar, xingar, jogar alguma coisa na parede. Quando Alin simplesmente se levantou, jogando sobre os ombros palavras ofensivas enquanto saía, levou com ele o meu melhor, deixando somente mágoas e ódio que consumiam minha alma. Jamais chame uma mulher de louca ou descontrolada. Passamos por tantas coisas, carregamos tantas emoções e responsabilidades, e dizer que somos loucas é como invocar o próprio Satanás. Isso não deve acontecer.— Sei que nesse momento parece que estou mesmo descontrolada, mas você
Por onde ela andava?Já estava decidido. Através do sonho, apresentaria o meu mundo para Ariela, meu verdadeiro eu, e então ela poderia decidir até onde iria mergulhar naquela relação. Jamais contaria sobre minha necessidade de emanar sua dor, mas estaria ao lado dela para ajudar a fechar as feridas, mesmo que fosse o responsável por abri-las novamente.Mas não a encontrei. Ela não estava deitada em sua cama, dormindo em meio a dor como fez nas últimas quatro semanas. Não chorava, nem mesmo sofria minha ausência. Não estava em casa, precisando de mim.Minha mente percorreu cada canto daquela ilha. Como se Ariela estivesse em uma bolha que a protegia da minha presença, não conseguia encontrá-la. Passei a noite mergulhado na mais intensa loucura. Coloquei todas minhas criaturas à sua caça, virei o mundo de cabeça para baixo, mas n&ati
Alin estava parado na porta do meu apartamento me esperando. Claro que meu sábado havia sido incrível de muitas maneiras, Ben era um homem sensacional, divertido, leve, bem humorado e impulsivo, loucamente impulsivo. Após uma noite de conversa, nascer do sol, um dia inteiro na praia, pensei que poderia me deixar levar. Acreditei que se ele tentasse me beijar, seria simples, retribuiria o beijo e me encontraria em seus lábios. Me enganei.Ainda que suas mensagens durante todo o meu trajeto de volta para casa mexessem comigo de algumas formas, bastou Alin me olhar daquele jeito que todas as minhas certezas sumiram. Sua presença e a necessidade que exalava de seus poros preenchiam todo o vazio criado com sua ausência.Entramos e tudo o que precisava era me manter longe o suficiente para controlar meu desejo de pular em seu colo, beijar sua boca e me entregar como se não houvesse amanhã, mas fui forte. Forte até
Acredito que, em algum momento da minha existência futura, encontrarei alguém que irá me explicar o poder que o amor tem sobre seres como eu. Até que ponto podemos ser mudados quando alguém nos ama tão intensamente que toca o mais profundo do nosso ser.Olhava para Ariela dormindo em meu peito, completamente nua e ainda molhada pelo banho, e meus sentimentos não cabiam em mim, transbordavam ao ponto de não conseguir respirar, como se meu reino pudesse ser invadido a qualquer momento e, por um descuido, me matariam deitado em minha cama sem defesa alguma, tamanho era o amor que sentia por essa menina.Entendia todas as nossas dificuldades – minhas dificuldades, na verdade – pois ela sequer sabia a grandiosidade de sua escolha. Se eu não fosse um egoísta miserável, sairia de sua vida, deixaria que criasse vínculos com o tal rapaz que conheceu em sua noite de rebeldia. Quem sabe
Sim, conhecia histórias de assombração e até mesmo já havia me aventurado em alguns livros sobrenaturais, vampiros e lobos, mas aquilo? Bem, não saberia lidar.Não há como alguém me criticar por simplesmente ter tido um ataque de desespero, é a reação que um ser humano normal teria, correr do perigo, gritar de medo e não entender quando o seu namorado muito lindo, rico e misterioso se apresenta como o dono do submundo. Loucura demais.Não sei como saímos daquela escuridão angustiante, mas acordei em meu quarto, vestida e com Alin deitado ao meu lado, o que não ajudou muito para o surto de insanidade que me tocou. Gritei, chorei, joguei as coisas que consegui segurar em cima dele e ele? Ficou somente me olhando como se estivesse decepcionado demais para esboçar qualquer reação, levantou-se e fez o que prometemos não fazer nun
Insanidade.A palavra definia minha fé naquela situação. Acreditar que Ariela não somente entenderia, mas aceitaria o que eu era, foi a mais pura insensatez.Diferente do previsto, ela gritou, chorou e se desesperou, nem ao menos permitiu ser tocada por mim para que saíssemos dali ou ser amparada por meus braços. Me afastar era a decisão certa, tirar de sua mente todas as imagens, seria o correto também. Não consegui. Precisava deixar algo registrado em seu coração, ainda que fosse o medo e o desespero, afinal, não era diferente dos sentimentos que emanavam dela. Eu sou o caos.Afastei-me da empresa, preferi acompanhar tudo de longe. Aproveitei para me dedicar a expansão das filiais, mas todos os meus sentidos estavam ligados a ela, vendo-a em cada momento, observando cada detalhe. Eu a amava, para esse sentimento não existiam dúvidas, mas, além do amo