As luzes da cidade dançavam refletidas no vidro do escritório enquanto Jordani mantinha os olhos presos à tela do computador. Os dados do garoto Ian estavam ali — cada vez mais evidentes, cada vez mais parecidos com os fragmentos de lembrança que ela mal conseguia nomear.Mas naquela noite, algo estava diferente.Ela levou a mão à testa. Um leve enjoo subiu de repente, junto a uma vertigem passageira. Suspirou fundo, tentando afastar o mal-estar.— É só o estresse, pensou. Tenho dormido pouco, comido mal. É natural…Mas aquela sensação persistia há dias. O cheiro do café, que ela tanto amava, agora a incomodava. E pela terceira manhã consecutiva, acordara com náuseas. Não queria pensar demais sobre isso. Não agora.Ainda assim, algo sussurrava dentro dela. Um instinto primitivo. Algo que seu corpo já sabia… antes mesmo que ela aceitasse.Enquanto isso…Lucas observava o relatório de Jin Ho em silêncio. O nome da clínica
— Vamos fugir daqui? — Lucas perguntou de repente, pegando Jordani de surpresa enquanto ela digitava, concentrada, no laptop.Ela arqueou uma sobrancelha.— Tipo… sumir?— Tipo dar uma escapada da rotina. Só hoje. Você tá pálida, eu tô mal dormido… a gente precisa respirar.Ela hesitou por um instante. Estava com mil coisas na cabeça: o bebê, Ian, Yamazaki, Kyra. Mas quando ele estendeu a mão e sorriu daquele jeito que só ele conseguia sorrir — aquele meio riso torto que parecia prometer o mundo —, ela simplesmente disse:— Tá. Vamos fugir.Mais tarde, na estrada litorânea…Eles pararam em uma cidadezinha charmosa, cheia de casinhas coloniais, feiras de rua e cheiro de comida boa no ar. Lucas levou Jordani para almoçar num restaurante com mesas na varanda, vista para o mar.Eles comeram camarão, riram de um garçom estabanado, experimentaram entradas diferentes e, quando o garçom ofereceu o vinho da casa, Lu
2 semanas depois …O apartamento alugado por Lucas estava silencioso, exceto pelo zumbido distante do ar-condicionado. Do lado de fora, o céu de São Paulo estava encoberto. Chovia fino, como se o tempo também soubesse do peso daquela reunião.Bruno chegou primeiro. Alto, de fala arrastada e olhar atento. Jogou a jaqueta molhada sobre a cadeira e abriu a pasta com documentos.— Tem coisa estranha rolando por aqui, Lucas. A casa escondida que vocês encontraram? Está em nome de uma empresa laranja, que já foi vinculada a transações com a Yamazaki BioSystems. Nada direto, claro. Mas as coincidências… estão ficando grandes demais.Lucas assentiu. Os olhos estavam mais fundos nos últimos dias. A paternidade, o bilhete ameaçador, o medo constante — tudo o consumia.Minutos depois, Jin Ho entrou. Vinha do Japão, direto do aeroporto, e mesmo exausto, parecia alerta. Trazia no bolso interno do blazer um pendrive. E no olhar, uma verdade desconfortá
Campos do Jordão os recebeu com uma neblina densa e constante, como se a própria cidade não quisesse revelar o que guardava. A estrada serpenteava por entre pinheiros altos, o silêncio cortado apenas pelo som do motor do carro e o bater ritmado da chuva fina no para-brisa.Lucas mantinha as mãos firmes no volante. Jordani, ao lado, consultava as anotações de Bruno. O nome era antigo, quase esquecido: Dr. Masato Ishikawa. Bioengenheiro-chefe. Desaparecido há mais de dez anos.— Segundo o Bruno, o endereço não aparece mais no GPS comum. Só foi achado por rastreamento de uma conta de luz antiga em nome falso. — disse ela, sem tirar os olhos do papel. — A casa foi construída como “retiro de pesquisa”. Tem gerador próprio, sistema de segurança e zero sinal de internet.— Ótimo — murmurou Lucas. — Só falta ter uma placa na entrada escrito “ENTREM E MORRAM”.Jordani riu baixo, mas o nervosismo estava ali, no canto da boca, nos olhos que varriam a pa
A clínica era pequena, discreta, no alto de uma rua tranquila. Nada que chamasse atenção. Era exatamente o que precisavam.Lucas estacionou o carro sem dizer nada. Ainda sentia o peso da noite anterior nos ombros — o tiroteio, as revelações, a foto. Mas quando olhou para Jordani, com a mão sobre o ventre ainda discreto, ele soube: precisava estar ali, inteiro.Entraram de mãos dadas.A recepcionista sorriu, sem saber quem eles eram ou tudo o que carregavam.— Doutora Camila vai atendê-los já, fiquem à vontade.A sala de espera era silenciosa. Um casal olhava uma revista velha. Uma mulher mexia no celular. Tudo parecia comum… mas o coração de Jordani batia acelerado. E não era só por causa dos traumas.Era real agora. Tão real que doía.— Você ainda tá com medo? — Lucas perguntou, a voz baixa, os olhos nela.Ela hesitou, depois assentiu com a cabeça.— Muito. E se esse bebê… for como eu? E se ele fo
A noite mal havia começado quando Jin Ho decidiu se infiltrar na rede da Yamazaki BioSystems. O computador portátil dele emitia uma luz azulada no canto escuro da sala, o único som era o teclar rápido dos dedos e os estalos leves da madeira antiga da casa segura.Lucas observava, braços cruzados, inquieto. Bruno estava do lado, lendo de novo a ficha do irmão da Jordani, como se pudesse encontrar uma nova pista nas entrelinhas já gastas.— Isso aqui não bate — Bruno murmurou. — A ficha do Ismael termina em 2013. Mas encontrei uma nota interna de 2016 mencionando um “Paciente X” com o mesmo padrão genético.Lucas se virou na hora.— Você acha que ele pode estar vivo?Bruno deu de ombros, mas o olhar era sério.— Ou… mantido. Em algum lugar.Antes que pudessem falar mais, Jin Ho bufou.— Conseguiram apagar quase tudo, mas deixaram rastros. E… — ele parou, ampliando uma das janelas na tela — olha isso.A imagem era granulada, provavelmente de uma câmera de segurança antiga. Mas mostrava u
Casa segura – 12h19Jordani se afastou da janela lentamente. O coração batia como o som de um tambor apressado dentro do peito.Do lado de fora, passos. Rasteiros. Precisos.Ela pegou o celular novamente, mas continuava sem sinal. Correu para a cozinha, abriu a gaveta — uma única faca de cozinha. Era pouco. Mas era o que tinha.O barulho do portão sendo forçado ecoou pela casa.Ela respirou fundo, encostada na parede.Do outro lado da porta, um sussurro:— “Paciente A. Confirme o estado gestacional. Iniciar protocolo de extração.”Ela congelou.Eles estavam ali por ela.Por ele.Pelo bebê.Subsolo do laboratório – 12h21— Jin… você disse que esse projeto foi cancelado, certo? — Lucas perguntou, andando até o fundo do corredor de concreto velho.— Oficialmente, sim. Mas a verdade é que ele só foi… rebatizado. Quando o nome de um projeto muda, os rastros quase
Casa segura – 18h47O sol começava a sumir no horizonte quando Jordani entrou pela porta dos fundos, ofegante, ainda com a roupa suja da fuga. Kira estava por perto, discretamente à espreita, mas manteve distância. Tinha feito o que precisava: levar Jordani até quem poderia protegê-la — a mãe de Lucas — e agora era hora de desaparecer de novo.Lucas veio correndo da sala assim que ouviu o barulho da porta.— Você tá bem? — ele perguntou, a voz carregada de urgência.Jordani assentiu, mas seus olhos diziam outra coisa. Ela estava esgotada, suja, com os cabelos presos às têmporas de suor e o olhar distante. Ainda via o vulto do invasor na memória. Ainda ouvia o estampido do tiro que quase a atingira.— Eu… consegui fugir. — ela sussurrou.Ele a abraçou com força. Não fez perguntas — não ainda. Só a segurou, como se ela pudesse desaparecer de novo.Mas no canto da sala, alguém observava. Um dos aliados. Um dos que sabiam de