2 semanas depois …O apartamento alugado por Lucas estava silencioso, exceto pelo zumbido distante do ar-condicionado. Do lado de fora, o céu de São Paulo estava encoberto. Chovia fino, como se o tempo também soubesse do peso daquela reunião.Bruno chegou primeiro. Alto, de fala arrastada e olhar atento. Jogou a jaqueta molhada sobre a cadeira e abriu a pasta com documentos.— Tem coisa estranha rolando por aqui, Lucas. A casa escondida que vocês encontraram? Está em nome de uma empresa laranja, que já foi vinculada a transações com a Yamazaki BioSystems. Nada direto, claro. Mas as coincidências… estão ficando grandes demais.Lucas assentiu. Os olhos estavam mais fundos nos últimos dias. A paternidade, o bilhete ameaçador, o medo constante — tudo o consumia.Minutos depois, Jin Ho entrou. Vinha do Japão, direto do aeroporto, e mesmo exausto, parecia alerta. Trazia no bolso interno do blazer um pendrive. E no olhar, uma verdade desconfortá
Campos do Jordão os recebeu com uma neblina densa e constante, como se a própria cidade não quisesse revelar o que guardava. A estrada serpenteava por entre pinheiros altos, o silêncio cortado apenas pelo som do motor do carro e o bater ritmado da chuva fina no para-brisa.Lucas mantinha as mãos firmes no volante. Jordani, ao lado, consultava as anotações de Bruno. O nome era antigo, quase esquecido: Dr. Masato Ishikawa. Bioengenheiro-chefe. Desaparecido há mais de dez anos.— Segundo o Bruno, o endereço não aparece mais no GPS comum. Só foi achado por rastreamento de uma conta de luz antiga em nome falso. — disse ela, sem tirar os olhos do papel. — A casa foi construída como “retiro de pesquisa”. Tem gerador próprio, sistema de segurança e zero sinal de internet.— Ótimo — murmurou Lucas. — Só falta ter uma placa na entrada escrito “ENTREM E MORRAM”.Jordani riu baixo, mas o nervosismo estava ali, no canto da boca, nos olhos que varriam a pa
A clínica era pequena, discreta, no alto de uma rua tranquila. Nada que chamasse atenção. Era exatamente o que precisavam.Lucas estacionou o carro sem dizer nada. Ainda sentia o peso da noite anterior nos ombros — o tiroteio, as revelações, a foto. Mas quando olhou para Jordani, com a mão sobre o ventre ainda discreto, ele soube: precisava estar ali, inteiro.Entraram de mãos dadas.A recepcionista sorriu, sem saber quem eles eram ou tudo o que carregavam.— Doutora Camila vai atendê-los já, fiquem à vontade.A sala de espera era silenciosa. Um casal olhava uma revista velha. Uma mulher mexia no celular. Tudo parecia comum… mas o coração de Jordani batia acelerado. E não era só por causa dos traumas.Era real agora. Tão real que doía.— Você ainda tá com medo? — Lucas perguntou, a voz baixa, os olhos nela.Ela hesitou, depois assentiu com a cabeça.— Muito. E se esse bebê… for como eu? E se ele fo
A noite mal havia começado quando Jin Ho decidiu se infiltrar na rede da Yamazaki BioSystems. O computador portátil dele emitia uma luz azulada no canto escuro da sala, o único som era o teclar rápido dos dedos e os estalos leves da madeira antiga da casa segura.Lucas observava, braços cruzados, inquieto. Bruno estava do lado, lendo de novo a ficha do irmão da Jordani, como se pudesse encontrar uma nova pista nas entrelinhas já gastas.— Isso aqui não bate — Bruno murmurou. — A ficha do Ismael termina em 2013. Mas encontrei uma nota interna de 2016 mencionando um “Paciente X” com o mesmo padrão genético.Lucas se virou na hora.— Você acha que ele pode estar vivo?Bruno deu de ombros, mas o olhar era sério.— Ou… mantido. Em algum lugar.Antes que pudessem falar mais, Jin Ho bufou.— Conseguiram apagar quase tudo, mas deixaram rastros. E… — ele parou, ampliando uma das janelas na tela — olha isso.A imagem era granulada, provavelmente de uma câmera de segurança antiga. Mas mostrava u
Casa segura – 12h19Jordani se afastou da janela lentamente. O coração batia como o som de um tambor apressado dentro do peito.Do lado de fora, passos. Rasteiros. Precisos.Ela pegou o celular novamente, mas continuava sem sinal. Correu para a cozinha, abriu a gaveta — uma única faca de cozinha. Era pouco. Mas era o que tinha.O barulho do portão sendo forçado ecoou pela casa.Ela respirou fundo, encostada na parede.Do outro lado da porta, um sussurro:— “Paciente A. Confirme o estado gestacional. Iniciar protocolo de extração.”Ela congelou.Eles estavam ali por ela.Por ele.Pelo bebê.Subsolo do laboratório – 12h21— Jin… você disse que esse projeto foi cancelado, certo? — Lucas perguntou, andando até o fundo do corredor de concreto velho.— Oficialmente, sim. Mas a verdade é que ele só foi… rebatizado. Quando o nome de um projeto muda, os rastros quase
Casa segura – 18h47O sol começava a sumir no horizonte quando Jordani entrou pela porta dos fundos, ofegante, ainda com a roupa suja da fuga. Kira estava por perto, discretamente à espreita, mas manteve distância. Tinha feito o que precisava: levar Jordani até quem poderia protegê-la — a mãe de Lucas — e agora era hora de desaparecer de novo.Lucas veio correndo da sala assim que ouviu o barulho da porta.— Você tá bem? — ele perguntou, a voz carregada de urgência.Jordani assentiu, mas seus olhos diziam outra coisa. Ela estava esgotada, suja, com os cabelos presos às têmporas de suor e o olhar distante. Ainda via o vulto do invasor na memória. Ainda ouvia o estampido do tiro que quase a atingira.— Eu… consegui fugir. — ela sussurrou.Ele a abraçou com força. Não fez perguntas — não ainda. Só a segurou, como se ela pudesse desaparecer de novo.Mas no canto da sala, alguém observava. Um dos aliados. Um dos que sabiam de
Casa segura – 5h17 da manhãJordani acordou com um calafrio. O som distante de um pássaro noturno se perdia entre as folhas lá fora. Ao lado, Lucas dormia profundamente, exausto da noite anterior.Ela se levantou devagar, pegou o celular escondido entre as roupas e viu a notificação: uma mensagem criptografada, vinda de um número desconhecido.“Rua das Sibipirunas, número 42. Sozinha. 6h.”Ela soube imediatamente quem era.Vestiu-se em silêncio, encostou a porta com cuidado e desapareceu pela lateral da casa, os passos leves, quase invisíveis.Rua das Sibipirunas – 6h01A casa parecia abandonada — portão de madeira com uma tranca frouxa, tinta descascando das paredes. Mas Jordani sabia que não estava sozinha.Entrou.Kira estava ali, encostada no batente da porta dos fundos, de braços cruzados, o cabelo preso com precisão, olhar firme.— Pensei que não viesse. — Kira disse.— Pens
Jordani não sabia o que fazia mais: o impacto da verdade ou a constatação de que ela nunca tinha visto a mentira se aproximando. Sentada no banco do café da empresa tomando seu expresso com pouco açúcar, ela olhou para o celular, onde uma mensagem de Paulo César seu namorado piscava na tela. A dor nas palavras dele era quase tangível, mas o que mais a cortava era o simples fato de saber que ele nunca sentiu a dor que ela estava sentindo agora. Ela o amava, e ele havia feito o impensável. Não havia volta.*MENSAGEM DE PAULO*“Jordani, eu sinto muito, mas não posso mais continuar com você. Eu… eu encontrei alguém melhor, me apaixonei pela Carla minha assistente. Desculpe.”Era tudo o que ela precisava ler para que o chão debaixo de seus pés se desintegrasse. A sensação de abandono a sufocava, o café que tinha um pouco de açúcar se tornou amargo em sua boca enquanto as lágrimas, antes reprimidas, começavam a escorrer silenciosamente pelo seu rosto. A dor de ser trocada por outra não tinh