Milena estava a dias da sua partida. As aulas haviam terminado, e, apenas aguardava a saída das notas para poder pedir o seu diploma. Enquanto isso iria aproveitar aqueles dias passeando na natureza.
O dia amanheceu calmo, uma breve brisa entrava pela janela, o som melodioso dos pássaros era maravilhoso. Iria sentir a falta destes momentos ao acordar. O que se lembrava da sua terra natal em nada tinha que ver com esta calma, este silêncio, este encontro total com a natureza.
O estar tão perto da natureza em todo o seu esplendor, tinha sido o motivo da sua escolha de Curitiba para residir enquanto estudava na Universidade de São Paulo.
São Paulo, não era uma cidade calma, pelo contrário, muito movimento de pessoas e trânsito. Milena precisava de um local mais calmo para morar, tinha necessidade de se dedicar de alguma forma á reconstrução da sua parte emocional e, viver no meio de muita agitação não iria conseguir fazer isso, muito pelo contrário, iria aumentar as suas crises de ansiedade. As pessoas que conheceu eram maravilhosas, uma positividade inimaginável, tão característico deste povo maravilhoso. Sentiria bastante falta dos seus novos amigos.
A sua vinda para o Brasil por quatro anos, foi a forma que encontrou para se afastar da sua vida anterior, dedicar-se aos estudos, manter a cabeça ocupada,. Esta viagem tinha realmente feito milagres na sua parte emocional. Quando chegara ao Brasil, estava apática, passava os dias e as noites a chorar, tinha perdido o brilho dos olhos e a vontade de viver. Mas agarrou-se aos estudos para manter a cabeça longe das coisas que a faziam cair e, aos poucos foi levantando a cabeça, até encontrar um propósito para a continuidade da sua vida.
Agora era hora de regressar. Os seus pensamentos estavam a mil à hora. Como seria o seu regresso? Como estariam as coisas em Portugal?
Levantou-se calmamente, tomou banho e preparou o seu café. Abriu a porta que dava para o jardim e, segurando a chávena, sentia o seu aroma delicioso. Sentou-se a bebericar absorta nos seus pensamentos.
Mantinha esta rotina desde há quatro anos. Desde que havia chegado a este paraíso.
Fez a sua caminhada matinal pela natureza, gostava mesmo de caminhar no meio da natureza, raramente usava auscultadores nos ouvidos pois, os próprios sons da natureza a acalmavam. O sussurrar da natureza tinha poderes milagrosos na sua mente e espírito.Imaginava como estariam as coisas em casa, como estaria Miguel e como ele iria reagir ao seu regresso.
Tinha saído de Portugal há quatro anos sem dizer uma palavra a Miguel. Nunca lhe tinha ligado a dizer onde estava. Não podia, pois, se o fizesse sabia que ele iria ao seu encontro e a obrigava a regressar de imediato. Não podia voltar, o seu corpo ainda sentia, por vezes, o seu filho no ventre, mas ele já não estava lá. Miguel bebera demasiado naquela noite, os ciúmes tinham tomado conta dele. Ela estava feliz por sua gravidez mas não teve oportunidade de lhe contar devido ao dia corrido que haviam tido, mas Miguel achou que a sua felicidade se devia a algum relacionamento que ela manteria com outro homem. Estavam num jantar com vários advogados, numa espécie de comemoração. Com o passar das horas e sempre que algum colega se aproximava dela para a cumprimentar e trocava algumas palavras com ela, Milena sentia o olhar de Miguel em si, como uma chama a queimá-la, começou a sentir-se desconfortável e acabou por pedir a Miguel para irem embora da festa.
Miguel entrou no carro, agarrava o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos, o seu olhar era de um vazio, a expressão de raiva estampada da cara, não olhou para ela, fez a manobra para sair do estacionamento e carregou descontroladamente o acelerador. O carro seguia a alta velocidade, numa rotunda acabou por perder o controlo e embateu violentamente numa árvore. Milena ouviu o som estridente do embate, mas não se lembra de mais nada, apagou, perdeu os sentidos.
Acordou já no hospital, Miguel estava ao seu lado, com os olhos vermelhos e cheios de água, pedindo perdão. Ela tinha perdido o bebé. Ele estava arrependido, pedia desculpa por ter pensado que ela teria outro. Ele não sabia que ela estava à espera de um filho seu. Milena sentiu que ele estava mesmo arrependido, mas os resultados das suas atitudes tinham acabado com os seus sonhos. Com toas a sua força afastou-o e pediu que saísse do seu quarto, não conseguia olhar para ele, muito menos sentir o seu toque. Não o iria perdoar. Não podia perdoar.Assim que recuperou, abandonou o hospital e partiu para o Brasil, sem deixar rasto.
Aqui estava a sarar as suas feridas, as suas mágoas, mas não conseguia perdoar Miguel. A marca de dor que ele havia deixado no seu coração era grande demais.Tinham casado muito jovens, sem grande maturidade, mas amavam-se desde a adolescência. Nos últimos meses começou a sentir Miguel mais ansioso, mais inseguro, talvez porque ela estava a dedicar demasiado tempo à sua carreira.
Ambos advogados, Milena era empenhada e lutava por um lugar num mundo ainda muito masculino. Daí o seu empenho em todos os seus casos. Tornara-se numa profissional de renome e com casos ganhos. No tribunal era totalmente implacável, já na sua vida social era doce e frágil.
Milena tinha visto na internet um curso de Psicoterapia, de quatro anos de duração, em São Paulo. Achou que seria uma oportunidade a não deitar fora. Seria a desculpa perfeita para abandonar tudo e trilhar um novo caminho para a sua vida. Não queria mais trabalhar na área do direito, até porque não teria como não trabalhar algum dia com Miguel. Queria cortar todos os laços com o seu passado, desta forma nada melhor do que escolher outra profissão. Como sempre se interessara por terapias, juntou o útil ao agradável e partiu.
O dia da partida havia chegado, nas malas levava as lembranças dos últimos anos. Estava ansiosa, um peso no peito que quase a sufocava. Estaria ela preparada para regressar? Achava que estava, mas agora, no aeroporto, as coisas não estavam tão claras.Milena com apenas 30 anos, era alta, uma morena de cabelos cacheados e olhos verdes. Uma mulher elegante e bonita, mas o seu olhar era triste. Era descontraída tanto na forma de ser, como na forma de vestir.Tinha chegado a hora, entrou no avião e, sentou-se no seu lugar. Ao seu lado estava um jovem bem-apresentado, lindo, ele era lindo e, o seu sorriso, capaz de desconcertar qualquer pessoa.Milena manteve-se quieta, mas o seu companheiro de viagem não tardou a meter conversa com ela. No início tentou manter-se distante, mas acabou por não resistir.Após algum tempo, parecia que se conheciam há muito e, mantiveram uma conversa animada. A viagem tornou-se assim bastante agradável. Acabou por nem se aperceber que já tinham passado as dez h
Chegaram a Lisboa de madrugada. A noite estava fria e húmida, nada que ver com o clima do Brasil. Milena sentiu um frio a percorrer o seu corpo. Seria este frio, realmente frio ou o arrepio que sentia era devido à ansiedade que a invadia desde que iniciou o processo de regresso a casa?Olhou para Renato a seu lado, um jovem bem-disposto e divertido, bonito, bem parecido. Um homem pelo qual qualquer rapariga se apaixonaria. Mas ela não sentia qualquer atração por ele. Tinha apenas sido uma boa companhia para a viagem e um bom amigo para o futuro.Mantiveram a conversa ainda por um bom período de tempo e Renato conseguiu mesmo arrancar-lhe algumas gargalhadas.Despediu-se de Renato, trocaram contactos e prometeram encontrar-se brevemente.Milena apanhou um táxi e dirigiu-se ao hotel que tinha já reservado para esta noite.O hotel ficava no centro de Lisboa, uma zona privilegiada e bem frequentada. Era verão e, as ruas encontravam-se mais vazias do que o habitual pois, a maioria dos habit
Milena acordara cedo e rapidamente tomou banho e saiu.Alugou carro pois, achava que a viagem seria mais confortável.Parou no caminho para relaxar e tomar um café, as autoestradas mantinham estas estações de serviço ao longo do percurso o que permitia aos condutores fazerem algumas paragens, em viagens mais longas para poderem descansar um pouco e comer alguma coisa.Eram locais impessoais, mas que funcionavam para o que forma projetados.Pegou numa revista, o seu coração gelou, na primeira página a fotografia de Miguel. Estava de fato e gravata, acompanhado de uma loira elegantemente vestida e vistosa. As suas mãos começaram a tremer, As suas pernas perderam a força e, teve de procurar um local para se sentar.Parecia que Miguel tinha seguido a sua vida sem mesmo se importar que eles ainda estavam casados.Não tinha problemas de apresentar a sua amante perante tudo e todos.Sentiu-se gelada, tinha mesmo que resolver esta situação, pedir-lhe o divórcio e colocar um ponto final em t
Milena escolheu um restaurante na praia para fazer uma refeição ligeira.Após o almoço, foi para a sua casa. Estava fechada há quatro anos, precisava de abrir as janelas e permitir que o ar invadisse as divisões.Passou as horas seguintes a arrumar e limpar a casa. No final olhou em redor e esboçou um sorriso de satisfação.Estava perfeita.Tomou um banho, trocou de roupa e dirigiu-se à empresa de Miguel.Miguel é um advogado de sucesso, com uma carteira de clientes importantes. Tinham aberto a empresa de advogados os dois, mas desde que fora embora, Miguel tinha conseguido angariar uma série de clientes e casos que lhe trouxeram imenso prestígio e tranquilidade financeira. Ela recebia uma boa renda da empresa da sua parte na sociedade. Mas agora que estava de regresso, não pretendia voltar a trabalhar lá, nem pretendia manter a profissão de advogada.Teria de o enfrentar e informar do seu regresso.Quando entrou na receção, uma loira dirigiu-se a ela com altivez e até um toque de arro
Com a passagem dos dias, Milena ia organizando as suas rotinas. Fazia os seus longos passeios na praia, passava algum tempo a procurar um local para instalar a sua empresa. Tinha de. ser um local sossegado, de fácil acesso e com bom ar. Levaria o seu tempo, mas sabia que encontraria o local perfeito.Não encontrara Miguel desde aquele dia, mas tinha visto algumas publicações nas redes sociais onde aparecia sempre bem vestido e.... sempre bem acompanhado pela loira que a recebera na empresa.Apesar de tentar negar a si mesma, não podia deixar de assumir a ponta de ciúme que sentia ao ver Miguel com outra mulher.O que a magoava é que ele não tinha sequer esperado o divórcio... ele tinha seguido com a sua vida. Ela continuava despedaçada.Recordava o tempo em que se conheceram no secundário, ainda adolescentes. Miguel era nessa altura o rapaz mais cobiçado da escola e, ela uma rapariga cheia de timidez. Fora Miguel que a procurara na altura e desde aí nunca mais se separaram, primeiro co
Renato olhava para Milena com preocupação, o semblante dela estava fechado, os olhos que outrora brilhavam de vida, estavam agora baços, como que se uma névoa os cobrisse.Segurando a sua mão, manteve-se em silêncio, sabia que não era hora de pressionar a amiga. Ela precisava do seu tempo para se recompor. E se depois ela quisesse falaria com ele.Estiveram assim durante cerca de uma hora e meia. De repente Milena levantou-se - Vamos embora, vamos escolher o meu carro novo.Ele seguia-a sem proferir qualquer palavra, sabia que ela estava a sofrer e que apenas mantinha o programa por ele.Chegaram ao stand, Milena explicou ao vendedor o carro que pretendia e, este apresentou-lhe um carro tipo jeep que ela adorou. Era exatamente o que ela pretendia, um carro prático, económico e que lhe permitisse visitar alguns fornecedores e poder transportar as compras.Não podia simplesmente abrir uma empresa e estar sempre dependente de táxis, Uber ou rent-a-car.Queria autonomia de movimentos, até
Os dias foram passando e, as obras na sua clínica já tinham iniciado. Sentia um misto de emoções, felicidade, mas também extremo cansaço.Helena tinha-a convidado para um final de semana, Milena sabia que se aceitasse o convite o mais certo seria encontrar lá Miguel. Mas também não poderia deixar de viver a sua vida. Talvez Miguel achasse que ela ia e optasse por não aparecer.Estava decidida em aproveitar o convívio com os seus amigos de faculdade que já não via há quatro anos.A casa de Helena era fabulosa, estava situada num monte, era térrea e tinha um imenso jardim. Milena adorava estar naquela casa, a piscina em frente à casa, trazia uma frescura ao ambiente. Chegou á hora combinada e logo foi acomodada no quarto de hóspedes. Estava distraída a conversar com os colegas quando surge atrás de si alguém que lhe estende um copo de vinho e que lhe coloca a mão no ombro. Era Miguel, sorridente, olhava para ela com os olhos brilhantes e provocadores - É vinho branco, certo? - pergun
Após aquele encontro, Milena manteve-se o mais afastada possível, não pretendia encarar Miguel tão cedo, estava confusa nos seus sentimentos e emocionalmente instável. Ela não tinha regressado para se voltar a envolver com ele, mas sim para a sua vida tomar um novo rumo.A sua clínica estava quase pronta a ser inaugurada e, enquanto acabavam as últimas intervenções, decidiu tirar uns dias longe da Figueira e consequentemente longe de Miguel.Ligou a Renato a perguntar se teria tempo para ela nos próximos dias, até porque poderia aproveitar para visitar alguns fornecedores enquanto estivesse no Porto. Renato poderia ajudá-la e muito nessas deslocações pois conhecia muito bem a cidade.- Fabuloso, estou ansioso pela tua chegada. Assim que chegares liga-me e dá-me um ponto de referência que irei ter contigo.Milena passou em casa, colocou umas mudas de roupa à pressa na mala, o seu estojo de higiene pessoal e fechou a casa.Colocou a mala no carro e arrancou.MiguelAo chegar a casa de Mi