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Capítulo 3 - A Queda

Aos poucos, a sensação térmica ia se alterando, assim como os sentimentos de Juliana. Não era mais um sentimento de mera rebeldia com os pais; era algo mais profundo, uma intensa tristeza e sensação de total desprezo por sua opinião. "Sempre foi assim, meus pais nunca perguntaram a minha opinião sobre qualquer coisa", pensava ela. Seus olhos estavam tão perdidos que sequer conseguiam contemplar a beleza que se apresentava do lado de fora da janela. Ao invés disso, ficaram molhados de lágrimas.

Estava solitária tanto em sua mente quanto no mundo material. Estava sentada sozinha, ninguém havia ocupado a poltrona ao seu lado. Olhando para o corredor do avião com maior atenção, viu que muitos se divertiam, conversavam entre si, sorriam, gargalhavam dos livros que estavam lendo. Foi então que Juliana se lembrou do romance que estava lendo. Trouxera consigo em sua mochila para se distrair durante a viagem. Juliana era apaixonada por Júlio Verne. Viagem ao Centro da Terra era sua história predileta, já a havia lido pelo menos doze vezes. Para ela, naquele momento, era a única fonte de distração e alegrias.

Mal começou a ler o prefácio do livro, sentiu um leve balanço em sua poltrona. Um rapaz havia se sentado ao seu lado após pedir licença. Era jovem, aparentava ser de origem europeia. Pelos trajes e pela bagagem, dava a entender que era um calouro prestes a estudar em uma renomada universidade ou então, fazer um intercâmbio. Sem perceber, Juliana olhava fixamente para o rapaz, que acabou percebendo. Encabulado, ele dá um leve sorriso e a pergunta:

- Está indo à passeio?

- N...não, na verdade é um compromisso de família! E você?

- Bem, eu recebi uma bolsa para estudar na Austrália, vou começar na semana que vem!

- Puxa, meus parabéns! Não deve ter sido fácil!

O rapaz colocou a não direita atrás do pescoço, envergonhado:

- Valeu! Mas, na verdade, eu realmente ganhei a bolsa de um sócio do meu pai, que gosta de trabalhar com educação... a verdade é que eu não queria ir pra lá!

Deixando escapar uma breve gargalhada, Juliana responde:

- Que coisa, então somos dois! Meus pais meio que me obrigaram a visitar minha avó, que não dá notícias há algum tempo!

- Eles não podem ir?

- Na verdade não. A crise no Brasil atingiu meus pais em cheio, eles estão quase pirando!

- Também são donos de empresa? - pergunta o rapaz, arregalando os olhos.

- São sim, e os seus?

- Bom... minha mãe faleceu há um ano e meio, vítima de um câncer, e o meu pai ficou muito abalado! Se jogou de cabeça no trabalho para tentar curar a ferida!

- Puxa, eu sinto muito...

- Acho que ele quer que eu vá para a Austrália para que eu também ocupe minha cabeça. No começo eu debati muito, pois quero me especializar em natação, e meu pai quer que eu estude administração. Mas depois, eu fui amolecendo, pois vi que o sofrimento da perda da Mamãe ainda nos castiga muito!

Juliana responde, olhando-o com admiração:

- É muito legal isso que você está fazendo, sabia? Pelo seu pai e também por você!

- Você também deve ter sonhos pelos quais lutar... O que você está fazendo pelos seus pais também é muito bacana!

- Eles são chatos e, às vezes egoístas, mas eu os amo de todo o coração!

- Bem, eu me chamo Alexandre Vidal! Muito prazer!

- Juliana Mazato! -responde a jovem, estendendo-lhe a mão - o prazer é meu! Mas me diga, por que veio para esta poltrona só agora?

- Bom, no lugar onde eu estava, havia dois bebês gêmeos fazendo uma grande algazarra! Percebi que a mãe estava ficando sem espaço, olhei ao redor e vi que esta poltrona estava sobrando... daí eu vim pra cá!

- Olha, ainda bem que veio, não sei como seria viajar até Sidney sozinha.

  Neste momento, uma voz tranquila interrompe a conversa:

- Vocês aceitam um lanche? - pergunta a aeromoça, ainda um tanto tímida, pois aquele era o seu primeiro voo como profissional.

- Sim, por favor! - responde Alexandre - Um chocolate quente para mim e outro para minha amiga!

- Como quiser, senhor!

   A aeromoça colocou os chocolates nas xícaras, mas quando foi servi-los, não contava com uma súbita turbulência na aeronave, o que fez com que ela derrubasse todo o chocolate quente na calça de Alexandre! Imediatamente, Juliana levantou-se e esbravejou:

-Mas o que você está fazendo? Será que não consegue ter mais cuidado?

- Meu Deus! Por favor, me perdoe, senhor! Por favor, deixe-me cuidar disso! - exclama a aeromoça, trêmula, lançando mão de uma toalha para secar as pernas de Alexandre, que gemia, pois o caldo estava muito quente.

   Juliana continuou a hostilizar a aeromoça:

- Mas será possível? Como podem contratar pessoas tão desastradas para voos internacionais? Você nem deveria estar neste avião!

- P...por favor, senhora, peço mais uma vez que me perdoe, isso não irá mais se repetir! - suplica a aeromoça, que tinha toda a tripulação olhando para aquela situação.

- Não se preocupe, está tudo bem! - responde Alexandre, sentindo o ardor amenizar-se.

- Senhor, mil perdões, eu não tive a intenção de...

- Eu sei disso, fique tranquila, vai ficar tudo bem! Foi um acidente...

-Deveríamos reclamar na compania aérea! - exclama Juliana, voltando a se sentar.

- Não há a menor necessidade! - responde Alexandre, ajudando a aeromoça a recolocar as xícaras na bandeja - Como eu disse, foi um acidente, a moça não teve culpa!

- Sabem, é meu primeiro voo como profissional! - responde a aeromoça, justificando-se - Ainda estou me acostumando com as turbulências!

- Eu entendo... - responde Alexandre - Poderia nos trazer uma toalha?

- Imediatamente, senhor!

  Antes que a aeromoça pudesse tomar dar qualquer passo adiante, uma nova turbulência invade a aeronave. Dessa vez, não era uma turbulência comum; o avião foi chacoalhado, fazendo a aeromoça cair violentamente. Nenhuma aeromoça ficou de pé. As malas caíam de seus compartimentos, os passageiros passavam mal, batiam suas cabeças contra suas poltronas. O caos estava instalado. Uma onda de pânico tomou conta daquele avião. Juliana estava horrorizada, não conseguia mover um músculo. Alexandre tentava conter seu pavor e, ao mesmo tempo, segurava Juliana para que ela não se machucasse muito.

   De repente, inicia-se um corre-corre dentro do avião. O pavor fazia as pessoas pisotearem umas às outras, algumas se trancaram no banheiro, como se isso as fosse salvar do desastre iminente. Tomada pelo pânico, Juliana exclama:

- VAMOS MORRER! NÓS VAMOS MORRER!

   Tentando manter a calma, Alexandre responde:

- Não se desespere! Fique em posição fetal, assim não morreremos! Segure minha mão!

  Então, vendo-se quase sem esperanças, Juliana segura a mão do rapaz com toda a força que pode. Tentou ignorar os gritos ensurdecedores dos outros passageiros. Pela janela do avião, o céu parecia cair; seus corpos não mais os obedeciam, estavam à mercê da gravidade. Após alguns segundos, o sofrimento de muitos se encerrou. O impacto foi horrível. A aeronave bateu em um vale, causando um horrível estrago. O cenário lembrava muito um filme de terror. As pessoas que, antes estavam sorridentes, empolgadas e ansiosas com o voo, estavam agora mudas, sem alegria, sem expressão, sem vida.

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