Aos poucos, a sensação térmica ia se alterando, assim como os sentimentos de Juliana. Não era mais um sentimento de mera rebeldia com os pais; era algo mais profundo, uma intensa tristeza e sensação de total desprezo por sua opinião. "Sempre foi assim, meus pais nunca perguntaram a minha opinião sobre qualquer coisa", pensava ela. Seus olhos estavam tão perdidos que sequer conseguiam contemplar a beleza que se apresentava do lado de fora da janela. Ao invés disso, ficaram molhados de lágrimas.
Estava solitária tanto em sua mente quanto no mundo material. Estava sentada sozinha, ninguém havia ocupado a poltrona ao seu lado. Olhando para o corredor do avião com maior atenção, viu que muitos se divertiam, conversavam entre si, sorriam, gargalhavam dos livros que estavam lendo. Foi então que Juliana se lembrou do romance que estava lendo. Trouxera consigo em sua mochila para se distrair durante a viagem. Juliana era apaixonada por Júlio Verne. Viagem ao Centro da Terra era sua história predileta, já a havia lido pelo menos doze vezes. Para ela, naquele momento, era a única fonte de distração e alegrias.Mal começou a ler o prefácio do livro, sentiu um leve balanço em sua poltrona. Um rapaz havia se sentado ao seu lado após pedir licença. Era jovem, aparentava ser de origem europeia. Pelos trajes e pela bagagem, dava a entender que era um calouro prestes a estudar em uma renomada universidade ou então, fazer um intercâmbio. Sem perceber, Juliana olhava fixamente para o rapaz, que acabou percebendo. Encabulado, ele dá um leve sorriso e a pergunta:- Está indo à passeio?- N...não, na verdade é um compromisso de família! E você?- Bem, eu recebi uma bolsa para estudar na Austrália, vou começar na semana que vem!- Puxa, meus parabéns! Não deve ter sido fácil!O rapaz colocou a não direita atrás do pescoço, envergonhado:- Valeu! Mas, na verdade, eu realmente ganhei a bolsa de um sócio do meu pai, que gosta de trabalhar com educação... a verdade é que eu não queria ir pra lá!Deixando escapar uma breve gargalhada, Juliana responde:- Que coisa, então somos dois! Meus pais meio que me obrigaram a visitar minha avó, que não dá notícias há algum tempo!- Eles não podem ir?- Na verdade não. A crise no Brasil atingiu meus pais em cheio, eles estão quase pirando!- Também são donos de empresa? - pergunta o rapaz, arregalando os olhos.- São sim, e os seus?- Bom... minha mãe faleceu há um ano e meio, vítima de um câncer, e o meu pai ficou muito abalado! Se jogou de cabeça no trabalho para tentar curar a ferida!- Puxa, eu sinto muito...- Acho que ele quer que eu vá para a Austrália para que eu também ocupe minha cabeça. No começo eu debati muito, pois quero me especializar em natação, e meu pai quer que eu estude administração. Mas depois, eu fui amolecendo, pois vi que o sofrimento da perda da Mamãe ainda nos castiga muito!Juliana responde, olhando-o com admiração:- É muito legal isso que você está fazendo, sabia? Pelo seu pai e também por você!- Você também deve ter sonhos pelos quais lutar... O que você está fazendo pelos seus pais também é muito bacana!- Eles são chatos e, às vezes egoístas, mas eu os amo de todo o coração!- Bem, eu me chamo Alexandre Vidal! Muito prazer!- Juliana Mazato! -responde a jovem, estendendo-lhe a mão - o prazer é meu! Mas me diga, por que veio para esta poltrona só agora?- Bom, no lugar onde eu estava, havia dois bebês gêmeos fazendo uma grande algazarra! Percebi que a mãe estava ficando sem espaço, olhei ao redor e vi que esta poltrona estava sobrando... daí eu vim pra cá!- Olha, ainda bem que veio, não sei como seria viajar até Sidney sozinha. Neste momento, uma voz tranquila interrompe a conversa:- Vocês aceitam um lanche? - pergunta a aeromoça, ainda um tanto tímida, pois aquele era o seu primeiro voo como profissional.- Sim, por favor! - responde Alexandre - Um chocolate quente para mim e outro para minha amiga!- Como quiser, senhor! A aeromoça colocou os chocolates nas xícaras, mas quando foi servi-los, não contava com uma súbita turbulência na aeronave, o que fez com que ela derrubasse todo o chocolate quente na calça de Alexandre! Imediatamente, Juliana levantou-se e esbravejou:-Mas o que você está fazendo? Será que não consegue ter mais cuidado?- Meu Deus! Por favor, me perdoe, senhor! Por favor, deixe-me cuidar disso! - exclama a aeromoça, trêmula, lançando mão de uma toalha para secar as pernas de Alexandre, que gemia, pois o caldo estava muito quente. Juliana continuou a hostilizar a aeromoça:- Mas será possível? Como podem contratar pessoas tão desastradas para voos internacionais? Você nem deveria estar neste avião!- P...por favor, senhora, peço mais uma vez que me perdoe, isso não irá mais se repetir! - suplica a aeromoça, que tinha toda a tripulação olhando para aquela situação.- Não se preocupe, está tudo bem! - responde Alexandre, sentindo o ardor amenizar-se.- Senhor, mil perdões, eu não tive a intenção de...- Eu sei disso, fique tranquila, vai ficar tudo bem! Foi um acidente...-Deveríamos reclamar na compania aérea! - exclama Juliana, voltando a se sentar.- Não há a menor necessidade! - responde Alexandre, ajudando a aeromoça a recolocar as xícaras na bandeja - Como eu disse, foi um acidente, a moça não teve culpa!- Sabem, é meu primeiro voo como profissional! - responde a aeromoça, justificando-se - Ainda estou me acostumando com as turbulências!- Eu entendo... - responde Alexandre - Poderia nos trazer uma toalha?- Imediatamente, senhor! Antes que a aeromoça pudesse tomar dar qualquer passo adiante, uma nova turbulência invade a aeronave. Dessa vez, não era uma turbulência comum; o avião foi chacoalhado, fazendo a aeromoça cair violentamente. Nenhuma aeromoça ficou de pé. As malas caíam de seus compartimentos, os passageiros passavam mal, batiam suas cabeças contra suas poltronas. O caos estava instalado. Uma onda de pânico tomou conta daquele avião. Juliana estava horrorizada, não conseguia mover um músculo. Alexandre tentava conter seu pavor e, ao mesmo tempo, segurava Juliana para que ela não se machucasse muito. De repente, inicia-se um corre-corre dentro do avião. O pavor fazia as pessoas pisotearem umas às outras, algumas se trancaram no banheiro, como se isso as fosse salvar do desastre iminente. Tomada pelo pânico, Juliana exclama:- VAMOS MORRER! NÓS VAMOS MORRER! Tentando manter a calma, Alexandre responde:- Não se desespere! Fique em posição fetal, assim não morreremos! Segure minha mão! Então, vendo-se quase sem esperanças, Juliana segura a mão do rapaz com toda a força que pode. Tentou ignorar os gritos ensurdecedores dos outros passageiros. Pela janela do avião, o céu parecia cair; seus corpos não mais os obedeciam, estavam à mercê da gravidade. Após alguns segundos, o sofrimento de muitos se encerrou. O impacto foi horrível. A aeronave bateu em um vale, causando um horrível estrago. O cenário lembrava muito um filme de terror. As pessoas que, antes estavam sorridentes, empolgadas e ansiosas com o voo, estavam agora mudas, sem alegria, sem expressão, sem vida.Juliana Mazato contemplava uma horripilante escuridão; parecia não ter mais pulmões. Sentia-se sufocada, com o seu peito extremamente comprimido. Não conseguia se mexer e nem enxergar coisa alguma. Não tinha forças sequer para gritar por socorro. "Onde estou? O que aconteceu?", perguntava a si mesma. Também não ouvia nada, a não ser um zumbido infernal, que parecia trucidar seu cérebro. De repente, sentiu algo lhe tocar; não parecia ser algo estranho. Era uma mão, e uma mão familiar. Ela sentia seu corpo balançar. Em poucos segundos, o terrível zumbido em seus ouvidos foi dando lugar a uma voz. Agonizante, essa voz a chamava:- Juliana! Acorde! Você está bem? Por favor, fale comigo! A escuridão que ocupava a visão da jovem ia se dissipando, à medida que a voz a chamava. Pouco a pouco, seus sentidos iam voltando, inclusive o tato, que a fazia sentir uma dor indescritível. Um gemido horrendo eclodiu de sua garganta, enchendo de esperança o aut
Juliana e Alexandre ficaram alguns instantes em silêncio para se certificarem de que não estavam tendo alucinações. Em poucos segundos, a voz grita novamente, distante e mais fraca desta vez:- Socorro! Alguém me ajude!Mais do que depressa, Alexandre correu em direção à voz. Corria e gritava, para a pessoa não desmaiar:- Ei! Onde você está? Responda, nós estamos aqui!Nada foi respondido. Alexandre respirava fundo e insistia:- Onde você está? Responda, fale comigo! Onde você está?- Aqui, eu estou aqui! - finalmente a voz lhe respondeu - Por favor, me ajude, estou debaixo das ferragens!- Está muito machucado? - pergunta Alexandre.- Não, não estou! Eu nem sei como estou vivo! Só estou com a perna presa!- Beleza, aguenta aí! Então, Alexandre reuniu o pouco de forças que possuía e foi removendo as peças do avião até encontrar a perna do dono da voz. Não parecia estar muito machucada, mas Alexandre temeu que algum osso estivesse quebrado e, por
Jackson Ventura analisava milimetricamente a melhor maneira de levantar a nova amiga Juliana Mazato a se levantar; estava tenso, nunca socorreu alguém na vida. Era jovem, apaixonado por tecnologia. O primeiro pensamento que vinha à sua mente era lançar mão de seu celular e pesquisar como levantar uma pessoa com uma perna quebrada. Porém, o sangue de Juliana já havia esfriado e uma dor aguda tomou conta do seu corpo. O gemido que saiu do profundo de seu sofrimento assustou Jackson, que se desesperou e não conseguiu mais pesquisar coisa alguma, devido ao tremor de suas mãos.Juliana estava impaciente; não conseguia confiar naquele garoto franzino, de cabelos lisos, apavorado. Não aguentando mais ficar sentada na mesma posição, arrisca fazer um movimento na intenção de se levantar, o que agravou a sua dor.- P...Por favor, não se mexa, é perigoso!- Você não sabe o que está fazendo, não é? - pergunta Juliana, frustrada.- Me desculpe, moça, é que eu nunca enfrentei uma situ
Os três homens armados encaravam Charles Lionel de maneira fria e impiedosa; o mais alto destravou seu revólver, demonstrando clara vontade de matar. O dono da casa, por sua vez, não se intimidou e continuava com o seu rifle apontado para o trio. Do lado de dentro, Juliana e os outros estavam apavorados. Não tiveram um minuto sequer de paz depois do acidente. Charles disse aos bandidos:- Por favor, vão embora! Alguns colegas seus já estiveram aqui e reviraram toda a minha casa, como podem ver!- O que aconteceu na sua casa para nós não faz a menor diferença! - respondeu um dos estranhos - Estamos procurando algo de muito valor e precisamos entrar agora na sua casa!- Foi o que os outros disseram! Mas, o que exatamente vocês estão procurando?- Você faz perguntas demais! Sabemos o que queremos! Agora, afaste-se ou iremos mata-lo aqui mesmo!- Se derem mais um passo, juro que acabo com vocês três!Com um ódio ainda mai
Alexandre Vidal estava espantado com a afirmação que Charles Lionel acabara de fazer, mas ao mesmo tempo ficou confuso: Mas como? Esse lugar estava desabitado. Como pudemos chamar tanta atenção? Não vimos movimento algum até chegar a este lugar, pensou.Charles então, insiste:- Você tem mesmo certeza de não ter visto ninguém no caminho? Não presenciaram nenhum conflito?- Certeza absoluta, senhor! Do pé do monte até este lugar, não vimos ninguém! Chegamos a pensar que era uma cidade fantasma!- Isso não faz o menor sentido! O barulho da queda do avião tinha que despertar o mínimo de curiosidade para esses bandidos! Não existe mais lugar tranquilo em Montserrat, tudo está tomado por esses saqueadores!- Bem, nós viemos da entrada da cidade... Pode ser que para eles não haja interesse emperambular pela estrada que leva ao monte!-
Juliana Mazato e os outros se posicionaram rapidamente do lado de fora; estavam todos em estado de alerta. Charles e Alexandre carregavam seus rifles, enquanto Jackson, Bianca e Naiara olhavam ao redor na tentativa de captar algum movimento suspeito. Tudo parecia estar tranquilo novamente. Charles então tomou a iniciativa:- Nosso objetivo é chegar à montanha de onde vocês vieram! Ao que me parece, aquela região ainda não foi atacada por criminosos. Quando chegarmos lá, estaremos com mais espaço e tempo hábil para pensar em um plano para sairmos daqui.- Quanto tempo acha que levaremos para chegar até lá? - pergunta Juliana.- Se não tivermos problemas, acredito que estaremos no pé da montanha em uma hora.- Papai, por que a montanha? - pergunta Bianca.- Alexandre me contou que, quando ele e seus amigos vieram para a vila, não encontraram ninguém no caminho, o que me leva a crer que os bandidos não estão procurando esse tal tesouro nos arredores
O grupo ficou atônito. Dois arqueiros estavam em pé, no telhado da casa; haviam acabado de nocautear três bandidos em um piscar de olhos. Livraram todos da morte certa, mas cada um se perguntava qual era a identidade dos arqueiros. Charles resolveu não abaixar a guarda. Continuou olhando para cima; o sol nascente dificultava muito a visão para o telhado. Podia-se enxergar apenas as silhuetas dos dois homens. Era perceptível também que possuíam a mesma estatura. Uma estatura bem baixa por sinal. Finalmente, um deles grita lá de cima:- Oi! Está todo mundo bem? Alguém se machucou?- Estamos bem, graças a vocês! - respondeu Alexandre - Muito obrigado!- Isso é bom! - responderam os arqueiros, em uníssono - Devem tomar cuidado, este lugar ficou muito perigoso!- É, deu pra perceber! - exclama Alexandre, ainda com desconfiança.- Esperem um pouco, estamos descendo aí!Os arqueiros começaram a descer do telhado rapida
Charles estava intrigado com a proposta do garoto. Repleto de dúvidas, ele o questiona:- Mudar o rumo da nossa existência? O que exatamente você quer dizer?- Olha só... esses quatro sobreviveram à queda de um avião e estão praticamente ilesos. As chances disso acontecer são mínimas, ainda mais se levarmos em conta que a colisão de um avião em uma montanha daquelas é extremamente letal!- Eu ainda não entendi...- Existe uma razão bem particular para essas pessoas estarem aqui conosco. Meu irmão e eu temos a impressão de que isso não é apenas o destino. Temos que honrar a missão de ajudarmos a Juliana e os outros a saírem deste lugar e voltar para casa!- E o que faz vocês pensarem que o velho Tomás pode ter uma resposta que os ajude a sair daqui?- Bem, dizem que ele sempre tem resposta pra tudo, não é? Acho que não custa nada tentar!- Estamos repletos de bandidos aí fora, não podemos perder tempo