O som do motor que ecoava do lado de fora do galpão era ameaçador, como um rugido vindo direto do inferno. Leonardo puxou Isabela pelo braço e a empurrou gentilmente contra a parede atrás do armário. O coração dela batia tão alto que parecia ensurdecedor dentro do peito.— Fica aqui — ele sussurrou. — Não se mexe, não faz barulho.Ela assentiu com os olhos arregalados. Leonardo fechou a porta do armário de novo e caminhou em silêncio até a entrada do galpão. Um carro preto havia estacionado do outro lado da cerca. Dois homens desceram — ambos altos, de paletó, com fisionomias frias e sem expressão.Leonardo pegou uma barra de ferro enferrujada do chão e se escondeu atrás de uma pilha de paletes de madeira. Os passos dos homens ecoaram dentro do galpão. Eles conversavam entre si, mas as vozes estavam baixas demais para entender.— Tem certeza de que ele deixou o material aqui? — perguntou um deles, enquanto iluminava o chão com uma lanterna.— Absoluta. Recebemos a dica ontem. Se algué
A noite caía como um véu espesso sobre a pousada isolada. As janelas fechadas protegiam os dois amantes do mundo lá fora, mas o perigo ainda rondava do lado de fora como um predador à espreita.Leonardo estava sentado na poltrona, apenas com a calça jeans desgastada, segurando um dos documentos encontrados no cofre. A luz amarela do abajur iluminava parcialmente seu rosto, realçando os traços fortes e concentrados. Isabela, enrolada no lençol branco da cama, observava cada movimento dele com atenção.— O que tem nesse papel? — ela perguntou, com a voz ainda rouca e suave, carregada do calor do que haviam vivido momentos antes.Leonardo levantou os olhos e respirou fundo.— É uma transferência bancária. Para uma conta no exterior. A assinatura é do Godoy, e o valor… é absurdo. Isso aqui pode derrubar ele.— Ele desviou dinheiro público? — ela se levantou, cobrindo o corpo com o lençol, sentando ao lado dele.— E mais. Isso está ligado à venda ilegal de terras. A mesma empresa que finan
O carro preto os seguia silenciosamente desde a saída da pousada. O motorista, um homem de meia-idade com óculos escuros e expressão fria, falava pouco e ouvia muito. No banco de trás, uma figura oculta apenas observava os movimentos de Isabela e Leonardo com atenção predatória.Isabela ainda não tinha percebido que estavam sendo seguidos. Ela ajeitava os documentos em uma pasta marrom, enquanto Leonardo mantinha os olhos atentos à estrada e ao retrovisor.— Estamos quase lá — disse ele, com a voz controlada. — O prédio onde Samuel trabalha fica na próxima rua.Ela assentiu, o coração apertado. Aquilo podia mudar tudo. A denúncia, se publicada, não só derrubaria Godoy como também reabriria o caso da mãe dela — e talvez revelasse segredos que por anos ficaram enterrados.Ao virarem a esquina, Leonardo acelerou. Algo em seu instinto gritou. O carro preto também virou, colado demais.— Segura firme, Isa.— O quê? Por quê? — ela perguntou, confusa, mas ele já manobrava bruscamente para o
O dia seguinte amanheceu nublado, com o céu carregado de nuvens que prometiam chuva. Isabela despertou com o som distante de buzinas e o cheiro de café fresco vindo da pequena cozinha. Espreguiçou-se devagar, sentindo o corpo ainda aquecido dos braços de Leonardo ao seu redor.Ele estava ali, dormindo tranquilamente, com o peito subindo e descendo em um ritmo calmo. O cabelo um pouco bagunçado, a barba por fazer, e o rosto sereno contrastavam com o turbilhão que viviam por dentro. Ela passou os dedos suavemente por sua bochecha e sorriu.— Acorda, jornalista — sussurrou. — Temos um mundo pra desmascarar.Leonardo abriu os olhos devagar e sorriu de volta.— Bom dia, minha confusão preferida.— Confusão? — Ela arqueou a sobrancelha, rindo.— A melhor confusão da minha vida.Se beijaram com ternura, aquele tipo de beijo que diz mais do que mil palavras. Um beijo de pertencimento, de conexão, de dois corações que sabiam, no fundo, que mesmo com tudo contra, estavam no caminho certo.Pouco
A estrada de terra mal iluminada serpenteava entre as árvores altas, cobertas pela névoa da noite. O carro, velho e com os faróis falhando, cortava o silêncio com o ronco baixo do motor cansado. Leonardo dirigia com o maxilar travado, os olhos atentos ao retrovisor. Isabela, sentada ao lado, segurava com força a mochila onde estavam os documentos restantes. Era tudo o que tinham. Provas. Memórias. A chance de justiça.— Tem certeza de que essa casa é segura? — ela perguntou, quebrando o silêncio.— Era de um amigo do meu pai. Abandonada há anos. Fica num sítio afastado, sem sinal de celular. Ninguém vai pensar em procurar lá.Ela assentiu, mas seus olhos não escondiam o medo. Desde que saíram do apartamento, a sensação de estarem sendo observados não os deixava. Samuel ficou para trás, prometendo organizar a resistência de dentro, reunir jornalistas independentes, advogados, e quem mais estivesse disposto a enfrentar Godoy. Mas Leonardo sabia: naquele momento, estavam sozinhos.Duas h
O dia amanheceu frio e silencioso no sítio. Um manto de neblina cobria os campos e escondia o céu azul. Isabela abriu os olhos devagar, sentindo o calor do corpo de Leonardo ao seu lado. Ele dormia profundamente, com um dos braços envolto em sua cintura e o rosto sereno, como se ali, naquele refúgio improvável, ele finalmente tivesse encontrado paz.Ela o observou em silêncio por alguns minutos. O peito subia e descia lentamente, a barba por fazer o deixava com um ar mais maduro e másculo. Era difícil acreditar que aquele era o mesmo homem que, meses antes, havia partido seu coração. Que havia sumido sem explicações. Que agora, de repente, era seu porto seguro.— Como alguém pode ir embora e voltar como se nunca tivesse saído? — ela sussurrou para si mesma, enquanto passava os dedos pelas costas dele.Leonardo abriu os olhos, como se tivesse ouvido.— Eu não fui embora de verdade, Isa — murmurou, a voz rouca da manhã. — Meu corpo se foi, mas meu coração sempre esteve com você.Ela riu
O homem de sobretudo puxou uma arma prateada com silenciador, apontando diretamente para o peito de Leonardo. O tempo pareceu congelar. Isabela sentiu o coração parar por um segundo, o ar sumir dos pulmões.— Nem mais um passo — Leonardo disse, abrindo os braços e se posicionando como um escudo humano.O invasor riu, debochado.— Você acha que pode me deter com coragem, Diniz? Coragem não salva vidas. Balas, sim.— Mas balas não apagam verdades — rebateu Leonardo, firme.De repente, um ruído metálico ecoou de trás da casa. O homem se virou por um instante — tempo suficiente para Leonardo se mover. Com um impulso rápido, ele derrubou uma das cadeiras da cozinha contra o inimigo, fazendo a arma cair no chão.— Corre, Isa! — ele gritou, enquanto os dois se atracavam no chão de madeira.Isabela hesitou por uma fração de segundo, mas a sobrevivência falou mais alto. Correu para o quarto, pegou a mochila com documentos e o notebook, e então saiu pela porta dos fundos, descendo a colina cobe
A cidade parecia diferente naquela manhã.As ruas, antes abafadas pelo silêncio tenso da dúvida, agora vibravam com burburinhos e notificações. Telões em avenidas mostravam a manchete principal: “Isabela Vasconcelos expõe esquema de corrupção – Governo nega, mas provas são contundentes.”No esconderijo, Isabela observava pela janela entreaberta enquanto terminava de amarrar os cadarços do tênis. Seus olhos estavam inchados, mas havia uma faísca neles. Ela havia dormido apenas duas horas, o corpo ainda doía da fuga, mas a alma… a alma ardia com esperança.— Você devia descansar mais, Isa — disse Samuel, enquanto segurava duas xícaras de café.— Não consigo. Não até saber se ele está bem.— Vamos encontrá-lo. Agora que as mídias estão com a gente, eles vão recuar. Não podem mais tratá-lo como inimigo.Isabela respirou fundo. Vestia jeans justos e uma camiseta preta de manga dobrada. O cabelo estava solto, mas preso por uma faixa de pano improvisada. Apesar do cansaço, havia uma beleza c