Capítulo 7
Um Esculacho Leva ao Esculápio
Qualquer outro rapaz teria sido menos impulsivo. Ao acariciar o seu rosto, eu disse tudo o que se passava em meu coração — menos com palavras. Como se elas fossem necessárias...
Aurore nunca tinha dado margem para que eu acreditasse que o seu sentimento espelhava o meu. Minha mente, portanto, enveredou pela trilha perigosa da interpretação enviesada dos nossos diálogos. O que poderia ser um mero flerte inconsequente de sua parte, algo que toda mulher bonita aprende a fazer em resposta ao cortejo educado de um homem, eu tomava como evidência clara de que ela me correspondia. O coração de um romântico é assim mesmo, bobo. Despreza a lógica. Reconstrói o passado à sua mercê. E se engana. Ah, como se engana!
O dia seguinte nasceu e, com ele, novas resoluções. Eu teria que achar algo produtivo para fazer até que as aulas recomeçassem no início de agosto. Por esse motivo, a propost
Capítulo 8 O deus Caído Só me faltava essa agora, mais outra bomba. Sem dúvida que era uma tremenda coincidência, mas poderia ser somente aquilo: o acaso simplesmente. Pois era-me inconcebível que... Bem, a simples ideia de que Telma tivesse visitado o Fernando tão tarde da noite era impossível de assimilar, como se eu tivesse visto um disco voador. Os olhos veem mas o cérebro se recusa a ver sentido naquilo; portanto, logo descarta a visão incontestável que está lá na nossa frente: só não vê quem não quer. É lógico que poderia ser aquilo mesmo, apenas uma infortunada coincidência, então lá estava eu de volta ao ponto de origem daquele drama. Nesse jogo fiquei horas e horas, rolando de um lado para o outro na cama. Será que era por ela que o professor sabia que o Fernando estava em São Carlos no final de semana? — pensei, abrindo os olhos na escuridão. E qual seria a surpresa à qual Fernando se referia
Capítulo 9Libertação—Hélio? — Romero veio à minha procura depois de alguns minutos e me encontrou ainda no piso. — Hélio, está tudo bem com você?— Sim. Tudo bem. — Tomei um susto com a sua chegada e eu me levantei o mais rápido que eu pude. Eu enxugava os olhos e era evidente que tinha dado tudo errado.— Puxa, a Aurore passou por mim quase correndo e não se despediu.Romero era um cara legal, mas eu não estava a fim de conversar. Principalmente porque, se eu fosse contar o que tinha acontecido, terminaria chorando na frente dele, e isso eu não queria de jeito nenhum.— Bem, Romero, eu disse que a amava, mas ela não quer ser a minha namorada.Ele tinha se esforçado para que eu e a Aurore saíssemos do observatório naquela noite como namorados e o
Capítulo 10O Silêncio de HélioMuito, muito tempo atrás, bem antes do nosso Sol aparecer, havia uma outra estrela nesse canto da Via-Láctea. Essa estrela viveu por bastante tempo produzindo energia através da fusão de hidrogênio, o elemento químico mais simples que existe. A fusão do hidrogênio produziu um outro elemento chamado hélio. Contudo, depois de muito tempo, o hidrogênio começou a acabar. A estrela, então, passou a consumir o hélio que havia produzido antes e aumentou de tamanho, virando uma gigante vermelha. O hélio se combinou na estrela para formar um outro elemento químico chamado carbono. E, assim, o tempo passou. A estrela ficou tão grande, mas tão grande, que o carbono que nela existia se espalhou pelo espaço, quando ela finalmente morreu em uma explosão de supernova. O
Capítulo 1A CartaEssa é uma história que começa em uma época em que não havia e-mail e que termina quando as sementes do mundo que conhecemos hoje já estavam plantadas.Há quem se recorde da vida sem internet como uma espécie de pré-história. As notícias vinham pela TV, jornais ou revistas. Escutávamos músicas em CD e víamos vídeos gravados em fitas VHS. Os Homo internetlessens comunicavam-se através de meios primitivos como a carta. Para falarem uns com os outros, usavam estranhos aparelhos alojados em conchas plantadas em lugares públicos como praças e esquinas. Ecos longínquos dessa época ainda podem ser ouvidos em uma expressão enigmática como “caiu a ficha”.Era uma época difícil de d
Capítulo 3 Caindo no Real —Aprovado em primeiro lugar! — O professor não se conteve ao telefone quando eu lhe liguei no dia em que os resultados saíram. Sem falsa modéstia, eu sabia que estava aprovado desde quando entregara a última prova. Não imaginava, contudo, que conseguiria essa excelente colocação. O calendário impunha um intervalo bem curto entre o anúncio dos classificados e a matrícula. Fiel ao meu estilo, eu havia previamente combinado com o professor que, caso eu fosse aprovado, ele a faria em meu nome munido de uma procuração. Tão logo desliguei o telefone, corri para o cartório para providenciar esse documento. Rezei para que os Correios não extraviassem o envelope que enviei na modalidade mais rápida. Tudo deu certo. Finalmente estava matriculado! As aulas começariam na semana logo após o carnaval. Na quarta-feira de cinzas, enquanto os bêbados ainda se recuperavam da ressaca, eu me despedia, emocionado,
Capítulo 2Provas e ProvaçõesA viagem de volta foi embalada pelos sonhos que todo jovem de 17 anos tem. Rememorava os incidentes e não conseguia conter o sorriso ao lembrar da viatura do professor e de quando ela quase tinha virado refeição de vaca.Os eventos agora pareciam se precipitar cada vez mais rapidamente, como sói acontecer quando o final do ano se aproxima. As inscrições para o vestibular começaram. Por sorte, havia uma agência do Banespa em Ilhéus. Paguei o Manual do Candidato e preenchi a ficha de inscrição com a letra mais caprichada que tinha. Em duas visitas à cidade, estava inscrito para a prova.O vestibular ocorreria em duas fases. A primeira seria realizada em um único dia no início de dezembro. Os candidatos teriam seus conhecimentos testados, nas várias ma
Capítulo 4 Lessons in Love Não me restara muito tempo para preparar a tradicional palestra “O Céu de Inverno” que, junto à palestra sobre o céu de verão, era tão inevitável quanto essas estações. Muitas transparências de palestras passadas poderiam ser reaproveitadas. Apesar de ser a minha palestra de estreia, eu não planejava devotar muito esforço para preparar algo muito elaborado. Alguns monitores tiraram férias antes da colisão do Shoemaker-Levy 9. Naquele final de semana bem esvaziado, estávamos de serviço apenas eu, o Romero e o Alceu. O céu estava parcialmente nublado e eu estava sozinho na cúpula. Romero zanzava entre os andares, de vez em quando pitando um cigarro na varanda. Alceu ficava o tempo todo na sala dos monitores, trabalhando na configuração dos computadores para acessar uma BBS, do inglês Bulletin Board System, uma rede ligando essas máquinas e que tinha acabado de entr
Capítulo 5 Após a Escuridão, a Aurora Que semana medonha. O único consolo era saber que poderia ter sido pior: imaginem se a seleção brasileira tivesse perdido dos Estados Unidos... Os acontecimentos dos dias anteriores tinham me deixado meio deprimido. No entanto, o Shoemaker-Levy 9 não se interessava nem um pouco pelos problemas emocionais de um reles monitor de observatório na Terra: continuava célere na sua marcha rumo ao seu fim. Assim, mergulhei no trabalho antes que ele também mergulhasse em Júpiter. Com o auxílio da BBS, obtivéramos muitas informações a respeito do evento e montamos uma exposição bem bacana. Fiquei responsável por um cartaz sobre o planeta Júpiter e seus satélites. Como conseguira terminá-lo antes do tempo, eu passara a ajudar os meus colegas no observatório. Já fazia um certo tempo que eu não via o professor Proust e foi com muita satisfação que o encontrei na reunião dos monitores.