Capítulo 2
Provas e Provações
A viagem de volta foi embalada pelos sonhos que todo jovem de 17 anos tem. Rememorava os incidentes e não conseguia conter o sorriso ao lembrar da viatura do professor e de quando ela quase tinha virado refeição de vaca.
Os eventos agora pareciam se precipitar cada vez mais rapidamente, como sói acontecer quando o final do ano se aproxima. As inscrições para o vestibular começaram. Por sorte, havia uma agência do Banespa em Ilhéus. Paguei o Manual do Candidato e preenchi a ficha de inscrição com a letra mais caprichada que tinha. Em duas visitas à cidade, estava inscrito para a prova.
O vestibular ocorreria em duas fases. A primeira seria realizada em um único dia no início de dezembro. Os candidatos teriam seus conhecimentos testados, nas várias ma
Capítulo 4 Lessons in Love Não me restara muito tempo para preparar a tradicional palestra “O Céu de Inverno” que, junto à palestra sobre o céu de verão, era tão inevitável quanto essas estações. Muitas transparências de palestras passadas poderiam ser reaproveitadas. Apesar de ser a minha palestra de estreia, eu não planejava devotar muito esforço para preparar algo muito elaborado. Alguns monitores tiraram férias antes da colisão do Shoemaker-Levy 9. Naquele final de semana bem esvaziado, estávamos de serviço apenas eu, o Romero e o Alceu. O céu estava parcialmente nublado e eu estava sozinho na cúpula. Romero zanzava entre os andares, de vez em quando pitando um cigarro na varanda. Alceu ficava o tempo todo na sala dos monitores, trabalhando na configuração dos computadores para acessar uma BBS, do inglês Bulletin Board System, uma rede ligando essas máquinas e que tinha acabado de entr
Capítulo 5 Após a Escuridão, a Aurora Que semana medonha. O único consolo era saber que poderia ter sido pior: imaginem se a seleção brasileira tivesse perdido dos Estados Unidos... Os acontecimentos dos dias anteriores tinham me deixado meio deprimido. No entanto, o Shoemaker-Levy 9 não se interessava nem um pouco pelos problemas emocionais de um reles monitor de observatório na Terra: continuava célere na sua marcha rumo ao seu fim. Assim, mergulhei no trabalho antes que ele também mergulhasse em Júpiter. Com o auxílio da BBS, obtivéramos muitas informações a respeito do evento e montamos uma exposição bem bacana. Fiquei responsável por um cartaz sobre o planeta Júpiter e seus satélites. Como conseguira terminá-lo antes do tempo, eu passara a ajudar os meus colegas no observatório. Já fazia um certo tempo que eu não via o professor Proust e foi com muita satisfação que o encontrei na reunião dos monitores.
Capítulo 6 Doce Entrega Então finalmente conheci Aurore, pensei. Além de não ligar para presentes, os homens também têm uma terrível dificuldade de lembrar de rostos. Em minha defesa, eu poderia alegar que a cúpula estava escura e que não era possível distinguir feições. Talvez eu nem mesmo reconhecesse a minha mãe naquele breu, ora bolas! Como seria possível, então, lembrar-me de alguém que somente vira em foto poucas vezes? Aquele rosto na foto não tinha voz. A graça dos seus movimentos tampouco poderia ser explicada em um momento fugaz congelado no tempo. Sua inteligência, discernível em um simples comentário, jamais seria descrita com justiça por um instantâneo. Além disso, pensei e sorri, não dá para sentir o cheiro de perfume em uma foto. O fato é que eu tinha ficado bem curioso com Aurore e aquilo me fazia sentir um bocado idiota. Ela tinha saído do observatório rebocada pelo Fernando, e Deu
Capítulo 7 Um Esculacho Leva ao Esculápio Qualquer outro rapaz teria sido menos impulsivo. Ao acariciar o seu rosto, eu disse tudo o que se passava em meu coração — menos com palavras. Como se elas fossem necessárias... Aurore nunca tinha dado margem para que eu acreditasse que o seu sentimento espelhava o meu. Minha mente, portanto, enveredou pela trilha perigosa da interpretação enviesada dos nossos diálogos. O que poderia ser um mero flerte inconsequente de sua parte, algo que toda mulher bonita aprende a fazer em resposta ao cortejo educado de um homem, eu tomava como evidência clara de que ela me correspondia. O coração de um romântico é assim mesmo, bobo. Despreza a lógica. Reconstrói o passado à sua mercê. E se engana. Ah, como se engana! O dia seguinte nasceu e, com ele, novas resoluções. Eu teria que achar algo produtivo para fazer até que as aulas recomeçassem no início de agosto. Por esse motivo, a propost
Capítulo 8 O deus Caído Só me faltava essa agora, mais outra bomba. Sem dúvida que era uma tremenda coincidência, mas poderia ser somente aquilo: o acaso simplesmente. Pois era-me inconcebível que... Bem, a simples ideia de que Telma tivesse visitado o Fernando tão tarde da noite era impossível de assimilar, como se eu tivesse visto um disco voador. Os olhos veem mas o cérebro se recusa a ver sentido naquilo; portanto, logo descarta a visão incontestável que está lá na nossa frente: só não vê quem não quer. É lógico que poderia ser aquilo mesmo, apenas uma infortunada coincidência, então lá estava eu de volta ao ponto de origem daquele drama. Nesse jogo fiquei horas e horas, rolando de um lado para o outro na cama. Será que era por ela que o professor sabia que o Fernando estava em São Carlos no final de semana? — pensei, abrindo os olhos na escuridão. E qual seria a surpresa à qual Fernando se referia
Capítulo 9Libertação—Hélio? — Romero veio à minha procura depois de alguns minutos e me encontrou ainda no piso. — Hélio, está tudo bem com você?— Sim. Tudo bem. — Tomei um susto com a sua chegada e eu me levantei o mais rápido que eu pude. Eu enxugava os olhos e era evidente que tinha dado tudo errado.— Puxa, a Aurore passou por mim quase correndo e não se despediu.Romero era um cara legal, mas eu não estava a fim de conversar. Principalmente porque, se eu fosse contar o que tinha acontecido, terminaria chorando na frente dele, e isso eu não queria de jeito nenhum.— Bem, Romero, eu disse que a amava, mas ela não quer ser a minha namorada.Ele tinha se esforçado para que eu e a Aurore saíssemos do observatório naquela noite como namorados e o
Capítulo 10O Silêncio de HélioMuito, muito tempo atrás, bem antes do nosso Sol aparecer, havia uma outra estrela nesse canto da Via-Láctea. Essa estrela viveu por bastante tempo produzindo energia através da fusão de hidrogênio, o elemento químico mais simples que existe. A fusão do hidrogênio produziu um outro elemento chamado hélio. Contudo, depois de muito tempo, o hidrogênio começou a acabar. A estrela, então, passou a consumir o hélio que havia produzido antes e aumentou de tamanho, virando uma gigante vermelha. O hélio se combinou na estrela para formar um outro elemento químico chamado carbono. E, assim, o tempo passou. A estrela ficou tão grande, mas tão grande, que o carbono que nela existia se espalhou pelo espaço, quando ela finalmente morreu em uma explosão de supernova. O
Capítulo 1A CartaEssa é uma história que começa em uma época em que não havia e-mail e que termina quando as sementes do mundo que conhecemos hoje já estavam plantadas.Há quem se recorde da vida sem internet como uma espécie de pré-história. As notícias vinham pela TV, jornais ou revistas. Escutávamos músicas em CD e víamos vídeos gravados em fitas VHS. Os Homo internetlessens comunicavam-se através de meios primitivos como a carta. Para falarem uns com os outros, usavam estranhos aparelhos alojados em conchas plantadas em lugares públicos como praças e esquinas. Ecos longínquos dessa época ainda podem ser ouvidos em uma expressão enigmática como “caiu a ficha”.Era uma época difícil de d