Eu não queria que Maria Vitória fosse embora. Ela estava calada, pensativa em muitos momentos, e eu... inquieto. Queria saber como estava sua vida, se havia conseguido se resolver com a mãe, com o padrasto. Mas o tempo que tínhamos estava chegando ao fim. Faltava apenas passar no shopping, pegar o vestido e levá-la. E então, pensar em uma desculpa convincente para Heitor — caso ele perguntasse.Só não contava com Maria Clara. E ela parecia disposta a destruir qualquer plano meu.— Eu te fiz uma pergunta, Maria Clara. — Fitei-a firme. — Não ando perguntando com quem você transa ou deixa de transar.Ela soltou uma risada seca, zombeteira. Passou as costas da mão pelo nariz com desdém.— É claro que não anda, Alexandre. Você nunca se importou mesmo.Ela jogou a bolsa no chão. Em um impulso, dei dois passos até Maria Vitória, me colocando entre as duas.— O que é? Está com medo? — Clara disparou, com veneno na voz.Maria Vitória se encolheu ligeiramente, os olhos arregalados, a respiração
Cheguei à entrada da casa com passos curtos. Olhei em direção à sala, temerosa. Uma sensação desconhecida me atravessou. Eu nunca tive um pai. E ter consciência disso agora me fez esticar a coluna, andar normalmente, como uma mulher adulta.Minha mãe me perguntaria como foi, me puxaria para o sofá e iria querer saber tudo. Subi os degraus pensando na falta que ela me fazia. Mas quanto ao meu pai... aquilo ainda era tão estranho.Cheguei até a porta do meu quarto, minha mão buscando a maçaneta, hesitante, quando a porta ao fundo do corredor se abriu. E ali estava ele. Só de bermuda folgada azul-escuro. Meu coração saltou no peito.Sem camisa, alguns fiapos de pelos em volta dos mamilos, o cabelo todo bagunçado, como quem acabara de sair da cama.— Hein, finalmente acordou a margarida. — Ele abriu um sorriso claro, gentil, estendendo os braços para me receber com carinho.Ainda me sentia receosa. — Pai? — perguntei, como se aquela palavra me denunciasse. Ele me envolveu em seus braços,
Andei entre as camas, os olhos vasculhando cada rosto. Até que parei.Ali, deitada, com o balão de oxigênio ligado à máscara, estava ela.Olhei para a enfermeira, depois para a mulher naquela cama. As marcas, os hematomas... eu sequer a reconhecia.A selvageria estava estampada no rosto da minha mãe.Me aproximei com as pernas moles.Todo e qualquer vestígio da pele maravilhosa dela estava marcado por arranhões, roxos, mordidas.— Ela está inconsciente. Quando chegou, não parava de chamar pela filha... Infelizmente, é a realidade, mãezinha — disse a enfermeira, uma mulher negra de voz doce. Ela tocou meu ombro num gesto delicado, tentando me confortar. Mas eu me desmanchava em lágrimas.— E o bebê? — minha voz saiu falha. Aos cinco meses… eu sabia que ele não tinha muitas chances.— Ele esteve resistindo, mas os batimentos... estão instáveis. É triste… um pai fazer isso, não é? Infelizmente...Um nó se formou na minha garganta. Fiquei na UTI por horas.Mas eram muitos pacientes. Apena
Eu peguei a estrada sem pensar nas consequências. Heitor havia me ligado várias vezes. E eu… não tive coragem de atender. Como explicar? Como dizer a ele o que houve?O que estava acontecendo entre mim e Mavi era passageiro — eu sabia. Mas o que eu jurava que era eterno, meu casamento com Maria Clara, tinha acabado. E da pior forma possível. Ela me odiava. E com razão.Após a instalação de Laura Bocci na sala de cirurgia do hospital, analisei todos os exames. Ela precisava de uma cesariana de urgência. Caso contrário… não resistiria.Quando voltei à sala, vi Heitor. Ele estava ali, de pé, me observando. Fingi que não o vi. Me afastei, enquanto o anestesista preparava a sedação. Acompanhei tudo de longe, como um corpo presente. Um médico ausente.Eu sabia que parecia frio. Antipático. Mas por dentro, eu implodia.Heitor. Justo ele.O cara que sempre confiou em mim. Que dividia os pensamentos mais sujos, as culpas, os medos. E eu? Sempre fui o calado. O comedido. Raras vezes perdi o con
Meu pai não tocou no assunto durante a viagem até o meu apartamento. Aquele silêncio desconfortável entre nós parecia mais pesado do que qualquer palavra. Quando chegamos, ele entrou, seus olhos vasculhando cada canto, embora tentasse disfarçar. Eu sabia o que ele pensava. Por mais que eu sentisse vergonha da simplicidade daquele lugar — e da minha vida ali, entre paredes vazias e móveis baratos — ele não dizia nada. Ele vivia no luxo. Eu, no nada. Mas não parei. Fui até o frigobar e comecei a preparar alguns sanduíches, tentando me distrair.Até que ele se aproximou, pegou o prato com os pães e olhou para mim com uma expressão que não deixava dúvida.— Você vai comer isso? — Ele questionou, os olhos fixos no prato simples, como se esperasse mais de mim.Eu estava faminta, e qualquer coisa me parecia suficiente. Só queria me alimentar. Não queria pensar, não queria sentir.— Tome um banho. Te levo para comer. — Ele disse, a voz carregada de uma frustração que eu sabia não ser totalmen
— Já que você está aqui, estou indo. Qualquer coisa, me avise. — Heitor entrou na sala friamente, sem sequer me olhar. Ficou parado, alheio, do lado de fora da porta. Eu assenti, sem coragem para mais nada. — Está bem...Como eu poderia encará-lo depois de tudo? Eu nem sequer sabia o que ele pensava. Vi-o sair. Aquilo tudo estava sendo pesado demais para ele — pegar a estrada às pressas, passar duas noites em um hospital, e agora voltar para casa, a quatrocentos quilômetros de distância. Levantei da cadeira, indo atrás dele.— Descanse antes de ir — pedi, vendo-o virar para mim, olhar nos olhos... mas não disse nada. Estava respeitando o momento. E eu sabia disso.Os policiais ainda estavam no quarto de Laura quando voltei. Ela dormia profundamente, mas poderia acordar a qualquer instante. Após conversar com Helena e confirmar que ela ficaria no hospital, deixei um dos policiais na porta. Levei Maria Vitória comigo. Ela precisava de cuidado.— E o meu pai? — perguntou ao chegarmos à s
Minha mãe ainda estava fraca, mas já conseguia sustentar a própria voz com mais firmeza. O olhar dela, embora cansado, voltava a brilhar aos poucos. Era como ver alguém renascer de dentro da dor — e isso me acalmava.Alexandre estava ao lado dela, discreto, com as mãos nos bolsos do jaleco. Ele a observava com atenção clínica, mas também com algo mais. Um cuidado que não se ensinava nos livros. Um cuidado que, eu sabia, vinha por mim.— Doutor... obrigada. Eu jamais poderei agradecer o suficiente pelo que fez — disse minha mãe, com esforço, os olhos marejados.Ele sorriu de leve, assentindo.— Fique bem, Laura. Se recupere com calma. Não há o que agradecer... sou médico. E, além disso — ele olhou rapidamente para mim — tenho grande estima por sua filha.Meu coração vacilou. A boca secou. A garganta trancou.Sorri fraco. Precisei desviar o olhar.Eu sabia o que vinha depois. Ele havia me avisado. Quatro dias ali. Quatro dias sem descanso, ao meu lado, lidando com tudo. Era hora de part
O momento que eu mais evitava — ou talvez, secretamente, esperava — finalmente chegou. Retornei à cidade. Retornei ao hospital. Apresentei uma proposta de divórcio decente à Maria Clara, tentando ao menos preservar a dignidade que restava entre nós.Mas falar com Heitor… isso parecia cada vez mais impossível.Ele havia viajado para um congresso. Ana Liz, ao que tudo indicava, nada sabia. Os dias passavam corridos demais. A rotina me engolia. Fiquei dias fora e, ao voltar, era como se nada tivesse mudado — o trabalho se acumulava, os pacientes se sucediam, e eu mal respirava entre uma cirurgia e outra.De Maria Vitória, pouco soube desde a alta da mãe. Talvez ela estivesse me evitando. Talvez para o meu próprio bem. E eu… já não sabia o que queria de verdade.Quinze dias. Quinze dias sem uma palavra.Eu queria notícias dela. Mas se nada vinha de lá… por que eu deveria ir atrás? Não queria sufocá-la. Não queria parecer dependente.Heitor, por sua vez, me deixava no vácuo. Ignorava minha