Os dias no hospital pareciam fazer o tempo correr. E, por mais que a minha paixão fossem os estudos, a cada dia que passava, o meu desejo de esticar mais a minha estadia se instalava. Eu não queria voltar para o Rio. Não queria me sentir sozinha, abandonada pela minha mãe — que, mesmo sabendo que eu estava longe, tentando uma relação com o meu pai, não mandou sequer uma mensagem em dias. Tampouco queria lidar com Marcelo, cujas mensagens eu vinha ignorando, esperando o momento certo de mostrar tudo para a minha mãe. Tudo isso me fazia desejar tudo, menos retornar ao Rio de Janeiro.Mas o que me restava era pouco. Oito dias passam rápido.Na manhã de domingo, levantei cedo, odiando ter que deixar o meu quarto, a minha cama. Olhei em volta: o quarto branco e rosa, observando cada detalhe — a cômoda cor-de-rosa com o abajur em forma de guarda-chuva em cima, as pelúcias nas prateleiras, os coraçõezinhos nas paredes… e até mesmo o pequeno beliche ali.— "Nem parece que esse quarto era de c
Os dias simplesmente passavam.Decidi não corresponder. Não provocar. Não bagunçar ainda mais a vida de Maria Vitória. O que eu sentia... ficava guardado. Trancado em mim. Os meus desejos, os meus anseios, permaneciam no escuro, onde — supostamente — ninguém os alcançava.Mas era impossível ignorá-la.O sorriso dela era um convite silencioso. Um ímã. E por mais que eu virasse o rosto, meus olhos sempre voltavam. Como se pertencessem a ela. E o mais inquietante era perceber que ela também olhava. Às vezes de longe, no corredor, ou mesmo na área de alimentação, entre bandejas e vozes abafadas… os nossos olhares se encontravam.Mesmo que por segundos.Eu sabia que não era certo. Que não podia. E mesmo assim, o desejo por aqueles olhos — castanhos, curiosos, intensos — e por aqueles lábios só crescia. A cada dia. A cada mínima interação.No sábado, cheguei cedo ao hospital. Mais um dia comum, pensei. Mas havia algo no ar. As conversas nos corredores carregavam um certo tom de despedida. O
As perguntas começaram de forma tímida, mas logo os alunos se encorajaram. Questões técnicas, dilemas éticos, curiosidades sobre a rotina médica — respondi a todas com a tranquilidade adquirida pelos anos. Eu estava quase relaxando, quase... até ouvir a voz dela.— Professora Fátima? — veio do meio do auditório, uma voz firme, educada, de timbre baixo, mas perfeitamente audível. Uma voz que eu reconheceria mesmo em meio ao caos de uma emergência. — Posso fazer uma pergunta antes da próxima rodada?Meus olhos a procuraram até encontrá-la. Sentada no meio da fileira central, vestia um modelo branco rodado, com detalhes azuis. O cabelo preso em um coque alto, brincos discretos. Os olhos, no entanto, brilhavam com algo que não era apenas curiosidade. Era provocação contida. Um desafio.Fátima assentiu, sorrindo com entusiasmo. — Claro, querida. Pode sim.Maria Vitória se levantou com calma, ajeitando o vestido antes de continuar. Os demais alunos se viraram ligeiramente para encará-la. Ha
Eu não queria grudar em Alexandre, tampouco demonstrar que havia qualquer aproximação entre nós. Também... isso de pouco valeria.Peguei todas as falas desde o início e, embora sozinha — já que Isis não compareceu, e tampouco Thiago —, pude apreciar cada segundo da palestra. As experiências de Alexandre... ele é admirável. E não apenas como médico, mas como ser humano.Meu pai parece ser o homem mais privilegiado do mundo por tê-lo como melhor amigo.Andei em direção ao carro de Alexandre com o coração acelerado. Ele parecia diferente. Talvez fosse por não estar em seu habitat.— Deveria ter me dito que estuda numa federal — ele comentou, assim que saímos do campus.— E qual a diferença?— Não sei. Acredito que haja alguma diferença no currículo quando se cursa numa federal.Eu não me sentia confortável. E por mais que tentasse segurar o meu desejo de olhá-lo, isso parecia estar muito além do que eu podia resistir.— Acredita mesmo? Não vejo diferença.Ele sorriu. E eu admiro... admir
Só o alarme do carro ainda soava, abafado agora, como se sentisse vergonha também.A polícia chegou rápido demais. As luzes girando, os uniformes, as perguntas... tudo foi tão rápido que mal tive tempo de respirar. Eu sequer saberia como explicar aquilo, nem como me desculpar com Alexandre. Ele foi quem falou com o policial, provavelmente entendendo que eu estava submersa em vergonha — e que qualquer palavra minha naquele estado seria falha, trêmula ou, pior, comprometedora.Mas o que me corroía por dentro era a ideia de que aquilo pudesse chegar até minha mãe. Como eu poderia explicar? Como justificar que Marcelo, o homem com quem ela dividia a vida, se tornara esse... alguém? Alguém que me feria, me puxava, me tratava como propriedade. Tudo isso poderia prejudicá-la — e ao bebê também. Os danos já eram grandes demais.Só de olhar para Marcelo, eu sentia o estômago embrulhar.— Você vai ficar bem? — ouvi a voz baixa de Alexandre.Seu toque foi leve, como se não quisesse me assustar —
Maria Vitória tinha mais camadas do que parecia à primeira vista. Fugindo de um padrasto abusivo, presa a uma relação conflituosa com a mãe, tentando se readaptar a uma nova vida... Durante uma conversa com Hélio, soube que ela pretendia começar a trabalhar. Talvez isso a tivesse levado até Heitor — não por um simples passeio, mas como uma fuga daquele cenário sufocante.Tomei um banho frio depois que Mavi saiu do banheiro. Ao sair, a vi sentada na poltrona, olhando para o nada. Ela se sentia culpada. Peguei uma camisa na mala e atirei em sua direção, com delicadeza.— Vá tomar um banho. Se preferir, tente descansar. — Mas quem conseguiria dormir?Eu não parava de pensar na brutalidade de Marcelo. Ele falava com ela como se fosse sua propriedade, como se ela lhe devesse obediência — mesmo diante das ordens mais absurdas e insanas.Ela entrou no banheiro. No silêncio que ficou, tentei ligar para Heitor. Queria contar tudo. Disquei seu número, mas nenhuma ligação foi atendida.Maria Vit
O quarto ainda estava mergulhado em penumbra, mas eu conseguia ver o contorno dele ao meu lado. Alexandre respirava fundo, o peito subindo e descendo devagar. Um leve traço de suor brilhava na linha do pescoço. Ele parecia... calmo. Ou talvez só estivesse fingindo bem.Eu, por outro lado, estava em frangalhos.O meu corpo ainda pulsava. Cada célula parecia ter sido invadida, tomada por uma coisa que eu não sabia nomear. Era prazer, sim — mas também era raiva, confusão, alívio. Eu me sentia viva, mas quebrada. Inteira, mas com as peças fora do lugar.Olhei para o teto, tentando organizar os pensamentos, mas eles vinham em espirais, como se a noite tivesse me virado do avesso.O que eu tinha feito?O gosto da sua pele ainda estava na minha boca. O cheiro dele impregnado na minha camisa — ou melhor, na camisa dele, que agora era só mais um lembrete do quanto eu havia cruzado a linha.Mas... qual linha, exatamente?Eu tinha fugido de um inferno. Marcelo gritando, me arrastando pelos braço
O dia se tornara claro — alto demais. A luz atravessava as cortinas do quarto com uma insolência que eu não estava pronto para enfrentar. O sol, impassível em sua soberania, desafiava a escuridão da noite anterior, trazendo consigo o peso daquilo que tínhamos feito. Pisava sobre as sombras com uma crueza que me atingia como um golpe.Senti a dor primeiro — os hematomas ainda latejando, como se o meu corpo estivesse tentando me lembrar do que havia acontecido. Mas o que realmente me despertou não foi isso. Foi o vazio ao meu lado. A ausência dela, que preencheu o espaço do quarto de uma forma tão palpável que quase consegui tocá-la. E foi aí que a lembrança veio, arrastando comigo a intensidade da noite anterior.O rosto de Mavi, sob o meu. Os olhos dela semicerrados de prazer e de confusão. O corpo dela, arqueando-se contra o meu. Como se me pertencesse. Como se fosse só minha. Aquela noite, aquele momento, não tinham sido apenas um encontro. Não para mim. E, por mais que tentasse fug