Capítulo 24MarceloNada é mais eficaz do que a verdade misturada à mentira. O veneno só funciona bem quando disfarçado de remédio.Espalhei os boatos com precisão cirúrgica.Usei meus contatos em Curitiba, gente que Dante achava que havia descartado. Um entregador que já fora motorista de confiança, uma secretária que só pensava em sair da periferia, e um velho aliado que devia favores demais para me negar qualquer coisa.A mensagem era simples: um carregamento de armas viria pelo litoral, uma remessa grande demais para passar despercebida. Com nomes falsos, rotas falsas, e um destino que fazia sentido demais para não ser crível.Dante é inteligente. Mas inteligência demais faz o homem querer controlar tudo. E controle, nesse jogo, é ilusão.A verdadeira armadilha é dar a ele aquilo que espera.Enquanto isso, minhas sombras se moviam. Gente infiltrada. Códigos alterados. Informações comprometidas.E no centro de tudo isso… ela.Luna Santiago.A mulher que ousei transformar e que agor
Capítulo 25LunaDuas horas da tarde. Minha mão rabiscava distraída o nome de um dos envolvidos na última operação. A tinta azul manchava o papel, borrando letras que eu não me importava mais em organizar. Meus dedos doíam. O peso do que carregava nos ombros começava a se espalhar pelo corpo inteiro.— Você vai sair — Dante disse, a voz baixa, mas firme. Ele estava encostado no batente da porta, braços cruzados, a expressão neutra demais para ser apenas natural. — Mas não sozinha. Giovanni e Luca vão com você.Levantei os olhos do caderno, minha caneta parando no meio de uma linha. A forma como ele disse aquilo... cuidadosa, contida.— Está me dando liberdade... ou testando minha lealdade?Ele não riu. Não fez nem um gesto. Só me olhou. E esse olhar... era cru, direto, que parecia me atravessar.— Estou te dando escolha. É diferente. Você sabe disso.E eu sabia. A diferença era sutil. Mas real. Liberdade, naquele mundo, era um conceito vago demais. Sempre vinha cercada de olhos, de ar
Capítulo 26LunaEu ainda sentia o gosto dele nos meus lábios.Aquele beijo não havia sido só um beijo. Foi uma promessa. Um acordo silencioso selado pela intensidade do toque, pela respiração entrecortada e pela certeza de que, depois daquilo, não havia mais retorno. Eu queria mais. Muito mais. Mas Dante... ele se afastou.— Não agora — ele disse, a voz rouca e contida, como se estivesse prendendo o próprio desejo entre os dentes. — Temos uma reunião esta noite. Um jantar com alguém importante. Preciso que esteja pronta. — Fez uma pausa, o olhar descendo pelo meu corpo como se quisesse decorá-lo antes de me soltar. — Você é parte disso, Luna. Vai ao meu lado. Como igual.Aquelas palavras ecoaram em mim com um peso diferente. Um frio na espinha. Um calor no peito.— Com quem? — perguntei, tentando recuperar o ar.— Riccardo Castellani. O velho lobo do norte. É o tipo de homem que só confia quando olha nos olhos. E ele vai querer olhar nos seus esta noite.Assenti em silêncio. Era assim
Capítulo 27LunaO carro deslizava pelas ruas escuras da cidade, um silêncio pesado pairando entre nós. O motor quase não fazia barulho, mas dentro do meu peito, o coração martelava como se quisesse fugir. Minhas mãos estavam frias, os dedos entrelaçados no colo, tentando manter a pose. Tentando fingir que ainda tinha algum controle sobre a situação.Mas os olhos de Dante queimavam em mim desde que saímos do restaurante.Não era só desejo.Era algo mais profundo. Algo que vinha se acumulando desde o primeiro dia em que nos encontramos, naquela sala escura onde fui jogada como moeda de troca em uma guerra que não era minha. Algo que crescia a cada olhar roubado, a cada toque acidental, a cada palavra carregada de duplo sentido.E agora, naquele carro, com sua mão pesada sobre minha coxa, o polegar traçando círculos hipnóticos na minha pele nua, eu sabia que estávamos à beira do precipício.Dante sempre foi um homem que lia silêncios melhor do que palavras. E o meu silêncio agora era um
Capítulo 28LunaTudo começou com um nome esquecido.Um dos arquivos que Dante me deu para revisar mencionava um “Félix Santiago”. Meu sobrenome. O nome do meu avô. A princípio, pensei que fosse apenas coincidência. Mas algo naquela ficha, nos números batendo com memórias borradas de conversas infantis, me fez estremecer. O Félix da ficha não era só um nome morto nos registros, ele era alguém que, aparentemente, teve um papel importante no início da máfia. Alguém que trabalhou com os Moretti. E também com Marcelo Rivas.Passei as horas seguintes vasculhando tudo que podia. Em segredo. Não porque eu não confiava em Dante. Mas porque... eu não queria entregar um pedaço do meu passado até entender o que ele significava. Eu precisava de certezas antes de entregar mais dúvidas.Só que o destino não dá tempo para certezas.Naquela tarde, enquanto voltava de uma rápida ida até a parte externa da casa, senti que estava sendo observada. Um carro estacionado do outro lado da rua. Fiquei parada
Capítulo 29LunaO quarto parecia mais escuro do que o normal, mesmo com as luzes acesas.Dante estava sentado na poltrona próxima à estante, camisa preta semiaberta, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos entrelaçadas diante do rosto. Um homem inteiro moldado por silêncio. Não levantou a cabeça quando entrei. Apenas respirou fundo, como quem contava os segundos para não explodir.Fechei a porta atrás de mim, sem barulho.Dei dois passos para dentro e parei, como se atravessar aquele cômodo fosse cruzar uma linha que eu ainda não tinha certeza se podia.— Eu não sabia — minha voz saiu baixa, quase frágil. — Não sabia da ligação do meu avô com o Rivas. Nunca ninguém me contou nada.Ele não respondeu. Os olhos fixos no chão. Os dedos cerrados com força.— Dante...— Por que você não veio a mim, Luna? — A voz dele finalmente rompeu, grave e contida, como um trovão segurando a tempestade. — Por que investigou sozinha? Por que me deixou de fora?— Porque eu estava com medo — confessei
Capítulo 1LunaTrabalhar para um mafioso nunca foi parte do meu plano de vida, mas planos mudam quando a sobrevivência fala mais alto que a moral. E eu sobrevivo. Sempre. Meu pai dizia que a vida era como um jogo de xadrez. Você não precisa ser a rainha, só precisa saber quando mover suas peças. E eu vinha movendo as minhas com cuidado, desde o dia em que entrei no escritório de Marcelo Rivas: olhos baixos, ouvidos atentos, boca calada. Marcelo era exigente, imprevisível, mas ele confiava em mim. O suficiente para me manter por perto, o suficiente para me fazer sentir indispensável.O relógio marcava 20h47 quando deixei minha mesa, já com os sapatos nas mãos, e segui pelos corredores silenciosos do prédio. Era tarde demais para estar ali, mas um relatório urgente precisava ser entregue antes da reunião da manhã seguinte. A cidade do lado de fora parecia quieta, mas São Paulo nunca dorme de verdade. Sempre há alguém observando, esperando, tramando. E naquela noite, senti isso mais do
Capítulo 2LunaNa manhã seguinte, acordei com a luz dourada atravessando as frestas da cortina, mas não foi a claridade que me tirou do torpor, foi o silêncio. Um silêncio estranho, espesso, como se o mundo lá fora estivesse em pausa e tudo ao meu redor estivesse esperando que eu fizesse o primeiro movimento.Os lençóis ainda estavam macios, os pulsos livres dessa vez, e uma bandeja com café da manhã repousava sobre a mesa ao lado. Frutas cortadas com precisão, suco fresco, croissants quentes. Luxo. Cuidado. Manipulação.Sentei-me com cautela, cada músculo tenso, cada pensamento disparado em direções diferentes. Dante Moretti ainda estava naquele lugar, em algum canto observando. Era o tipo de homem que nunca deixava de ver. Mesmo quando não estava à vista.Peguei uma maçã da bandeja com dedos trêmulos. Morder ou não morder? Comer o que o inimigo te serve era sempre um risco, mas minha fome venceu o orgulho. E no segundo em que dei a primeira mordida, a maçã estalou em minha boca, fr