Pela primeira vez em quase toda uma vida, Heloísa Chastel se sentia livre.
As luzes do baile brilhavam a seus olhos mais do que o belo show da torre de Paris um dia proporcionou.
Sequer as mais refinadas recepções da alta sociedade ou as festas de aniversário milionárias pareciam mais atrativas que aquela animada e barulhenta festa. As músicas indecentes e as pessoas se divertindo ao redor era o verdadeiro significado de proibido para ela. Talvez por isso tenha sido a vida toda criada como uma boneca de porcelana. Para jamais poder ser.
— Constância, você está ficando louca de vez, é isso? — A voz de Adele, sua melhor amiga desde a época do colegial, ecoava em seus ouvidos em meio à música alta do lugar. Ambas se esgueiravam entre as pessoas e Heloísa cumprimentava todas elas — Se quiser mesmo ficar e curtir o baile é melhor parar de dar pinta de patricinha. O pessoal daqui não curte esse tipo de coisa não!
— Adele, para de me chamar assim! — Sussurrou quando pararam em frente ao bar. Sentaram-se na alta banqueta uma de frente para a outra e Heloísa encarou os olhos azuis e límpidos da amiga com certa cautela — Meu nome é Heloísa, eu já disse!
— Na sua casa todos te chamam de Constância e eu acabo esquecendo... Fiquei lá por apenas três dias e já me acostumei, desculpa! — A garota de cabelos azuis sorriu diante da expressão de tédio da amiga — Constância é um belo nome, não acha? É diferente...
— Era o nome da minha avó, por isso meu pai colocou como nome do meio e todos me chamam assim, mas prefiro mil vezes Heloísa. É mais atual. — O barman se aproximou e perguntou-lhes o pedido — Oh... Desejo uma água com gás e talvez... Um champanhe? — Adele corou e encarou o garçom.
— Duas cervejas, por favor — O rapaz sorriu e assentiu de maneira engraçada após notar como Heloísa parecia deslocada naquele lugar — Heloísa, pelo amor. Você não está em uma festinha da "gran fina" com seus pais, garota! Se liga!
— Nunca bebi cerveja na vida. Você que ficou louca! — As duas riram.
— Que vida é essa que você leva, hein, gata? E ainda reclama de seus pais quererem te arruar um noivo para te fazer ainda mais rica. — O barman depositou as cervejas no balcão e as duas pegaram em seguida. Heloísa encarava a garrafa com estranhamento, mas bebeu um gole após Adele fazer o mesmo.
— Por favor, não me lembre desse detalhe agora! A última coisa que quero é lembrar que estou noiva de um cara que detesto e ferrou com a minha vida toda! — Suspirou desanimada e ainda estranhando o gosto amargo da cerveja.
— Te ferrou por quê? — Adele questionou um pouco mais alto, uma vez que a música era realmente o que tomava o ambiente — Sua mãe disse que vocês são prometidos há muito tempo...
— Exatamente. Mas aí ele decidiu quebrar o compromisso quando fugiu para a Europa com uma fulana que se apaixonou. Fiquei feliz, confesso. Estava prestes a noivar quando saísse do colégio, mas pude ir para o Canadá estudar ao invés de me casar — Heloísa sorriu ao se lembrar da experiência de poder se dedicar ao que amava. Estudou moda e empreendedorismo por quatro anos, até ser intimada a voltar pela família.
— Como assim? Ele te largou sem mais nem menos? — Adele parecia estarrecida e Heloísa negou.
— Nós não convivíamos. Apenas nos vimos algumas vezes durante a infância... — Explicou sem deixar de notar a surpresa no olhar da amiga — O fato é que por uns dois anos pensei estar livre dele e de toda essa história de casamento. Meu pai e o dele são primos de algum grau distante, tinham planos... Ele decepcionou toda a família e foi praticamente deserdado, mas agora, ao que parece, voltou arrependido e a família dele e meus pais me propuseram novamente essa história.
Heloísa abaixou o olhar. Sua empolgação diminuiu grandemente e Adele tocou sua mão com carinho. Arrependeu-se de ter tocado em um assunto tão delicado e que parecia mexer tanto com as emoções da amiga.
— Você não precisa se casar, Helô. Seus pais não colocaram uma arma na sua cabeça, pelo contrário! Tio Heitor e tia Flora são muito legais e eles te amam... — Heloísa a interrompeu.
— Tenho meus motivos, amiga. Ainda não posso te contar quais, mas os tenho. Um dia você vai entender. — Garantiu com lágrimas nos olhos — Mas não viemos para cá para falar disso, certo? Te pedi para me trazer no baile para me divertir, não para chorar...
— Claro, amiga. Estou com você para o que der e vier! — Heloísa secou algumas lágrimas abaixo de seus olhos escuros e perfeitamente maquiados — Qual vai ser?
Ajeitando o cabelo longo e escuro que descia até a cintura, Heloísa sorriu por trás da tristeza e suspirou aliviada. Ao menos momentaneamente.
— Eu quero um homem, Adele. Um homem para me fazer esquecer de vez todos os problemas — Adele teve de rir diante das palavras da amiga, que parecia decidida enquanto falava e muito voraz enquanto analizava bem o ambiente ao redor.
— Você está falando sério? — Franziu o cenho e Heloísa riu baixinho — Não era você que queria se guardar para o casamento e aquele papo todo?
— Quando pensei que poderia me casar com alguém que escolhesse, sim. Mas agora que terei de encarar Tiago Sampaio me recuso a casar virgem e intocada. Não vou dar esse gostinho a ele, depois de ter me feito acreditar que eu poderia ser livre e voltar atrás. — Adele não podia crer no que ouvia.
Heloísa Chastel, sempre recatada e invejavelmente inteligente, a única virgem de vinte e dois anos que conhecia, em nada se assemelhava com a garota machucada e tristonha que via a sua frente.
Adele não podia imaginar o que havia no coração de Heloísa, sua melhor amiga.Não podia imaginar como a doença de Heitor Chastel, pai dela, tomou conta de toda sua vida como uma avalanche. Heitor, o chefe da família e pai orgulhoso de Constância - como costumava chamá-la – tinha pouco tempo de vida. Acometido por um agressivo câncer, sem ele, nada funcionaria nos negócios da família.Flora, sua mãe, não sabia nada da vida que não fosse administrar um lar. Hannah, sua irmã mais velha, desde a infância era cadeirante e tratada pelos pais como uma inválida. Mesmo que Heloísa a encorajasse, Hannah acreditava que jamais poderia ser normal devido a sua deficiência. Sem tios ou alguém para confiar, cabia somente a Heloísa salvar a família da total ruína antes que o pai partisse e deixasse as três mulheres da casa sem um norte para os negócios.Heloísa precisava muito se casar com Tiago Guimarães Sampaio.A família Sampaio era a única na qual seu pai confiava. Ernesto Sampaio – pai de Tiago –
Tiago bebericou a cerveja uma vez mais sem compreender o que de fato fazia ali.Não gostava de festas, muito menos de bebedeira, mas naquela noite em especial sentia um imenso vazio em seu peito. Não era fácil lembrar todo desgosto que deu aos pais, principalmente por uma mulher que jamais valeu nada.Manuela arrasou sua vida quando descobriu que tinha aberto mão de sua família por uma trambiqueira. Uma mulher que apenas fez enganá-lo.— Você nunca desconfiou que ela queria te dar um golpe? — Era o que sempre perguntavam — Tudo era tão óbvio! — Diziam.Não, ele jamais soube. Sequer podia pensar que aquela mulher tão sensual e vivaz era uma ex-garota de programa procurando um otário para enganar. Sentia-se péssimo pelo rombo que sua cegueira em relação a ela deixou nos cofres da família e da empresa Guimarães Sampaio e o que mais arrasava seus sentimentos era recordar a decepção nos olhos de Margot, sua mãe. Era o filho mais velho, afinal. O príncipe que seus pais tanto sonharam! O pri
Ao ouvir o nome dele, Heloísa não conseguiu evitar um sorriso ao constatar a grande coincidência que se manifestava naquele instante.— Tiago? — Ela riu baixinho. Sentiu confiança pela colocação e postura respeitosa do rapaz, por isso resolveu apertar a mão que era estendia.— Achou meu nome engraçado? A maioria das pessoas gosta, acha bonito... É bíblico, sabia? — Brincou notando que ela ainda sorria com os olhos escuros reluzindo. Era ainda mais encantadora de perto, pôde notar.— Não, é só que... — Deteve-se ao encará-lo novamente — Deixa para lá. Sou Cons... Heloísa! — Corrigiu antes que fizesse a bobagem de se apresentar com seu nome do meio e o mais usado por todos. Ali era melhor ser informal e sempre se apresentava aos amigos como Heloísa — Helô.— Heloísa... — Repetiu ele de maneira encantada. A luz irradiada pelo sorriso da menina era quase tão contagiante quanto à beleza dos olhos de borboleta — Então está tudo bem? Aquele cara, por acaso...— Não, você chegou a tempo. Obri
— Heloísa Constância ou Constância Heloísa, eu sei lá! — Adele esbravejou após ouvir a amiga falar sobre o tal rapaz que a salvou no banheiro — Sabe onde se encontra um homem que fala bem sobre as mulheres hoje em dia? Na lua, minha filha! Não existe! Todos são uns babacas machistas... É melhor você ir lá pegar esse menino ou eu faço isso por você!— Pode parecer um príncipe, mas é claro que tem um detalhe para atrapalhar. Ele tem o mesmo nome do... — Fez cara de nojo — Meu noivo. Pode acreditar?— Ele se chama Tiago? — Adele gargalhou enquanto dançavam em meio a pista e Heloísa concordou — E se fosse realmente o Tiago?— Ah Adele! O que o Tiago filhinho de papai iria fazer aqui? Fala sério... A única louca sou eu! É mais fácil um raio cair na minha cabeça do que encontrar meu próprio noivo no baile. Seria azar demais, não acha? — Adele concordou e teve de rir.— A única coisa que eu sei é que você ficou noiva por uma carta e nem sequer um anel decora seu dedo ainda! Isso significa qu
— É complicado te explicar. Acho que você não entenderia — Suspirou — Me desculpe se te ofendi, mas...— Não, tudo bem. Eu também tenho a minha história bem louca que talvez você não entenda — Surpreso, Tiago tirou um grande peso dos ombros, assim como ela. O sorriso de ambos se alargou — Eu só queria esquecer tudo que eu tenho por um momento, sabe?— Sim — A resposta dele era contente. Heloísa sequer percebia como Tiago se identificava com exatamente cada palavra dita por ela — Eu também. Queria esquecer tudo que fiz, fui, sou e serei.— Cheguei aqui pensando que desejava alguém para esquecer por um momento, mas não tinha realmente coragem de procurar essa pessoa. Mas, ao que parece, o destino me trouxe você — Os olhos brilhantes e doces o encararam profundamente e Tiago se derreteu por tamanho encantamento provocado por ela — Primeiro quando me ajudou e agora, com o número quarenta e oito.Heloísa estendeu o número para ele e Tiago o pegou carinhosamente. Fez o mesmo com a sua fichi
- Constância Chastel? A noiva do Tiago? - Gabriel gargalhou pensando ser uma brincadeira, mas Diego manteve-se sério - Até parece que ela ia ser... - Diego assentiu positivamente enquanto assistia Tiago abrir a porta do carro para Heloísa entrar - É sério? Não pode ser... O que a Constância Chastel faria em um baile de periferia?- O que nós estamos fazendo em um baile de periferia? - Diego disse como se fosse obvio e Gabriel pensou silenciosamente - Viemos para cá para não sermos reconhecidos e ir parar em colunas sociais, ela deve ter pensado no mesmo! Muitos fazem isso.- Mas a mina disse que se chama Helô, você mesmo ouviu - Gabriel ainda não acreditava, porém, a segurança de Diego o fazia desconfiar. Realmente era um rosto conhecido.- Constância é um nome do meio, cara, mas quase ninguém sabe disso. Agora advinha qual é o primeiro nome da herdeira dos Chastel? - Gabriel deu de ombros e Diego falou como se anunciasse um prêmio - Heloísa!- Caramba... Como você sabe disso? - Diego
Heloísa sentia um frio estranho percorrendo sua espinha e sabia muito bem que em nada tinha a ver com a temperatura do ambiente.O carro de Tiago era um modelo do ano, deixando claro que ele não estava blefando em relação a sua situação financeira. Não era um mentiroso e realmente pertencia a alta sociedade e seguia o mesmo padrão de vida que ela. Perguntava-se, apenas, como nunca haviam se cruzado antes. Não quis entrar em detalhes sobre a vida pessoal e sequer falaram qualquer coisa. Nada além daquela noite importava, muito menos a maneira como cada um deles vivia. O trajeto percorrido de carro foi curto devido à ausência de transito e a empolgação de se beijarem a cada momento em que o semáforo fechava. Não se recordava de dizer nada, somente aproveitar a química e a intensidade dos sentimentos que descobria em secreto.- Onde nós estamos? - Heloísa perguntou assim que desceu do carro em um hotel simplório aos arredores de São Paulo.- É um hotel que sempre venho quando quero sumi
- Mas loucura ainda seria ir embora. - Virou-se para ele delicadamente e apertou os olhos com a sensação doce dos braços fortes rodeando sua cintura - Você promete que amanhã vai me esquecer?Tiago sorriu diante da inocência daquela pergunta e tocou o rosto de Heloísa com carinho. Beijou a ponta do nariz dela a fazendo sorrir.- Como te esquecer, menina? Uma coisa linda dessas, tão encantadora... Não tem mais mulher assim, não - O beijo de Tiago exalou sua verdade.Cada traço de Heloísa era lindo e doce. Desde os olhos em formato de borboleta até as mãos pequenas que o tocavam, nada passava despercebido diante de seu olhar apaixonado. Apaixonado seria muito para apenas algumas horas perto dela? Talvez fosse loucura, de fato, mas não sabia controlar.A única coisa real em sua alma era o sentimento de libertação por estar enfeitiçado por uma linda menina que em nada tinha a ver com Manuela. Podia amar de novo, podia desejar novamente e duvidava seriamente se a doce Heloísa não era mais