Embora o clima continuasse frio e chuvoso como no dia anterior, para a ruiva era como uma manhã ensolarada em um domingo de festa. Levantara da cama em um salto, abrira os braços e girara o corpo no lugar erguendo um dos joelhos como uma bailarina. Sorrira se encarando no espelho e se dando bom dia.
Sem perder tempo, apanhara toalhas e xampus e correra para o banheiro. O dia não espera para começar – costumava dizer Melody e a jovem aprendera desde pequena a despertar com o raiar do sol, mesmo quando não havia sol.
Pouco tempo depois, lá estava a ruiva saindo pela porta da cozinha. Checara os status do sistema de segurança pelo celular e conferira as horas, seis e vinte da manhã. Desativara o alarme do SUV e enfiara a mão direita no bolso da blusa, retirando dela uma touca de lã.
Sky vestira uma cacharrel de cor rosa sob uma jaqueta de couro marrom. A calça jeans justa realçava suas curvas e a bota quase da mesma cor da jaqueta subia até quase alcançar os joelhos. A touca branca e preta tinha um ar infantil, simulando a cabeça de um panda com os olhos e nariz estampados na frente e as orelhas adicionadas no alto.
Após arrumar os cabelos, a ruiva esticara o braço segurando o celular e tirara uma selfie próxima à porta do veículo. Adicionara a hashtag #Començandoodia e publicara no I*******m. Finalmente entrara e dera a partida pensando em seu próximo ponto de parada, o Armazém Scothfield.
Enquanto dirigia pela estrada, Sky via, por entre as árvores da reserva, a luz de um novo dia nascendo. A chuva havia parado, mas ainda havia neblina e uma garoa leve. O frio, por outro lado, continuava e a jovem dizia a si mesma que não tinha escolhas senão se acostumar com aquele clima.
Em sua mente de escritora, a inspiração voltava a agir e a garota imaginava o vento dançando entre as árvores da montanha, os pequenos animais de tocaia em seus refúgios escondidos do frio e da chuva e pequenas musas a observá-la enquanto ela passava por ali.
Era bom sentir que estava apta a escrever novamente.
Não era tão bom se lembrar os resultados de escrever no dia anterior.
Dessa vez, encontrara uma vaga e estacionara bem em frente ao armazém de Elliott. Ao sair do carro, uma lufada de ar frio a atingira em cheio. Felizmente estava bem agasalhada e praticamente apenas sua face se encontrava à mostra.
Melody costumava dizer que ser atingida por ventanias era mau presságio, mas Sky não acreditava em crendices. Se aquilo fosse mau agouro, estaria em maus lençóis naquela cidade, onde naquela época do ano ventava tanto.
Logo que adentrara o estabelecimento, Elliott acenara para ela de dentro do balcão. Norman, o sujeito grande e gordo que conhecera no outro dia, estava no mesmo lugar, com o que parecia agora ser uma enorme caneca de café.
O local estava cheio, mas Sky identificara uma mesa vazia em um canto e fora até ela. Instantes depois, o proprietário estava ao seu lado com um bule de café quente. O líquido negro borbulhava através do vidro do recipiente e o cheiro era bom. O sujeito enchera uma xícara e esperara até que a ruiva provasse.
—O que achou? – indagara com um sorriso a encará-la.
Sky voltara a xícara na mesa. Havia retirado as luvas que usava para dirigir e podia sentir o calor em suas mãos. Retirara a touca de panda. Exibindo suas madeixas vermelhas e retribuíra o sorriso.
—Maravilhoso. Um dia trarei minha mãe aqui, ela vai amar – respondera.
—Será um imenso prazer conhecer a mãe de uma amiga tão linda e querida – argumentara o homem. De alguma forma, a jovem sentia um carinho paterno por aquele senhor que mal conhecia – O que vai querer para o desjejum?
—O que a casa recomendar – respondera a moça prontamente.
Elliott acenara com a cabeça e dissera que traria as melhores panquecas do menu para ela em poucos minutos. Perguntara ainda se preferia geleia, creme de leite ou queijo como acompanhamento e a garota escolhera a última opção.
O velho voltara para a cozinha atrás do balcão e como mágica, pouco mais de quinze minutos depois, lá estava de volta com o pedido da ruiva. Sky provara o café da manhã e se sentira completamente enfeitiçada por aquele sabor. Era realmente algo divino, sublime, a melhor refeição que já havia experimentado.
Elliott explicara que todas as receitas usadas naquele lugar haviam sido uma herança de sua mãe e que a mãe as recebera da avó, assim como a avó herdara da bisavó. Enfim, era um negócio de família. Contara ainda que eram em quatro irmãos, nenhuma irmã para herdar a culinária da mãe. Felizmente, três decidiram seguir a carreira de cozinheiros e um deles, com a benção da matriarca, optara por ser médico e agora, na aposentadoria, assumia aquele armazém.
Como todos os outros clientes já haviam sido atendidos, Elliott se sentara à mesa com a garota para conversar. Sky aproveitara a deixa para perguntar mais sobre a cidade, lojas de conveniências, pontos turísticos, locais para lazer.
O homem de barba branca lhe recomendara uma grande lista de locais para visitar e conseguir as coisas que necessitava. Sky anotava atentamente tudo que ouvia no tablet do qual nunca se afastava.
—Então… – sussurrara a garota, esperando que o sujeito a encarasse para voltar a falar – No outro dia, quando estive aqui, o senhor e seu amigo disseram que o antigo proprietário da residência que comprei, Ben, o escritor, faleceu lá, estou certa? – concluíra ainda falando com a voz baixa.
Elliott alisara a barba, se inclinando para trás na cadeira.
—Sim, realmente dissemos isso. E lamento que Valentine tenha omitido algo assim quando efetuou a venda – respondera o ancião – Aquela víbora só estava interessada em faturar a comissão pelo imóvel. Mesmo com o preço reduzido, não é qualquer pessoa que poderia pagar por uma mansão como aquela naquele lugar. Mas não vamos falar sobre números.
De fato, comparado ao preço de outras residências semelhantes, Sky pagara um valor bastante reduzido. Mesmo assim, não fora barato. E agora entendia a razão de ter tido quase cinquenta por cento de desconto.
—Confesso que o lugar chega a ser assustador, mas estou me adaptando. Espero não estar sendo inconveniente, mas pode me dizer algo mais sobre Ben? Claro que eu poderia pesquisar sobre o assunto, mas é muito mais confiável se ouvisse de alguém que o conheceu. E quando falaram dele antes, me pareceu que já foram amigos…
Elliott ajeitara os óculos e em seguida as alças do avental.
—Ben e eu nos conhecemos desde que éramos crianças. Estudamos juntos antes de me mudar para cursar medicina fora daqui. O homem que conheci não estava mais lá quando voltei, se é que me entende… Era outra pessoa, alguém completamente diferente. Não sei se foi a bebida, algo o mudou.
Algo o mudou. As palavras atingiram Sky mais do que ela esperava.
—Norman disse que ele havia enlouquecido…
—Ben escrevia histórias de terror – explicara Elliott – Apenas isso para mim serve como motivo para a pessoa enlouquecer cedo ou tarde. Dizem que alguns autores se envolvem por completo com suas obras, não é? Quando se entregou à bebida, o pobre homem começou a ter alucinações e balbuciar bobagens pelas ruas, dizer que monstros da sua própria imaginação o perseguiam…
Monstros de sua imaginação o perseguiam.
Parecia loucura pensar aquilo, mas qual seria a extensão do poder do Sexy Notes? Aparentemente suas palavras tinham moldado a realidade, fazendo com que Ricardo viesse até ela, então a única coisa que conseguia presumir era que Ben também havia escrito no caderno. Mas… monstros?O que Ben estava querendo dizer com aquilo? Precisava ler seus livros.—Como ele morreu?A pergunta fora direta, mas assim como as palavras anteriores, não passara de outro sopro de voz. Havia diversas pessoas nas mesas próximas e Sky não queria que a ouvissem bisbilhotando sobre a vida de um homem morto.Elliott refletira por um instante e ajeitara novamente os óculos sobre o nariz.—Ben foi encontrado morto pelo filho, Johnny – explicara o sujeito – Parece que já estava lá tinha alguns dias, mas ninguém havia sentido sua falta. Em seus últimos
Sky rolara preguiçosamente na cama, os olhos ameaçavam entreabrir, mas o sono era mais forte. Quando o celular tocara pela quinta vez, a escritora abrira a boca em um bocejo matinal, como costumava chamar, cedo demais para seus padrões de autora baladeira com fama de acordar tarde.Finalmente, quando o smartphone tocara pela vigésima vez, a garota voltara a face na direção do criado mudo. Parte de seus cabelos lhe caíra sobre o rosto, cobrindo os olhos, o nariz e a boca. Ao respirar, a ruiva engolira uma das mechas acobreadas inteira, engasgando e dessa vez, despertando de mau humor.Ainda que ninguém a visse, Sky arqueara as sobrancelhas, torcera os lábios e estreitara o olhar, interpretando da melhor forma possível a expressão de vilã que sempre via em animações da Disney. Adoraria ter alguém por perto naquele momento para canalizar suas energias. Mas est
—Nova York sempre será uma parte importante da minha vida – dissera Sky – Mas não era meu destino ficar lá para sempre. Mesmo que Érika tivesse parado de me perseguir por toda parte, tudo sempre me lembrava Robert. Não é como se fosse me esquecer dele por aqui, mas sinto que agora tenho uma chance de recomeçar e ser feliz longe daquilo tudo.—Tenho certeza de que as coisas ficarão ótimas daqui em diante, querida – respondera a mãe – Sabe que eu nunca gostei daquela cidade, tanta poluição, carros e aglomeração de pessoas, tantos edifícios gigantescos ocupando toda a paisagem… mal espero para conhecer Camden e sua nova casa.Ainda nenhuma sugestão de cuidados ou medidas preventivas. Melody com certeza não estava dizendo tudo que pensava. Sky podia sentir a desconfiança da mãe e sabia que teria de d
De repente, como num passe de mágica, a semana de Sky se transformara no que ela passara a chamar de o sonho perfeito. A escritora abusara de todo o talento que tinha para narrar uma cena de sexo entre Celeste, a protagonista de seus romances e Jordan, seu mais novo desejo sexual.Quando começara a escrita no Sexy Notes, as ideias em sua mente surgiam como se estivesse dentro de um filme, apenas descrevendo minuciosamente as cenas que passavam diante de seus olhos. Lá estava ela, fodendo ardentemente com um homem sedutor, lindo e viril. Se fosse usar todas as ideias que tivera ao escrever aquela cena, escreveria um livro facilmente.O fato, percebera a ruiva, fora que após a noite em que descrevera sua futura foda com o gostosão no caderno, não apenas sua inspiração voltara a fluir, mas diversos outros aspectos de sua vida pareciam ter se organizado.Começara a escrever um novo roma
A garota ouvira o elogio desfrutando o prazer de cada palavra. Se havia uma coisa da qual nunca se cansava, era de ser bajulada por homens. Ouvir quando enalteciam suas qualidades era como música para seus ouvidos.Ainda assim, dessa vez a ruiva ponderara brevemente acerca do que ouvia. Quanto daquelas palavras eram realmente Jordan falando e quanto era o Sexy Notes agindo? Na cena escrita, Celeste era elogiada logo de imediato, mas não havia um diálogo pré-definido. Aquilo era o Sexy Notes improvisando ou Jordan assumindo o controle? Não importava realmente. Estava ótimo daquele jeito.—Obrigada. Você também está ótimo. Estava me esperando?—Estava organizando algumas coisas no convés e vi quando se aproximava na avenida. Como poderia apenas a admirar de longe? – respondera o sujeito.Sky sorrira e colocara as mãos na cintura, lançando seu olhar ma
Vou adorar movimentar sua cama – pensara a ruiva.Após o jantar, a ruiva descera para o porão da embarcação junto do anfitrião. O lugar era bem mais organizado do que esperava, havia uma cozinha adaptada e muito bem abastecida, um banheiro pequeno, mas limpo e perfumado e o que mais lhe interessava, uma cama quente e macia. Jordan mostrara ainda outras seções com equipamentos de pesca e acampamento, que segundo ele, servia para os passeios em longínquas ilhas remotas e solitárias. Não parecia verdade, mas o tom do rapaz era sério e não mudara com o sorriso desconfiado da moça.Não demorara para que o casal caísse na cama aos beijos novamente. Sky sabia o que queria e estava ainda mais excitada por estar testando suas teorias sobre o Sexy Notes. Era como estar atuando em uma novela erótica na qual ela era a roteirista, protagonista e atriz princ
Sky se agarrara à uma barra de metal próxima da porta da cabine do barco, procurando se equilibrar para não cair. Quando chegara naquele lugar, algumas horas mais cedo, o mar estava calmo e a embarcação parecia imóvel. As coisas agora tinham tomado outro rumo, a garota começava a se sentir enjoada e havia um forte chuvisqueiro anunciando uma tempestade a caminho.Mais estranho era ver Jordan encarando um homem exatamente igual a ele próprio, alegando ser o dono da embarcação. Duas pessoas exatamente iguais não era algo fora do comum. Gêmeos idênticos viviam fazendo brincadeiras com os amigos, se passando um pelo outro.Ao que parecia, não era o caso. Eram duas pessoas alegando ser a mesma pessoa. E a ruiva tinha certeza, em seu íntimo, que aquilo era outro dos efeitos colaterais de se escrever no Sexy Notes. Ela havia deixado passar alguma coisa e agora encarava as co
—Quando caímos, a ponta da lança que usava atravessou seu corpo… deve ter atingido vários órgãos – explicara, esticando a mão para apanhar uma lona negra e cobrir o corpo – Precisamos entrar até a chuva passar. Também me feri na queda, vou precisar dar alguns pontos. Precisa me ajudar.—O que vamos fazer? Ir à polícia? O que diremos? – indagara a ruiva, dando um passo atrás. A vontade de sair correndo ainda persistia.—Não tenha medo de mim… jamais te faria mal, Serenity – dissera o sujeito se sentando no piso molhado, apoiando as costas na parede de metal da cabine – Na verdade, quando vi que estava aqui com outra pessoa fiquei extremamente preocupado com a sua segurança. Precisa acreditar em mim.—Eu… acredito – respondera finalmente – Então, o que faremos?O sujeito volt