Quando finalmente a segunda-feira raiava lá fora, fui embora.
Precisava sair daquela casa e me recuperar do fim de semana exaustivo com Andreas e a família.Sentia-me incapaz de lidar com várias questões ao mesmo tempo: Marcus, a esposa, Andreas, Beatrice, dívidas, excesso de trabalho, falta de lazer e acúmulo de stress.Queria apenas correr para o único lugar em que me sentia aquecida, renovada e segura – a minha casa.Assim que cheguei em casa, o cheiro do café feito no coador de pano emanava pela cozinha, fazendo com que eu percebesse que não tinha colocado nada no estômago desde do dia anterior.Assim que abri a porta, mamãe se surpreendeu ao meu ver. Nós duas nunca sabíamos exatamente quando nos veríamos, uma vez que os horários intensos dos plantões não me deixavam saber ao certo quando voltaria para casa.— Minha filhNo plantão seguinte do hospital, felizmente não vi Marcus, e isso parecia não me afetar tanto quanto há dois dias atrás. Eu apenas focava ansiosamente no tempo, almejando que os dias passassem tão depressa para que pudesse rever Andreas.Quando enfim, cheguei à casa de Andreas, Eleonor, sempre muito solícita, esperou que fizesse minha refeição para rendê-la, e mesmo sabendo que em breve o meu paciente dormiria, a minha cabeça não deixava de borbulhar de ideias que precisavam aguardar o tempo propício para serem executadas.— Dona Beatrice está acordada? - perguntei para minha colega de trabalho que sorriu gentilmente pra mim.— Sim, no escritório. Você quer falar com ela antes de me render?— Ah, não, querida. Tudo bem. O que tenho para falar com ela pode esperar. Vá para casa, descansar, e deixe que eu assumo a part
Além dos livros que avistei nas estantes, havia outra repleta de discos de vinil. Eu só tinha visto discos assim durante a minha infância, e depois, por alguma razão, eles se tornaram acessíveis somente para colecionadores.Será que Beatrice era uma colecionadora? Dei uma rápida olhada e deduzi que eles giravam em torno de trezentos a dois mil discos que, como os livros, estavam todos organizados, plastificados e separados por gênero musical. Era realmente impressionante.Mas não eram somente os discos e os livros que preenchiam o aposento. Na verdade, o escritório, que mais parecia uma biblioteca, também tinha uma estante vasta de CDs de todos os tipos de cantores.Essa estante ficava ao lado de uma curiosa estátua da deusa Vênus, que media mais ou menos um metro e meio de altura.A concha em que ela se apoiava de pé, com o corpo totalmente nu, apenas tendo o seu longo
O progresso de Andreas durante meus dias de plantão fora muito pequeno. Quase imperceptível, mas ele existia, e isso me deixava totalmente otimista.A música de fato, teve efeito positivo durante seu sono. A leitura tinha sido ouvida com interesse, por mais que ele não demonstrasse. Eu sabia que ele me ouvia. Eu podia sentir que ele despertava lentamente de volta à vida nos últimos dois dias.Todo o processo levaria tempo. Tempo que nós tínhamos. Tempo que eu esperaria.No entanto, minha missão agora era outra. Eu me encontraria com Carmem para conversarmos mais sobre seu ex-marido, com o objetivo de poder conhecê-lo e ajudá-lo ainda mais.Eu decidira que o diário encontrado na caixa de fotografias de Andreas seria lido junto dele e para ele. Não teria sentindo algum ler escondida coisas que só diziam respeito a ele.A minha intenção era fazer com q
Saí da casa de Carmem com a cabeça explodindo de tanta informação e enjoada de tanto chá e biscoito amanteigado, mas era impossível ser rude ou mal-educada com a anfitriã. Ela, sem dúvida, era uma mulher rara e tinha me tratado tão bem que qualquer coisa que eu fizesse para magoá-la, jamais me perdoaria.Entretanto, durante a conversa, Carmem mencionou que Beatrice havia me fornecido inúmeras fotos de Andreas e da família, porém em momento algum o diário foi citado. Parecia que ele realmente estava esquecido, se é que elas sabiam de sua existência. Por dúvida, resolvi não falar nada.Os meses se passaram do melhor jeito possível. Andreas e eu interagíamos mais intimamente. Eu sentia que estava perfurando a bolha na qual ele tanto se escondia.Confesso que a leitura do livro de Ítalo Calvino nos aproximou bast
"Ouvi a enfermeira que cuida de mim dizendo para a cozinheira que a casa dela está cheia de ratos. Que ela conseguiu veneno para matar os roedores que estavam aparecendo no quintal da casa. Essa enfermeira me dá os remédios sem se certificar se realmente os tomei. É claro que não! Quando ela põe na minha boca, espero ela sair de perto para cuspi-lo fora. Tenho certeza que ela está junto com minha Tia Beatrice e com Carmem para me matar. Aliás, o que Tia Beatrice ainda faz no Brasil? Ela odeia isto aqui.""Não consigo esquecer o que achei dentro das caixas do meu pai. Eu me sinto imundo. Por isso que quando tomo banho, vejo uma lama negra saindo de meu corpo sem conseguir limpá-la. Agora eu sei porque Tia Beatrice quer me matar... ela e Carmem. As duas! Agora eu sei porque eu preciso morrer.""Consegui o frasco do veneno que a enfermeira comprou. Esperei que ela saísse para almoçar e o pegue
Tudo a minha volta escureceu. Eu tentava descer as escadas do prédio o mais rápido que podia. Não havia tempo para esperar o elevador. Vi Marcus passar por mim com a velocidade da luz, desesperado descendo a escada pulando quatro degraus por vez enquanto minhas pernas só me permitiam descer de dois em dois. Tudo em mim estava trêmulo. Minhas pernas estavam trêmulas, minha respiração ofegante. Eu não sentia minhas mãos... A última coisa que vira fora Eleonor saindo da cozinha desesperada gritando por socorro e Beatrice histérica na porta do apartamento. Estávamos todos em choque. Eu descia e descia, mas os degraus não terminavam. Tentei me recompor, mas não conseguia. A única coisa que sabia era que Andreas tinha pulado da janela e então logo em seguida não consegui pensar em mais nada.Quando finalmente cheguei no primeiro andar e me direcionei a &aa
Entretanto, meu pesadelo ainda não havia terminado, viveria consumida dentro dele pelos próximos anos. A verdade é que eu estava com muito medo e não sabia ao certo se conseguiria superar todo o trauma, mas resolvi focar em manter-me otimista.Como manda o figurino ao chegar no hospital, dei duas batidinhas na porta da sala de Marcus que prontamente veio abrir, o que era bem atípico.- Entre por favor, Nicole.Seu perfume amadeirado continuava sendo sua marca registrada. Suas roupas pareciam mais impecáveis do que normalmente eram e mesmo que eu não soubesse como havia sido seus últimos dias com Juliana, era óbvio que suas olheiras o entregavam. Ele estava abatido, mas não menos arrumado, cheiroso ou estiloso.- Sente-se por favor.... - Ele pediu meio apreensivo.Olhei para Marcus tentando saber o que queria. Sim, tínhamos muitas coisas para conversar, mas precis&aac
BANDEIRA BRANCA O alarme do relógio tocava insistentemente. Estiquei o braço para desligá-lo mas a única coisa que consegui foi derrubá-lo junto com o abajur em cima da cabeceira, ao lado da cama. A minha cabeça latejava e o gosto ruim na boca provocava um embrulho no estômago. Assim que meus pés encostaram no chão, olhei para minha unha vermelha que mesmo com todo o esforço para não borrá-la após a manicure, tinha sido em vão. Além disso, meu calcanhar estava inchado, provável efeito colateral de uma noite regada a álcool e devassidão.
Último capítulo