Ariel descia junto à sua esposa, e atrás deles desciam, com movimentos cheios de energia, os seus quatro filhos, trazendo risos e entusiasmo. A cena, quase quotidiana, encerrava um significado muito mais profundo para quem a observava. Estavam completos. Pela primeira vez em muito tempo, partilhavam um instante que os recordava de que, apesar de tudo o que o passado lhes havia tirado, tinham conseguido recuperar o que era mais importante.Marlon sentiu um nó no peito, mas desta vez não estava carregado de tristeza, e sim de um calor inesperado. Não era fácil esquecer as cicatrizes, mas cenas como aquela faziam com que o impossível parecesse alcançável. Observou Ariel avançar com os seus, e de repente, cada indício de exaustão física que se podia manifestar nos seus movimentos tornava-se insignificante diante do brilho de triunfo que as suas ações emanavam. Aque
Sentados nos bancos do tribunal, o ar sentia-se pesado, denso com as histórias dilacerantes das famílias afetadas pela rede de tráfico humano. Cada novo depoimento ampliava a sombria tapeçaria de sofrimento compartilhada por todos naquele espaço. Ariel mantinha o semblante firme, enquanto Camélia, aterrorizada pelos relatos das vítimas, tentava conter os tremores provocados pelas suas emoções. Ao lado dela, a família inteira: Lirio, sua mãe; o ex-senador Camilo Hidalgo; e os outros filhos, Clavel, Gerardo, Juan António e María Luisa, mantinham-se juntos, como um bloco indivisível diante de tanto horror. À esquerda estava a família Rhys, completa, entrelaçada por um propósito comum: encerrar aquele capítulo das suas vidas que tanto lhes havia marcado. E assim, chegou o momento definitivo: a sentença. Todos se levantaram, com uma for&c
Enquanto Ariel conduzia em silêncio, concentrando-se em manter o carro estável, seus olhos deslizavam ocasionalmente para o retrovisor. Lá estava Camelia, adormecida no banco traseiro, com sua respiração pausada que soava como um eco da calma que, finalmente, parecia ter conquistado suas vidas. Em sua mente, as lembranças dos últimos anos desdobravam-se vívidas, detendo-se especialmente naquela noite de São Valentim que marcou o início de tudo.Lembrava claramente como Camelia, assustada e sob os efeitos das drogas, havia invadido seu escritório, suplicando desesperadamente o primeiro dos muitos favores que seguiriam ao longo de sua história juntos. O que a princípio foi um ato de compaixão, uma ajuda nascida da pena e do dever, havia evoluído para algo muito mais profundo. Camelia havia se tornado o centro de seu mundo, o maior amor que jamais conhecera. Pensava em como ela
Camelia, ainda na sua pose teatralmente desmaiada, abriu um olho e olhou para Ariel com um sorriso maroto. —Favores, diz você? —replicou com falsa surpresa.— Mas senhor, não sabe que os favores de São Valentim pagam-se com beijos e promessas de amor eterno? Ariel inclinou-se sobre ela, o rosto agora próximo ao de Camelia, a sua respiração misturando-se com o aroma do chocolate e a emoção do momento. —Então, senhorita —sussurrou com uma voz que simulava seriedade, mas que não conseguia esconder a alegria que sentia— prepare-se para uma eternidade em minha companhia, porque os meus favores são inesgotáveis. Camelia sentou-se então, abandonando o jogo por um momento para olhar para Ariel com todo o amor que sentia por ele. —E eu seguirei o teu jogo. —disse, já sem representaç&a
O sol filtrava-se pelas amplas janelas da casa da família, projetando reflexos quentes sobre os móveis antigos e as fotografias que decoravam as paredes. A casa dos Rhys e dos Hidalgo tinha sido o epicentro de incontáveis reuniões familiares, mas também um refúgio para aqueles que ainda procuravam fechar feridas profundas. Cada canto falava de união e resistência, um testemunho vivo de que, mesmo depois de enfrentar o abismo mais escuro, a luz podia renascer. Tinham passado anos desde que Ariel e Camelia enfrentaram o seu próprio destino, marcado pelo horror do tráfico humano. Juntamente com a sua família, não só sobreviveram: ergueram-se, lutaram e iniciaram uma cruzada para dar voz a quem não a tinha. Ainda que tivessem reconstruído as suas vidas, sempre souberam que a sua história não estava completa. Ainda havia perguntas sem resposta, crianças
A noite havia caído sobre a cidade com uma tranquilidade enganosa, envolvendo as ruas num manto de sombras e sussurros. Na penumbra do seu escritório, Ariel Rhys mergulhava no silêncio, esse companheiro fiel das horas extras. Papéis se empilhavam como testemunhas mudas do dia que se recusava a terminar, enquanto a luz tênue do candeeiro de mesa brincava com os limites da sua paciência.Foi então que a serenidade da noite se quebrou com uma batida suave na porta. Ariel, ainda imerso em seus pensamentos, convidou o visitante noturno a entrar, esperando encontrar o rosto familiar do segurança. Mas o que seus olhos viram não era nada do que sua mente havia antecipado.Dias depois, no conforto de um clube onde os sábados ganhavam vida entre anedotas e risos, Ariel estava a partilhar a mesa com os seus amigos: o advogado Oliver e o médico Félix. A incredulidade ainda pintava seu rosto quando tentava ordenar suas palavras para narrar o evento que havia perturbado sua realidade.—Rapazes, vo
Camélia parecia um feixe de nervos, sua postura revelava um desconforto palpável enquanto se contorcia na cadeira, como se cada fibra do seu ser quisesse escapar da situação em que se encontrava. O rubor em seu rosto não era apenas indicativo de vergonha, mas também de uma luta interna que parecia consumi-la. Seus olhos, que antes brilhavam com a escuridão da noite, agora estavam velados pela dúvida e humilhação, e desviavam-se constantemente, incapazes de sustentar meu olhar.—Ela trabalha na empresa, no armazém. E deve ter uns vinte e poucos anos, não sei, não sabia da existência dela até aquela noite. Já lhes digo, se a vi antes foi muito pouco e não reparei nela ou guardei sua imagem —respondeu Ariel com um tom que descrevia que o aparecimento da mulher era muito surpreendente àquela hora em seu escritório.—Está bem, o que ela queria? —Oliver não pôde conter sua impaciência.—Vou contar-lhes exatamente a conversa —Ariel fez uma pausa dramática antes de continuar.—Está bem —disse
Eu tinha ficado observando-a sem compreender o que me pedia. Sério, minha mente estava naquele momento buscando possíveis fatos que tivessem acontecido com minha funcionária na minha empresa e que eu teria que resolver àquela hora da noite.—Por favor, senhorita Camélia, pode finalmente me dizer o que aconteceu para ver se posso ajudá-la? —perguntei um pouco exasperado.—Pois é, senhor, nos chocolates havia esta droga, sabe, esta droga..., esta droga... —gaguejava como se temesse ou se envergonhasse de dizer.—Que droga? —perguntei para incitá-la a falar, agora verdadeiramente intrigado.—Pois esta que faz você cometer loucuras, que..., que faz você querer fazer com qualquer um, sabe, aquele ato..., aquele..., sabe..., entre um homem e uma mulher... —tentava me explicar toda ruborizada e baixava o olhar enquanto gaguejava diante de mim, que não podia acreditar no que me dizia— e eles riam de mim, diziam que eu iria correndo suplicar a eles que me fizessem o "favor", mas antes me mato,