MariaA estrada de terra parecia interminável, serpenteando entre colinas e campos vastos, onde o vento brincava com os altos capins dourados. Maria ajustou Clara no colo, tentando protegê-la do sol que começava a se inclinar no céu. O cansaço da viagem era visível em seus olhos, mas havia também uma determinação silenciosa que mantinha seus passos firmes. No horizonte, uma pequena cidade começava a se desenhar, com seus telhados de barro e fachadas de madeira desbotadas pelo tempo.Era a cidade que o motorista do último ônibus havia recomendado. "Santa Esperança é pequena, mas é tranquila", ele dissera antes de seguir viagem. Era tudo o que Maria precisava naquele momento: tranquilidade.Ao se aproximar, o som distante de um sino anunciava a passagem das horas. A praça principal surgiu diante dela, ladeada por uma igreja simples, um mercadinho e uma fonte de pedra. Algumas crianças brincavam de correr ao redor da fonte, enquanto os adultos conversavam em tom baixo, como se respeitas
MARIA A madrugada na cidade era silenciosa, com o vento fresco que fazia as janelas rangirem levemente e carregava o perfume das flores do jardim. Maria acordou de sobressalto, como se um pensamento urgente tivesse invadido seu descanso. Clara dormia tranquila no berço, o pequeno peito subindo e descendo em um ritmo constante. Observá-la trouxe a Maria uma sensação mista de alívio e angústia. A segurança daquela pousada parecia temporária, como uma pausa em meio a uma longa corrida. O coração de Maria dizia que o destino ainda lhe reservava desafios. Mas, por enquanto, ela precisava de mais um pouco de calma. Assim, ao amanhecer, resolveu ajudar Dona Célia como forma de agradecer pela hospitalidade. — Vai mesmo querer ajudar? — perguntou a idosa, surpresa ao ver Maria com um avental amarrado à cintura. — Claro. A senhora já fez tanto por mim e Clara. Quero retribuir de alguma forma. Dona Célia sorriu. — Então venha. Vamos preparar os bolos que os hóspedes sempre pedem no café da
Maria Na manhã seguinte, Maria foi surpreendida por uma batida na porta do quarto. Quando abriu, encontrou Miguel com um sorriso discreto e um envelope em mãos. Clara estava acordada, balbuciando no berço, e Maria, embora ainda desconfiada, fez um gesto para que ele entrasse.— Bom dia — disse ele, colocando o chapéu de palha que carregava debaixo do braço. — Espero não estar incomodando.Maria, com Clara no colo, respondeu educadamente:— Não, claro que não. Está tudo bem?Miguel olhou para Maria por um instante, como se medisse suas palavras antes de continuar.— Eu soube de algo que pode interessar você. Uma das fazendas da região está precisando de ajuda.Maria franziu a testa.— Fazendas?— Sim. Aqui na região, a maioria das famílias vive disso. Plantações, gado... A fazenda que mencionei é uma das maiores, e o dono está precisando de uma pessoa para trabalhar na casa.Maria se recostou na cadeira do quarto, ponderando. Não sabia muito sobre a vida rural, mas a ideia de um empre
Antônio Antônio sentia o peso da mentira a cada passo que dava pela ilha. O céu já estava começando a clarear, tingindo a paisagem com cores quentes, mas a frieza dentro dele parecia crescer a cada segundo. Ele havia deixado Maria no porto, cumprindo com a promessa de que cuidaria de Helena. A jovem estava desacordada, inconsciente desde que chegaram à ilha, e ele não podia se dar ao luxo de falhar. Tinha que cuidar dela, não apenas porque prometeu a Maria, mas porque ele sabia que, sem ajuda, Helena não sobreviveria à verdade que ele ainda guardava. Com o coração pesado, ele se dirigiu até o jardim da casa, procurando por um lugar distante onde pudesse começar o que precisava fazer. A uma distância encontrou um pé de Jasmim, carregado de flores brancas que perfumavam o lugar à sua volta. Esse seria o local perfeito para o que tinha que fazer e pela beleza da planta, acalentaria o coração de Helena, era o mínimo que poderia fazer para diminuir a dor que iria causar. A do
–Onde está Maria? –E meu bebê? – Ela está com ele? Pergunta ainda fraca pelo esforço feito para dar a luz a criança. Antônio sentiu o peso da pergunta. Não poderia mais manter a farsa por muito tempo. A dor que ele sentia era imensurável, mas não havia alternativa. Ele precisava continuar com a mentira, por mais que isso o consumisse por dentro. –Helena. Começou ele, a voz agora mais baixa, como se cada palavra fosse um golpe em seu próprio coração. –O que tenho para te dizer não é fácil. Falo Ela o olhou, o semblante tornando-se mais tenso. –Como assim, Antônio? –O que você tem para me dizer? –Onde está Maria? –Onde está o meu filho? Helena despeja várias perguntas ao mesmo tempo. A palavra que ele estava prestes a dizer parecia sufocar sua garganta, mas ele sabia que não havia escolha. Helena precisava ouvir a verdade. A falsa verdade. –Seu filho... Nasceu morto, pela demora do parto, Maria tentou de tudo mas não houve jeito Helena. Digo vendo a dor tomar forma no co
Antônio Nesse momento, mesmo sendo um homem acostumado a enfrentar a morte de frente como sendo uma coisa normal, sinto meu coração se partir em sentir cada partícula de dor daquela jovem mulher.–Infelizmente, Helena, é a mais pura verdade. Digo, com a voz falhando. Tenho que manter cada parte do plano mesmo sangrando por dentro.–Eu não queria que fosse assim, mas... é a realidade. Afirmo.Os olhos de Helena se enchem de lágrimas, mas não há gritos nem protestos. Apenas um vazio profundo. Ela se vira de costas para mim na cama, e eu a ouço chorar baixinho, o som da sua dor é imensurável. Era a dor de uma mãe que acabara de perder tudo. Antônio, então, baixou a cabeça, sentindo-se envergonhado, pedindo, em silêncio, perdão a Deus por mais esse pecado.Saiu do quarto sem que Helena sequer o notasse. O sofrimento dela era agora a única coisa que ele carregava dentro de si. Nos dias que se seguiram, Antônio repetiu a rotina de levar comida e remédios para Helena. A cada vez que entr
Antônio Ele jamais imaginara que seria capaz de cavar o que parecia ser o túmulo de sua própria alma. Antonio havia perdido as contas das noites sem dormir, dos olhares de Helena que ele não conseguia sustentar. Cada lágrima que ela derramava era um golpe que lhe feria o peito, mas ele sabia que a verdade seria um golpe ainda mais mortal.Enquanto continuava a cavar, os aromas do jasmim pareciam zombar de sua dor. Como algo tão belo podia existir em um momento tão sombrio? Ele respirou fundo, tentando afastar os pensamentos que o atormentavam. Isso não é sobre mim, pensou. É sobre Helena. É sobre protegê-la de uma verdade que a destruiria.Quando o buraco estava pronto, ele colocou ali a caixa pequena, cuidadosamente embrulhada em um pano branco bordado. Helena jamais precisaria saber que dentro daquela caixa não havia o corpo de seu filho, mas sim apenas uma despedida simbólica. Antonio havia construído tudo com cuidado.A história, o local, até as flores que ele colocara ao redor p
Maria No dia seguinte, Maria decidiu que iria à fazenda. Miguel apareceu na pousada com sua caminhonete, e Maria, com Clara nos braços e sua bagagem, subiu ao veículo. — Está pronta? — perguntou Miguel, olhando pelo retrovisor. Maria apenas assentiu, o coração apertado de ansiedade. A viagem até a fazenda Santo Antônio levou pouco mais de uma hora. O caminho era ladeado por colinas verdes, plantações que pareciam não ter fim e riachos brilhando sob o sol da manhã. Quando chegaram, Maria viu a casa principal: uma construção simples, mas robusta, cercada por um jardim bem cuidado. Nos arredores, havia galpões, cercados de arame e um grande pasto onde algumas vacas pastavam. O senhor Alfredo as recebeu na varanda, um homem robusto, com cabelos grisalhos e um olhar cansado, mas firme. — Você deve ser a Maria — disse ele, estendendo a mão calejada. — Sim, senhor — respondeu ela, tentando esconder o nervosismo. — Miguel falou muito bem de você. E essa é a sua pequena? Maria segurou