Ao nascer do sol, Mikoto ainda não tinha se mexido, continuava sentada na areia, abraçada aos joelhos e encarando o horizonte com os olhos estáticos. Sequer dormira, com medo de ter um sonho profético que mostrasse algo que tinha medo de saber.
Os restos da fogueira que Haku acendera fumegavam às suas costas, e o menino examinava o terreno ao redor, a naginata em mãos, embora não soubesse manejá-la.
A jovem teve a impressão de que amanheceu rápido demais, ou talvez ela estivesse em choque e não percebera o tempo avançando. Esperava que a luz do sol revelasse uma visão dos botes salva-vidas, trazendo Takako, Sayuri, Yukio e todos os tripulantes sãos e salvos, mas só o que o dia trouxe foi um mar completamente vazio.
Ela tateou o bolso atrás de seu último recurso. O celular milagrosamente não tinha pifado mesmo em contato com a água,
-- Como assim nos reencontramos? – Mikoto deu um passo para trás. Akumi voltou-se para a porta de onde viera.-- Há quinze anos, eu perdi minha criação mais importante. Ela tinha a missão de devolver o mundo para nós.A menina precisou suprimir e silenciar o turbilhão de emoções de dor e desgosto por confirmar seu maior receio para continuar a seguir a mulher. As duas passaram para outra sala, muito maior, ocupada por um estranho maquinário, tecnológico, mas ainda assim antigo, como máquinas a vapor. Aquilo era claramente uma instalação de pesquisa.-- O que significa essa missão? Por que você quer destruir o mundo humano? – Mikoto não conteve a pergunta. Akumi virou-se para ela.-- Destruir? Não desejo destruir nada, não faria sentido, afinal era minha casa, e é para onde pretendo voltar. Foi para isso que
-- Levem-na para o laboratório. Começarei o processo de reformulação de memória ainda hoje – Akumi assumiu sua forma original, uma raposa de pelos alaranjados do tamanho de um porco e com oito caudas, ondulando atrás dela como as penas de um pavão.Depois que a nogitsune desapareceu escada abaixo, um tengu subiu e se dirigiu para Mikoto, mas seu peito foi transpassado por uma lâmina a meio caminho, e ele caiu morto diante de Yasha.-- Um youkai de nível tão baixo não deve tocar na minha irmã – ela disse com desprezo.Depois de limpar a tanto na roupa do tengu, Yasha a guardou no quimono e falou para a menina, apesar de saber que ela não podia ouvir.-- Aquilo foi muito interessante de se escutar. Não esperava aquela reação de você, mas até que gostei, maninha – com todo o cuidado ela segurou Mikoto no colo.
Mikoto parecia não estar em lugar nenhum, Haku começava a se desesperar. Seu irmão também estava preocupado, mas repetia o tempo inteiro como um mantra para se acalmar:-- Ela estava com Akumi-sama, então deve estar bem.A intuição de Haku dizia o contrário. Tudo naquele lugar exalava perigo, como fora idiota em ignorar seus instintos para satisfazer a própria curiosidade, e agora Mikoto desaparecera, e não podia culpar ninguém além de si mesmo.Haku afastou esses pensamentos, haveria tempo para se culpar depois, o mais importante agora era encontrar Mikoto para saírem dali. Ele olhou para seu gêmeo.-- Você conhece esse lugar melhor do que eu. Já olhamos várias salas, onde mais ela poderia estar?-- Ainda tem a ala leste, mas sou proibido de ir lá. Ikari-sama não admite que ninguém entre no laboratório de
-- Mikoto? – Takako e Sayuri também se paralisaram com a visão dela ameaçando Haku. Yukio sussurrou apavorado:-- O que ela está fazendo?-- Ei, Mikoto, calma – Haku ergueu as mãos, mas ela não abaixou a naginata.Havia algo errado com ela. Seu rosto estava congelado numa expressão neutra, e seu corpo mantinha uma postura tão rígida que se não fosse pelos cabelos que caíam sobre seus ombros, seria fácil pensar que Mikoto era uma estátua. O mais estranho eram seus olhos, vazios como se a mente dela não estivesse ali.E apesar disso, sua pérola ainda brilhava fracamente.-- Haku, se afaste, ela não está normal – Takako apertou o suzu com mais força. Sentia alguma energia sobre a amiga, algo maligno.Haku recuou para longe do alcance da naginata, e Mikoto assumiu uma posição defensiva. Say
Yasha não entendia o que dera errado, tivera certeza de mergulhar bem fundo no inconsciente de Mikoto e o remodelar para que não houvesse nada além do comando de obedecê-la. Como ela poderia ainda ter consciência para chorar e resistir a uma ordem sua?E por que a pérola ainda brilhava? Não fazia sentido, Mikoto não estava usando nenhum poder sagrado. Sequer podia tirar o colar dela porque a pedra e brilhava esquentava insuportavelmente à mera aproximação de seus dedos.De qualquer forma, a pérola não tem influência nenhuma no que me interessa agora.Novamente Yasha segurou a cabeça de Mikoto e fechou os olhos.Logo estava afundando dentro da parte mais oculta e íntima da psique da menina, e imediatamente percebeu que algo não estava certo.Ali dentro estava completamente vazio, como ela deixara há meia hora, mas havia
-- Por que tem que ser uma delas? – Yukio questionou.-- Além de nós, youkai, elas são as únicas aqui detentoras de alguma magia, e a delas é mais compatível por virem de pérolas celestiais. A pérola de Mikoto pode aceitar as suas sem vê-las como invasoras ou ameaças, como faria se Yasha ou algum youkai tentasse.As duas primas se entreolharam, divididas entre o desejo de ajudar Mikoto a qualquer custo e a desconfiança que o nekomata despertava. Ikari percebeu o conflito das duas e argumentou:-- Acatar minha última orientação ou não é escolha de vocês, mas sugiro que tomem uma decisão rápido. Deixei Yasha presa num poço, mas ela não vai demorar a voltar.-- Vamos fazer isso. Pelo menos tentar – Sayuri falou baixinho. Takako assentiu.-- Está bem, mas como?-- Eu tenho uma ideia.<
O brilho da hitodama se refletia nas paredes de água da fenda, dando ao ambiente uma luminosidade azulada que seria bonita se não fosse tão sobrenatural. E num momento o céu desapareceu, criando a sensação claustrofóbica de uma caverna subaquática.-- Você não é Mikoto, não é? Quem é você? – Takako falou para se distrair. Naturalmente, a hitodama não disse nada, mas a jovem ouviu vozes aparentemente vindas de cima, sussurros tão baixos que precisava se esforçar para captar algumas palavras soltas:-- Decepção.-- Armas vivas.-- Reprogramados e melhorados.A hitodama parou atrás da jovem miko, como que esperando à distância para não se envolver. Agora logo acima da cabeça de Takako, só iluminava um pequeno trecho adiante, depois havia só um breu impen
A ideia de Ikari de montar uma barricada com os móveis do laboratório era boa, mas se provou eficiente apenas nos primeiros minutos. Depois que a primeira leva de youkai só conseguiu escalá-la para ser alvejada de surpresa por Yukio, um mujina do tamanho de um tanque de guerra e a partiu ao meio com um só golpe.-- Haku? – Yukio olhou nervoso por cima do ombro, e o menino balançou negativamente a cabeça. As três garotas ainda não tinham acordado.Com o caminho aberto pelo mujina, os outros youkai avençaram contra Yukio, Ame e Ikari. O gato lançou bolas de fogo contra os primeiros tanukis a atacar e depois passou a usar as garras para retalhá-los. Yukio descarregou suas pistolas e lançou mão do cassetete, enquanto Ame golpeava o que estivesse ao alcance de seus punhos.Os guaxinins, gatos e doninhas não demoraram a cair, o maior problema foi quando o texu