Jonathan Schneider sai do prédio ao lado de Marta, vestida com um blazer branco impecável, celular em mãos e a agenda mentalmente cronometrada. O carro os espera na porta e em poucos minutos, estão a caminho de um restaurante sofisticado no centro financeiro da cidade, onde um seleto grupo de empresários os aguarda para o almoço.No salão elegante, entre taças tilintando e garçons discretos, tudo flui com maestria. Jonathan está em seu território: firme, articulado, irresistivelmente persuasivo. Ao lado dele, Marta acompanha cada nome, cada gesto, cada palavra com a atenção de quem lê mais do que se diz. Quando um executivo menciona um contrato com prazos apertados, ela já faz uma anotação. Quando outro fala da expansão para o norte do país, ela troca contatos com a assistente dele e anota uma possível visita técnica para a semana seguinte.— Sua assistente é afiada — comenta um dos empresários com um sorriso admirado. Jonathan lança um olhar rápido para Marta, quase orgulhoso. — É
A tarde cai, suave, nas janelas amplas da sala de reuniões executiva do Grupo Schneider. Lá dentro, Marta está sentada à mesa com Jonathan e Islanne, ambos com sorrisos contidos, quase cúmplices, enquanto ela toma um gole de água e os observa com atenção.Jonathan está visivelmente ansioso, os dedos tamborilando na madeira. Islanne, elegante como sempre, segura uma pasta de couro marrom.— Marta... — Jonathan começa, ajeitando-se na cadeira. — Nós temos algo para te propor.Ela arqueia uma sobrancelha, desconfiada.— Se for pra fazer teste de caminhão novo, já aviso que eu topo.Islanne solta uma risadinha, enquanto Jonathan revira os olhos com carinho.— Não dessa vez, Rainha do Caos. Estamos falando de um novo cargo. Diretoria adjunta. Você já provou mais do que o suficiente que tem visão, iniciativa, postura e jogo de cintura. E... sinceramente? Você já manda mais aqui que metade dos diretores.Marta arregala os olhos, chocada.— Diretoria? Gente... — ela engole seco, claramente e
A casa dorme.O silêncio é absoluto, denso, sufocante. Cada parede carrega o eco de risos que não existem mais. Marta recolheu-se. Eduardo partiu. O mundo lá fora continua, mas aqui dentro… o tempo parou.Jonathan está sozinho no corredor. De pé, diante da porta que não ousava tocar. A porta que esconde, atrás de si, o coração partido que ele nunca teve coragem de encarar.O antigo quarto de hóspedes.O quarto dela.A chave gira em sua mão suada. Ele hesita. Respira fundo. O coração aperta como se quisesse impedir o gesto. Mas já passou da hora.Com um clique seco, a fechadura cede.E o mundo dele desmorona.O cômodo permanece intocado, como um relicário silencioso do que poderia ter sido. O perfume da mulher que amou loucamente ainda está lá, doce e morno, misturado ao cheiro da lembrança dela, Aira. Suave como o toque que ele não sente há anos. E cruel como a ausência que nunca deixou de arder.Ele entra devagar, fechando a porta atrás de si com o cuidado de quem não quer acordar fa
Jonathan Eu achei que nunca teria coragem.Durante meses, talvez anos, me escondi desse momento, como se adiar a dor fosse a única forma de continuar respirando.Mas hoje... hoje eu entrei naquele quarto, e alguma coisa dentro de mim desmoronou.E, ao mesmo tempo, algo floresceu.Eu vi você, Aira.Tão viva na memória que doeu abrir os olhos.Senti seu cheiro, ouvi seu riso baixinho enquanto arrumava as coisas para a chegada do nosso bebê.Nosso filho...Eu nem cheguei a tocá-lo.Nunca o embalei nos braços, nunca senti o seu peso contra meu peito.Mas eu o amei.Desde o instante em que vi aquele pontinho na ecografia, eu o amei como só um pai pode amar.E é por isso que doeu tanto perder vocês.Mas não foi minha culpa.Foi um acidente.E eu repeti isso tantas vezes... tentando acreditar.Mas, no fundo, me castiguei todos os dias, como se eu devesse pagar com sofrimento o preço de ainda estar aqui.Só que hoje eu entendi.Eu não preciso me punir para continuar te amando.Eu não preciso
Marta atravessa a rua com uma mão na barriga, protegendo as vidas que carrega. O suor escorre pela sua nuca, a vertigem ameaça dobrar os seus joelhos, mas ela inspira fundo. Falta pouco. Falta muito pouco.E então, tudo acontece.O som de pneus cantando invade o ar como um grito. Um carro desgovernado surge do nada, avançando na direção dela como um predador. O impacto é brutal. Marta é lançada para o asfalto, seu corpo se choca contra o asfalto quente, e a dor vem antes mesmo que a consciência se apague. Seu último pensamento é uma súplica silenciosa: "Por favor… meus bebês…"— Meu Deus! — exclama uma senhora de cabelos grisalhos, que assistiu a tudo da calçada. Sem hesitar, ela faz um gesto rápido para um homem ao seu lado. — Ajude-a! Ligue para a emergência agora!A mulher se ajoelha ao lado de Marta, segurando a sua mão fria, seus olhos percorrendo o rosto pálido da jovem e sua barriga grande.— Aguente firme, querida… — sussurra, apertando os lábios. — Você não pode desistir ag
Diante de todas as adversidades, Marta não desiste. A fome a acompanha como uma sombra cruel dos últimos meses. O frio corta sua pele, os pés latejam, mas a necessidade de seguir em frente é maior do que o desespero.O dia inteiro foi assim, batendo de porta em porta, insistindo até o limite. Quando o cheiro de café quente invade suas narinas, Marta percebe o quanto está fraca. Seus bolsos vazios são a prova de que o pouco que tinha se esvaiu em uma passagem de ônibus, comprada com a esperança de um trabalho, onde a promessa de uma vaga de atendente evaporou assim que ela cruzou a porta e ouviu o gerente dizer:— Desculpe, a vaga já foi preenchida.Agora, ela vaga por ruas desconhecidas, sentindo o peso da cidade grande esmagá-la a cada "não" que recebe.— Só mais uma… só mais uma tentativa. — murmura para si mesma, tentando ignorar a dor latejante nos pés e a sensação de que está cada vez mais distante da vida que sonhou.Marta aperta o casaco surrado contra o corpo, mas o tecido fin
O som do despertador ecoa pelo quarto como um lembrete de que mais um dia começou. Mas Jonathan já está desperto há muito tempo. O teto acima dele é apenas uma prova em meio às sombras que nunca o deixam. Luxo, poder, sucesso... Nada disso tem efeito sobre ele. Porque, no fim das contas, nenhum império construído com suor e estratégia consegue preencher o vazio deixado por uma perda irreparável.Jonathan fechou os olhos, e a lembrança de Aira o envolveu como um abraço invisível. Eles eram perfeitos juntos, duas metades que se encaixavam sem esforço. O riso fácil, as conversas que varavam a madrugada, o simples toque dela incendiando a sua pele.Ele já havia tido inúmeras mulheres, mas nenhuma como Aira. O amor deles era palpável, intenso, uma força arrebatadora. No sexo, encontravam um refúgio onde tudo desaparecia, só existiam eles, ofegantes, consumidos por um desejo insaciável. Nunca, em toda sua experiência, conheceu algo tão avassalador.Com ela, conheceu o auge da felicidade. E
A tempestade ruge como uma fera descontrolada, e a noite é uma cortina negra cortada apenas pelos relâmpagos que rasgam o céu. A água da chuva não cai, ela despenca, formando rios que correm selvagens pelas ruas de paralelepípedo. Marta, encharcada e exausta, luta contra a correnteza que se forma ao longo da calçada, cada passo um desafio brutal. Seus pés escorregam, suas pernas fraquejam, e o peso da água a empurra, impiedoso.Um bueiro à frente é uma boca aberta, um abismo negro onde a enxurrada parece querer engoli-la viva. Marta tenta se segurar em um poste, mas seus dedos escorregam. O pânico a atinge como uma lâmina afiada, a ideia de ser tragada por aquela corrente furiosa a paralisa por um segundo eterno.— Não... não... — sua voz sai num sussurro abafado pela fúria da chuva.Quando está prestes a perder o equilíbrio, uma mão firme agarra o seu braço. Depois outra. Dois homens, vestidos com uniformes encharcados dos bombeiros, se esforçam para puxá-la de volta à calçada.— Te